Conhecido desde 2003 na mídia como um dos debatedores do programa Manhattan Connection do canal a cabo GNT, o economista Ricardo Amorim é Diretor de Pesquisa Econômica e Investimento para a América Latina de um dos maiores bancos da Alemanha, o WestLB. Além de gerenciar uma equipe de economistas encarregados de analisar perspectivas econômicas e políticas na América Latina e desenvolver estratégias de investimentos para os clientes do banco, também realiza palestras no Brasil, Estados Unidos, Europa e América Latina e atua como fonte de vários veículos de comunicação, nacionais e internacionais, sobre tendências econômicas mundiais.
O Instituto Millenium solicitou a Ricardo que respondesse dez questões elaboradas pelos economistas Claudio Shikida e Rodrigo Constantino. O leitor pode conferir, na seqüência, suas respostas sobre o cenário político e econômico do Brasil e do mundo, incluindo temas como a crise da economia americana, economia européia, governo Bush e governo Lula.
1) Qual a sua opinião sobre o cenário econômico global no momento? A crise é estrutural e veio para ficar, ou estamos apenas verificando correções de excessos cometidos no passado?
Ricardo Amorim – Toda crise é uma correção de excessos passados. Esta tem alguns componentes estruturais importantes, mas também tem alguns mitigantes igualmente importantes. Os componentes estruturais são as fragilidades nos mercados imobiliário e bancário norte-americanas, que somadas a uma situação fiscal frágil e a um grande déficit comercial enfraquecem muito o dólar. Como mitigantes internos temos a forte injeção de liquidez pelo Fed, o banco central dos EUA e o estímulo do pacote fiscal, que somados à forte injeção de recursos dos fundos soberanos do Oriente Médio e da Ásia limitam a crise nos EUA. Mais importante, com o fortalecimento dramático dos fundamentos econômicos dos paises emergentes nos últimos anos, o resto da economia mundial nunca esteve tão bem preparada para lidar com uma crise na maior economia do mundo. Em resumo, temos um cabo de guerra entre as fragilidades da economia dos EUA e os estímulos econômicos recebidos pelas políticas fiscal e monetária e a forca das economias emergentes.
2) A correlação entre o crescimento econômico do resto do mundo e o dos Estados Unidos vem caindo nas últimas décadas. Você acredita que isso é suficiente para acreditarmos na tese do “descolamento”, onde a dinâmica interna da Ásia, por exemplo, não seria tão afetada pela crise americana? Ou a influência americana ainda é crucial para o mundo?
RA – Não é possível que uma recessão na maior economia do mundo não tenha nenhum impacto sobre o resto da economia mundial. O que mudou é que o impacto nunca foi tão pequeno quanto será desta vez em função da gradual perda de importância da economia americana e ganho de importância da economia asiática que se intensificou na ultima década. Na prática, o descolamento já vem acontecendo. O crescimento doméstico asiático se acelerou nos últimos trimestres, apesar da desaceleração do crescimento dos EUA.
3) O economista austríaco Ludwig von Mises escreveu o seguinte: “Não há meio algum de se evitar o colapso final de uma expansão econômica gerada pela expansão do crédito. A alternativa é apenas se a crise deve chegar antes como o resultado de um abandono voluntário de mais expansão do crédito, ou depois como uma catástrofe final e total do sistema monetário envolvido”. O que você acha desta afirmação? Qual o grau de confiança que você deposita no Fed para salvar a economia da crise? E qual seria a parcela de culpa que você atribuiria ao próprio Fed pela crise, já que este manteve por um longo período as taxas de juros em patamares absurdamente baixos?
RA – Todo ciclo econômico tem uma fase de expansão e uma de retração, seja ele impulsionado por crédito ou não. Por outro lado, crises de crédito costumam, de fato, durar duas vezes mais e ser três vezes mais profundas em termos de retração de crescimento do que crises cambiais, por exemplo. O Fed pode limitar o tamanho e a duração da crise ao oferecer liquidez financeira, mas não tem como evitá-la a estas alturas. Para que isso tivesse acontecido, o Fed teria de ter sido muito mais agressivo há mais tempo, o que não era recomendável devido a preocupações inflacionárias.
