02/2012
Por Eva Rodrigues
“A inflação brasileira deve ficar abaixo dos 4,5% neste ano”
Economista avalia que há grande chance de os juros básicos ficarem inferiores ao piso de 8,75% de 2009.
A crise na Europa pode piorar muito ainda e, como consequência, o Brasil deve crescer abaixo de 3% em 2012 e, a depender do aprofundamento dos problemas na zona do euro, pode ter crescimento negativo a exemplo do ocorrido em 2009. A boa notícia, na avaliação do economista e presidente da Ricam Consultoria, Ricardo Amorim, é que o processo desinflacionário visto pelo Banco Central pode sim se concretizar e trazer para baixo oÍndice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que, segundo ele, deve ficar abaixo da meta de 4,5% neste ano.
Como o sr. avalia o atual desenrolar da crise global?
Nos últimos meses vieram algumas notícias mais favoráveis. Vimos indicadores nos Estados Unidos mostrando a economia menos fraca do que se temia. Na China também parece que o pior já ficou para trás e está havendo um reaquecimento da economia. Já na Europa, a condução da situação continua muito dividida do ponto de vista político. Por um lado, para evitar uma crise mais aguda de curto prazo foram tomadas medidas importantes.
Mas temos que olhar para a crise europeia sob dois aspectos principais: o primeiro é evitar que se chegue a uma mega crise, com calote de dívidas de países ou quebra de bancos. O segundo aspecto é criar condições para que países da Europa voltem a crescer e a situação melhore.
Os países emergentes devem ajudar?
A diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, quer a contribuição de mais recursos de países emergentes. Como é um dinheiro de muito risco (países correm risco de default), os emergentes devem pedir contrapartida para aumentar suas contribuições ao Fundo, como por exemplo uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, o que deve emperrar o processo.
O cenário pode piorar muito?
Podemos dizer que no curto prazo o cenário melhorou, mas os riscos são imensos. Portugal, por exemplo, está ficando numa situação insustentável, caminhando para o calote da dívida.
Se isso acontecer podem sumir as fontes de financiamento para a Itália e Espanha e a crise pode ficar pior que a de 2008 porque não há espaço para cortar juros e no lado fiscal não tem o que mexer porque se trata justamente de uma crise fiscal.
Dessa forma, é muito provável que a situação na Europa piore bastante, contamine Estados Unidos e leve a crescimento menor na China.
E o Brasil nesse cenário?
Para o Brasil as consequências devem ser parecidas com o que ocorreu em 2009.
Vamos ter um crescimento bem abaixo da expectativa atual de 3,3% (mediana do boletim Focus). Na melhor das hipóteses o Brasil cresce um pouquinho menos que 3,3% e na pior pode registrar queda no PIB. A contrapartida disso é que o país tem espaço para estímulo fiscal e monetário, que já está em andamento. Então podemos dizer que o país retoma crescimento ao longo deste ano, mas de forma muito lenta e com crescimento mais forte somente em 2013. Se o crescimento ficar próximo de zero neste ano, a base de comparação fraca poderá nos levar a bater recorde em 2013 em relação aos 7,5% registrados em 2010. Como média, em 2012-2013 devemos ficar em torno de 4%.
Para que patamar precisa desacelerar o crescimento chinês para que as exportações de commodities brasileiras sofram de forma significativa?
Um crescimento abaixo de 8% na China pode fazer despencar os preços de commodities, como ocorreu no início de 2009.
Agora, olhando para a situação na Europa como está hoje, a perspectiva é que os preços subam um pouquinho e, se ocorrer algum evento mais profundo,
os preços podem cair muito de repente.
A crença do Banco Central é de que a crise terá efeitos desinflacionários por aqui. O sr. concorda?
O BC está correto e há algumas variáveis que apontam para isso: os bancos estão cortando crédito em todo mundo e isso afeta o Brasil também; as empresas multinacionais estão repatriando mais capitais ao invés de deixar o dinheiro aqui; um terceiro ponto é que os países vão importar menos, o que aumenta a oferta no mercado doméstico e pressiona os preços para baixo. Dadas essas condições, a inflação medida pelo IPCA (do IBGE) já deve ficar abaixo dos 4,5% (centro da meta) neste ano. Ou seja, a inflação foi um problema no ano passado mas não deve ser agora. É claro que a inflação de serviços, voltada para o mercado interno, cai bem menos; já os bens duráveis, que dependem mais de demanda externa, terão inflação próxima de zero
ou até negativa. Na média, o IPCA tem grande chances de fechar abaixo de 4,5%.
O atual ciclo de afrouxamento monetário para em que patamar de juros?
Mais uma vez, depende da gravidade da crise na Europa. O que eu acho é que há uma chance significativa de ir além dos 8,75% de 2009.
A perspectiva do governo de retomar investimentos neste ano é factível com o discurso de cumprimento da meta cheia de superávit primário? Essa conta fecha?
Fecharia se o governo cortasse os gastos correntes de forma muito significativa—isso mudaria o processo de desenvolvimento brasileiro. Ao gastar muito menos o governo pode investir mais, cria espaço para reduções de impostos e ainda facilita o processo de queda nos juros básicos do país. Todo esse movimento em conjunto resultaria num país com crescimento mais sustentável no longo prazo. E para cortar gastos correntes a medida mais importante é a criação do Fundo de Pensão dos Servidores Públicos Federais (Funpresp).
Como o sr. avalia as medidas protecionistas tomadas recentemente pelo governo, como o aumento do IPI para carros importados?
Como o governo gasta demais, a taxa de juros é muito alta, muito capital de fora é atraído para o Brasil, o real fica fortalecido e atrapalha a competitividade da indústria nacional. Então, se o governo conseguir cortar gastos, não precisa de medidas protecionistas, porque elas ajudam o produtor à custa do consumidor brasileiro, que vai pagar mais.