Mas afinal, o copo do varejo está meio cheio ou meio vazio?

Revista Alshop

02/2014

 
1 – O varejo brasileiro está em crise? Por quê?
 
Muito longe disso. Um crescimento de vendas de mais de 4%, como o que o setor teve no ano passado não caracteriza crise em lugar nenhum. Por outro lado, é inegável que, como todo o resto da economia brasileira, o varejo brasileiro está crescendo menos do que ele mesmo crescia há poucos anos. A desaceleração demorou mais para atingir o varejo e o varejo continua crescendo mais do que o resto da economia brasileira, mas está se desacelerando. O lado cheio do copo do varejo brasileiro é que desde 2004, as vendas do varejo cresceram mais do que a produção da indústria em todos os anos e em 2014 não deve ser diferente. O lado vazio é que o crescimento de 2013 foi o menor do setor em 10 anos e em 2014 não deve ser muito melhor do que em 2013, possivelmente até seja pior.
 
 
2 – De que maneira esse segmento contribui para a economia nacional?
 
O varejo é um dos setores que mais emprega e gera riqueza no país e à medida que o consumo cresce mais do que o resto da economia há 10 anos, seu papel e sua capacidade de alavancar a economia brasileira como um todo tem se tornado cada vez mais importante.
 
 
3 – Como o aumento no consumo anotado de 2008 a 2012 estimulou a economia brasileira?
 
Os setores que mais cresceram no Brasil no período foram aqueles cujo desempenho é determinado pelo consumo: varejo, atacado e serviços. À medida que o número de pessoas trabalhando cresceu, os salários subiram e o crédito expandiu-se, o mercado consumidor no Brasil ampliou-se e o consumo ganhou mais importância na economia nacional. Dados os movimentos que estavam acontecendo na economia brasileira e mundial, nada disso deveria ser surpresa, tanto que ainda no início de 2010 publiquei um artigo, Abre alas, que a classe média quer passar, prevendo este forte crescimento do consumo. Ainda assim, sua importância para a economia brasileira foi brutal. Aliás, sem esta forte expansão do consumo, o Brasil estaria em recessão desde 2011.
 
 
4 – De que maneira basear o crescimento do país no consumo das massas pode ser prejudicial ao nosso desenvolvimento?
 
A expansão do consumo de massas em si é muito benéfica em termos econômicos e sociais. O problema é que ela não pode ser a única base de crescimento do país e tem sido. Se um país só estimula o consumo e não estimula a produção, acaba acontecendo um desequilíbrio entre forte crescimento da procura por produtos e serviços e crescimento menor da oferta destes produtos e serviços. O resultado é menor crescimento econômico, pressão inflacionária e piora da balança comercial devido a forte aumento das importações. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil.
De 2004 a 2010, o PIB brasileiro cresceu a um ritmo de quase 5% a.a., 2,5 vezes a média dos 25 anos anteriores. Só foi possível por ajustes econômicos feitos antes, um forte crescimento na procura global por matérias primas que exportamos, e uma grande queda do custo de capital no mundo. Este modelo de desenvolvimento baseado na expansão da procura tanto externa quanto doméstica pelos nossos produtos e serviços está esgotado. Nos últimos 3 anos, voltamos à média histórica de crescimento do PIB de apenas 2% a.a.
Em novembro do ano passado, escrevi um artigo chamado Feliz 2014? Prevendo que a economia brasileira como um todo teria, na melhor das hipóteses, um 2014 medíocre. Na pior, estagnação. Sem uma nova crise externa, o PIB deve cresceria cerca de 2% e os juros subiriam para impedir que a inflação aumentasse, mas se uma desaceleração dos estímulos monetários nos EUA deflagrasse o estouro de bolhas de ativos pelo mundo, a recuperação da economia chinesa fosse abortada, ou novas crises financeiras pipocassem na Europa ou nos países emergentes, nosso crescimento seria próximo de nulo.
De lá para cá, as perspectivas para o crescimento brasileiro pioraram. De acordo com os dados do Banco Central, o Brasil está em recessão desde o 3º trimestre do ano passado.
Aliás, todo final de ano, escrevo um artigo sobre as perspectivas econômicas para o ano seguinte. Feliz 2014? Foi o 4º artigo consecutivo prevendo que o crescimento no Brasil decepcionaria. Enquanto nossa política econômica não mudar, privilegiando a produção, o crescimento não vai se acelerar de forma sustentável.
 
 
5 – Por que os grandes players do varejo brasileiro ainda não figuram entre os maiores do mundo? O que pode mudar?
 
A principal razão é que o consumo e o crédito ainda representam na economia brasileira parcelas muito menores do que representam na maior parte do resto do mundo. Exatamente por isso que o consumo pode crescer mais rápido do que o resto da economia nos últimos 10 anos e tem tudo para continuar a crescer nos próximos 10 anos, fazendo com que os varejistas brasileiros ganhem cada vez mais importância no cenário mundial do setor.
 
 
6 – O que explica a diminuição na inadimplência no varejo, de acordo com a Serasa Experian? Pq os dados da Serasa são diferentes do SPC?
 
Amostras diferentes, em algumas situações, como esta, mostram sinais conflitantes. Exatamente, por isso, acredito que os melhores dados sobre inadimplência no Brasil são os do Banco Central, por serem os mais abrangentes. Eles mostraram um recuo da inadimplência no ano passado que, na minha opinião, aconteceu em função do desemprego ainda ter caído um pouco e os salários terem crescido em termos reais, mas principalmente do fato da maioria das instituições financeiras ter se tornado bem mais criteriosa na concessão de crédito de cerca de dois anos para cá, após a elevação da inadimplência naquele período.
 
 
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo o Klout.com. Perfil no Twitter: @ricamconsult.

LinkedIn
Facebook
Twitter

Relacionados

Sair da versão mobile