4) Em seu livro de memórias A Era da Turbulência, o ex-chairman do Fed, Alan Greenspan, dedica um capítulo ao problema do populismo na América Latina. Ele afirma: “[…] com muito poucas exceções, a América Latina não conseguiu desarmar-se do populismo econômico que, em sentido figurado, desarmou todo um continente em sua competição com o resto do mundo”. Em resumo, apesar da esquerda colocar a culpa dos nossos males no “neoliberalismo” ou na globalização, o fato é que ambos passaram longe da região. Em sua opinião, quais os principais obstáculos para que o capitalismo de livre mercado possa nos dar o ar de sua graça?
RA – A má distribuição de renda e os conflitos sociais gerados por ela criaram um campo fértil para o populismo na América Latina. Nestes paises, se não derem a devida importância a políticas redistributivas, os liberais deixarão o campo livre para ser ocupado pelos populistas. Em paises com problemas de má distribuição de renda e conflitos sociais, como o Brasil, há necessidade tanto de se dar o peixe, como fazem os populistas, quanto de se criar condições para pescar, como fazem os liberais. Em resumo, para dominar o espectro político na América Latina, os liberais precisariam lutar fortemente contra um Estado inchado e gastador, mas também reconhecer a demanda popular por políticas distributivas. Caso contrário, suas perspectivas eleitorais serão limitadas.
5) Qual a sua avaliação do governo Bush? Quais teriam sido seus principais erros e acertos?
RA – O governo Bush passará à Historia como um dos piores que os EUA já tiveram. Em 8 anos, gerou-se uma mega-piora na situação fiscal do país; o déficit comercial explodiu; a bolha imobiliária foi fortemente inflada; o sentimento internacional pró-EUA pós-11 de setembro de 2001 – talvez o mais positivo desde a década de 50 – foi revertido no mais forte sentimento antiamericano de todos os tempos; a agenda de liberalismo comercial internacional, que costuma ser liderado pelos EUA, regrediu por falta de liderança e medidas protecionistas adotadas no inicio do primeiro mandato; a falta de uma política agressiva de redução de consumo de derivados de petróleo contribuiu para que o preço do petróleo se multiplicasse por 10 ao longo dos dois mandatos, financiando regimes de inimigos políticos dos EUA. Sua política de imigração, talvez a única política correta importante da administração Bush, fracassou por falta de apoio político e liderança no Congresso.
6) Um dos principais riscos que podem surgir com a crise econômica mundial é o crescimento do protecionismo comercial, criando entraves ao processo da globalização, que tanto tem beneficiado o mundo. Como você enxerga esse risco? Nesse contexto, você diria que uma vitória dos Democratas, tradicionalmente mais protecionistas, poderia criar um problema nesse sentido?
RA – O risco de protecionismo econômico em períodos de recessão sempre é grande. Paradoxalmente, o maior risco vem dos EUA, tradicionalmente os lideres do liberalismo comercial. Na medida em que a recessão nos EUA se aprofundar, a caça às bruxas, com os chineses sendo erroneamente convertidos em culpados deve se intensificar. No entanto, no momento atual, os EUA dependem mais das reservas internacionais chinesas para financiar os déficits fiscal e de transações correntes americanos do que os chineses do consumidor americano para comprar seus produtos. Uma venda massiva de dólares pelo governo chinês, como possível represália a um protecionismo americano em relação à China, poderia causar uma mega-desvalorização do dólar, desestabilizando ainda mais a economia americana. Em tese, governos democratas são mais suscetíveis a pressões protecionistas e menos responsáveis fiscalmente do que governos republicanos, mas nem sempre isto é verdade. O liberalismo comercial avançou e a situação fiscal melhorou no governo Clinton, um governo democrata; ambos regrediram no governo Bush, um governo republicano.
7) Muitos focam nos excessos supostamente cometidos pelos consumidores americanos nesta fase de bonança mundial, mas poucos falam dos crescentes gastos governamentais na Europa. Os principais países europeus possuem patamares elevados de endividamento sobre o PIB, carga tributária já extremamente elevada e um rombo previdenciário crescente e explosivo, com uma população envelhecendo rapidamente. Como você encara esses perigos provenientes da Europa? Acredita que governantes como Sarkozy, cujo discurso defende reformas nessas áreas, serão capazes de enfrentar os privilégios dos grupos de interesses e atacar os pilares dos problemas, reduzindo os gastos estatais? Ou estaria a Europa fadada a se transformar num grande museu?
RA – As fragilidades da economia européia são sérias, talvez tão sérias quanto as da americana, mas claramente não são tão prementes. A principal diferença é que os problemas da economia americana têm o potencial de levar a economia mundial a uma depressão nos próximos trimestres ou anos, coisa que os problemas da economia européia não têm. Em ambos os casos, as fragilidades econômicas devem manter tanto os EUA quanto a Europa com crescimento reduzido ao longo de um período relativamente longo, fazendo com que continuem a gradualmente perder importância na economia mundial à medida em que os paises emergentes tornam-se gradualmente mais importantes.
O jornalismo econômico, no Brasil, parece ser bem inferior que seu similar norte-americano ou europeu. Esta é a impressão que muitos economistas que já foram alvos de entrevistas discutem informalmente. O que fazer para melhorar isto? Há bons cursos de jornalismo econômico ou há apenas repetições de chavões da época da Guerra Fria? O que falta para o jornalista que cobre fenômenos econômicos, de fato, merecer um emprego, digamos, no “The Wall Street Journal” ou na “The Economist”?
RA – Minha impressão é que não apenas o jornalismo econômico, mas todo debate econômico brasileiro é limitado. Décadas de crises e hiperinflação levaram todo o debate brasileiro a ser focado quase exclusivamente em solução de problemas de curto prazo e não em criação de condições propícias para o desenvolvimento acelerado. Criou-se no Brasil um derrotismo baseado na história econômica dos últimos 30 anos. O copo sempre estará meio cheio e meio vazio, mas enquanto os brasileiros continuam vendo principalmente nossos problemas, hoje os estrangeiros vêem principalmente oportunidades no Brasil.
9) O governo Lula nunca viu com bons olhos o modelo regulatório herdado do governo anterior. O que você acha disto? Houve mudança no segundo mandato? Se houve, foi na direção que você, como economista, esperaria?
RA – O Governo Lula teve a sorte de lidar com condições econômicas globais muito favoráveis, o mérito de avançar em políticas distributivas, o bom-senso de manter e, em alguns casos, aprofundar os pilares de estabilidade econômica herdados do governo anterior, e o demérito de não avançar quase nada na melhora de condições institucionais que permitam um crescimento mais rápido no Brasil e, em muitos casos, até piorá-las. A politização de cargos técnicos do governo e o enfraquecimento das agências reguladoras foram apenas dois aspectos deste demérito importante. Ainda mais séria foi a expansão da carga tributária e dos gastos públicos. A expansão dos gastos sociais deveria ter sido financiada com redução de gastos administrativos do governo, especialmente aposentadoria do funcionalismo publico, jamais com expansão da carga tributária. Aliás, o governo Lula deveria também ter promovido expansão mais significativa de investimentos públicos com redução de carga tributária e gastos públicos.
10) Jorge Vianna Monteiro, da PUC-RJ, em sua carta quinzenal “Estratégia Macroeconômica”, tem sido apontado para um fato pouco analisado por jornalistas da área econômica: a economia política das medidas provisórias. Em resumo, sabemos que não existe almoço grátis e, mesmo planos econômicos têm um custo que, em nosso caso, parece ser o da destruição do equilíbrio dos Três Poderes. O que você acha disto?
RA – Desde o governo FHC, as MPs tornaram-se um instrumento cada vez mais importante de implementação de políticas por parte do Executivo. Obviamente, este instrumento muda o equilíbrio de forças entre os poderes, mas ele me parece mais uma resposta à distorção da representação legislativa no Brasil, com excesso de partidos, falta de fidelidade partidária, sub-representação legislativa dos estados mais populosos e super-representação de estados menos populosos do que a causa de desequilíbrio na relação entre os Poderes.
O Instituto Millenium solicitou a Ricardo que respondesse dez questões elaboradas pelos economistas Claudio Shikida e Rodrigo Constantino. O leitor pode conferir, na seqüência, suas respostas sobre o cenário político e econômico do Brasil e do mundo, incluindo temas como a crise da economia americana, economia européia, governo Bush e governo Lula.
1) Qual a sua opinião sobre o cenário econômico global no momento? A crise é estrutural e veio para ficar, ou estamos apenas verificando correções de excessos cometidos no passado?
Ricardo Amorim – Toda crise é uma correção de excessos passados. Esta tem alguns componentes estruturais importantes, mas também tem alguns mitigantes igualmente importantes. Os componentes estruturais são as fragilidades nos mercados imobiliário e bancário norte-americanas, que somadas a uma situação fiscal frágil e a um grande déficit comercial enfraquecem muito o dólar. Como mitigantes internos temos a forte injeção de liquidez pelo Fed, o banco central dos EUA e o estímulo do pacote fiscal, que somados à forte injeção de recursos dos fundos soberanos do Oriente Médio e da Ásia limitam a crise nos EUA. Mais importante, com o fortalecimento dramático dos fundamentos econômicos dos paises emergentes nos últimos anos, o resto da economia mundial nunca esteve tão bem preparada para lidar com uma crise na maior economia do mundo. Em resumo, temos um cabo de guerra entre as fragilidades da economia dos EUA e os estímulos econômicos recebidos pelas políticas fiscal e monetária e a forca das economias emergentes.
2) A correlação entre o crescimento econômico do resto do mundo e o dos Estados Unidos vem caindo nas últimas décadas. Você acredita que isso é suficiente para acreditarmos na tese do “descolamento”, onde a dinâmica interna da Ásia, por exemplo, não seria tão afetada pela crise americana? Ou a influência americana ainda é crucial para o mundo?
RA – Não é possível que uma recessão na maior economia do mundo não tenha nenhum impacto sobre o resto da economia mundial. O que mudou é que o impacto nunca foi tão pequeno quanto será desta vez em função da gradual perda de importância da economia americana e ganho de importância da economia asiática que se intensificou na ultima década. Na prática, o descolamento já vem acontecendo. O crescimento doméstico asiático se acelerou nos últimos trimestres, apesar da desaceleração do crescimento dos EUA.
3) O economista austríaco Ludwig von Mises escreveu o seguinte: “Não há meio algum de se evitar o colapso final de uma expansão econômica gerada pela expansão do crédito. A alternativa é apenas se a crise deve chegar antes como o resultado de um abandono voluntário de mais expansão do crédito, ou depois como uma catástrofe final e total do sistema monetário envolvido”. O que você acha desta afirmação? Qual o grau de confiança que você deposita no Fed para salvar a economia da crise? E qual seria a parcela de culpa que você atribuiria ao próprio Fed pela crise, já que este manteve por um longo período as taxas de juros em patamares absurdamente baixos?
RA – Todo ciclo econômico tem uma fase de expansão e uma de retração, seja ele impulsionado por crédito ou não. Por outro lado, crises de crédito costumam, de fato, durar duas vezes mais e ser três vezes mais profundas em termos de retração de crescimento do que crises cambiais, por exemplo. O Fed pode limitar o tamanho e a duração da crise ao oferecer liquidez financeira, mas não tem como evitá-la a estas alturas. Para que isso tivesse acontecido, o Fed teria de ter sido muito mais agressivo há mais tempo, o que não era recomendável devido a preocupações inflacionárias.
4) Em seu livro de memórias A Era da Turbulência, o ex-chairman do Fed, Alan Greenspan, dedica um capítulo ao problema do populismo na América Latina. Ele afirma: “[…] com muito poucas exceções, a América Latina não conseguiu desarmar-se do populismo econômico que, em sentido figurado, desarmou todo um continente em sua competição com o resto do mundo”. Em resumo, apesar da esquerda colocar a culpa dos nossos males no “neoliberalismo” ou na globalização, o fato é que ambos passaram longe da região. Em sua opinião, quais os principais obstáculos para que o capitalismo de livre mercado possa nos dar o ar de sua graça?
RA – A má distribuição de renda e os conflitos sociais gerados por ela criaram um campo fértil para o populismo na América Latina. Nestes paises, se não derem a devida importância a políticas redistributivas, os liberais deixarão o campo livre para ser ocupado pelos populistas. Em paises com problemas de má distribuição de renda e conflitos sociais, como o Brasil, há necessidade tanto de se dar o peixe, como fazem os populistas, quanto de se criar condições para pescar, como fazem os liberais. Em resumo, para dominar o espectro político na América Latina, os liberais precisariam lutar fortemente contra um Estado inchado e gastador, mas também reconhecer a demanda popular por políticas distributivas. Caso contrário, suas perspectivas eleitorais serão limitadas.
5) Qual a sua avaliação do governo Bush? Quais teriam sido seus principais erros e acertos?
RA – O governo Bush passará à Historia como um dos piores que os EUA já tiveram. Em 8 anos, gerou-se uma mega-piora na situação fiscal do país; o déficit comercial explodiu; a bolha imobiliária foi fortemente inflada; o sentimento internacional pró-EUA pós-11 de setembro de 2001 – talvez o mais positivo desde a década de 50 – foi revertido no mais forte sentimento antiamericano de todos os tempos; a agenda de liberalismo comercial internacional, que costuma ser liderado pelos EUA, regrediu por falta de liderança e medidas protecionistas adotadas no inicio do primeiro mandato; a falta de uma política agressiva de redução de consumo de derivados de petróleo contribuiu para que o preço do petróleo se multiplicasse por 10 ao longo dos dois mandatos, financiando regimes de inimigos políticos dos EUA. Sua política de imigração, talvez a única política correta importante da administração Bush, fracassou por falta de apoio político e liderança no Congresso.
6) Um dos principais riscos que podem surgir com a crise econômica mundial é o crescimento do protecionismo comercial, criando entraves ao processo da globalização, que tanto tem beneficiado o mundo. Como você enxerga esse risco? Nesse contexto, você diria que uma vitória dos Democratas, tradicionalmente mais protecionistas, poderia criar um problema nesse sentido?
RA – O risco de protecionismo econômico em períodos de recessão sempre é grande. Paradoxalmente, o maior risco vem dos EUA, tradicionalmente os lideres do liberalismo comercial. Na medida em que a recessão nos EUA se aprofundar, a caça às bruxas, com os chineses sendo erroneamente convertidos em culpados deve se intensificar. No entanto, no momento atual, os EUA dependem mais das reservas internacionais chinesas para financiar os déficits fiscal e de transações correntes americanos do que os chineses do consumidor americano para comprar seus produtos. Uma venda massiva de dólares pelo governo chinês, como possível represália a um protecionismo americano em relação à China, poderia causar uma mega-desvalorização do dólar, desestabilizando ainda mais a economia americana. Em tese, governos democratas são mais suscetíveis a pressões protecionistas e menos responsáveis fiscalmente do que governos republicanos, mas nem sempre isto é verdade. O liberalismo comercial avançou e a situação fiscal melhorou no governo Clinton, um governo democrata; ambos regrediram no governo Bush, um governo republicano.
7) Muitos focam nos excessos supostamente cometidos pelos consumidores americanos nesta fase de bonança mundial, mas poucos falam dos crescentes gastos governamentais na Europa. Os principais países europeus possuem patamares elevados de endividamento sobre o PIB, carga tributária já extremamente elevada e um rombo previdenciário crescente e explosivo, com uma população envelhecendo rapidamente. Como você encara esses perigos provenientes da Europa? Acredita que governantes como Sarkozy, cujo discurso defende reformas nessas áreas, serão capazes de enfrentar os privilégios dos grupos de interesses e atacar os pilares dos problemas, reduzindo os gastos estatais? Ou estaria a Europa fadada a se transformar num grande museu?
RA – As fragilidades da economia européia são sérias, talvez tão sérias quanto as da americana, mas claramente não são tão prementes. A principal diferença é que os problemas da economia americana têm o potencial de levar a economia mundial a uma depressão nos próximos trimestres ou anos, coisa que os problemas da economia européia não têm. Em ambos os casos, as fragilidades econômicas devem manter tanto os EUA quanto a Europa com crescimento reduzido ao longo de um período relativamente longo, fazendo com que continuem a gradualmente perder importância na economia mundial à medida em que os paises emergentes tornam-se gradualmente mais importantes.
O jornalismo econômico, no Brasil, parece ser bem inferior que seu similar norte-americano ou europeu. Esta é a impressão que muitos economistas que já foram alvos de entrevistas discutem informalmente. O que fazer para melhorar isto? Há bons cursos de jornalismo econômico ou há apenas repetições de chavões da época da Guerra Fria? O que falta para o jornalista que cobre fenômenos econômicos, de fato, merecer um emprego, digamos, no “The Wall Street Journal” ou na “The Economist”?
RA – Minha impressão é que não apenas o jornalismo econômico, mas todo debate econômico brasileiro é limitado. Décadas de crises e hiperinflação levaram todo o debate brasileiro a ser focado quase exclusivamente em solução de problemas de curto prazo e não em criação de condições propícias para o desenvolvimento acelerado. Criou-se no Brasil um derrotismo baseado na história econômica dos últimos 30 anos. O copo sempre estará meio cheio e meio vazio, mas enquanto os brasileiros continuam vendo principalmente nossos problemas, hoje os estrangeiros vêem principalmente oportunidades no Brasil.
9) O governo Lula nunca viu com bons olhos o modelo regulatório herdado do governo anterior. O que você acha disto? Houve mudança no segundo mandato? Se houve, foi na direção que você, como economista, esperaria?
RA – O Governo Lula teve a sorte de lidar com condições econômicas globais muito favoráveis, o mérito de avançar em políticas distributivas, o bom-senso de manter e, em alguns casos, aprofundar os pilares de estabilidade econômica herdados do governo anterior, e o demérito de não avançar quase nada na melhora de condições institucionais que permitam um crescimento mais rápido no Brasil e, em muitos casos, até piorá-las. A politização de cargos técnicos do governo e o enfraquecimento das agências reguladoras foram apenas dois aspectos deste demérito importante. Ainda mais séria foi a expansão da carga tributária e dos gastos públicos. A expansão dos gastos sociais deveria ter sido financiada com redução de gastos administrativos do governo, especialmente aposentadoria do funcionalismo publico, jamais com expansão da carga tributária. Aliás, o governo Lula deveria também ter promovido expansão mais significativa de investimentos públicos com redução de carga tributária e gastos públicos.
10) Jorge Vianna Monteiro, da PUC-RJ, em sua carta quinzenal “Estratégia Macroeconômica”, tem sido apontado para um fato pouco analisado por jornalistas da área econômica: a economia política das medidas provisórias. Em resumo, sabemos que não existe almoço grátis e, mesmo planos econômicos têm um custo que, em nosso caso, parece ser o da destruição do equilíbrio dos Três Poderes. O que você acha disto?
RA – Desde o governo FHC, as MPs tornaram-se um instrumento cada vez mais importante de implementação de políticas por parte do Executivo. Obviamente, este instrumento muda o equilíbrio de forças entre os poderes, mas ele me parece mais uma resposta à distorção da representação legislativa no Brasil, com excesso de partidos, falta de fidelidade partidária, sub-representação legislativa dos estados mais populosos e super-representação de estados menos populosos do que a causa de desequilíbrio na relação entre os Poderes.