Ricardo Amorim: "Sem foco em produtividade, a economia não se sustenta".

03/2014

Revista AlShop

 
Reconhecido internacionalmente como economista e palestrante, Ricardo Amorim esteve na edição 2013 da Brasilshop, Congresso Nacional do Varejo organizado pela Alshop anualmente. Amorim também é apresentador do Manhattan
Connection da Globonews – onde teve, recentemente, que intermediar uma discussão calorosa entre a presidente do Magazine Luiza, Helena Trajano, e o jornalista Diogo Mainardi. O fato ganhou grande repercussão nas redes sociais, levando um vídeo do programa a um recorde de compartilhamentos divididos entre os que concordavam com “o copo meio cheio” de Luiza e a visão pessimista de Mainardi sobre o desenvolvimento do varejo, os índices de inadimplência e a concorrência entre o comércio físico e o eletrônico.
Como nenhum dos dois personagens tem o histórico de Ricardo Amorim – presidente da Ricam Consultoria e único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil, segundo o Klout.com – recorremos à sua expertise como fiel da balança.
Afinal, o que os varejistas brasileiros, especialmente os de shoppings centers, podem esperar de 2014?
“O que esperar da economia em 2014? Sem uma nova crise externa, o PIB deve crescer cerca de 2%, os juros subirão para impedir que a inflação aumente e o dólar cairá ao longo do ano”, responde, sem pestanejar. “Pelo 11º ano consecutivo, a produção industrial deve expandir-se menos do que as vendas no varejo. Continuaremos a consumir mais do que produzimos. Em algum momento isto ficará insustentável e deflagrará uma nova crise que forçará as mudanças que poderíamos ter feito antes, por escolha própria, em condições muito mais favoráveis”.
Amorim explica sua afirmação baseado em dados. “Dois fatores que ajudaram o crescimento acelerado de 2004 a 2010 acabaram: incorporação de mão de obra ao mercado de trabalho e maior utilização da infraestrutura existente. O desemprego já é o mais baixo da história e o gargalo da infraestrutura é visível. Para sustentarmos um crescimento mais rápido, só investindo muito em qualificação de mão de obra, máquinas, equipamentos e infraestrutura”, enumera, pontuando que a China, que cresce de 3 a 4 vezes mais rápido que o Brasil, investe em sua infraestrutura a cada 3 meses, o equivalente a todo o estoque de infraestrutura existente no Brasil.
Por isso, prepare-se para a leitura. O conhecimento é um dos principais diferenciais na hora de administrar o seu negócio.
 
O varejo brasileiro está em crise? Por quê?
Muito longe disso. Um crescimento de vendas de mais de 4%, como o que o setor teve em 2013, não caracteriza crise em lugar nenhum. Por outro lado, é inegável que, como todo o resto da economia brasileira, o varejo está crescendo menos do que ele mesmo crescia há poucos anos. A desaceleração demorou mais para atingir o varejo e o varejo continua crescendo mais do que o resto da economia brasileira, mas está se desacelerando. O lado cheio do copo do varejo brasileiro é que desde 2004, as vendas do varejo cresceram mais do que a produção da indústria em todos os anos e, em 2014, não deve ser diferente. O lado vazio é que o crescimento de 2013 foi o menor do setor em 10 anos e em 2014 não deve ser muito melhor do que em 2013 – possivelmente até seja pior.
 
De que maneira esse segmento contribui para a economia nacional?
O varejo é um dos setores que mais emprega e gera riqueza no País e, à medida que o consumo cresce mais do que o resto da economia há 10 anos, seu papel e sua capacidade de alavancar a economia brasileira como um todo tem se tornado cada vez mais importante.
 
Como o aumento no consumo anotado de 2008 a 2012 estimulou a Economia brasileira?
Os setores que mais cresceram no Brasil no período foram aqueles cujo desempenho é determinado pelo consumo: varejo, atacado e serviços. À medida que o número de pessoas trabalhando cresceu, os salários subiram e o crédito expandiu-se, o mercado consumidor no Brasil ampliou-se e o consumo ganhou mais importância na economia nacional. Dados os movimentos que estavam acontecendo na economia brasileira e mundial, nada disso deveria ser surpresa, tanto que ainda no início de 2010 publiquei um artigo, “Abre alas, que a classe média quer passar”, prevendo este forte crescimento do consumo. Ainda assim, sua importância para a economia brasileira foi brutal. Aliás, sem esta forte expansão do consumo, o Brasil estaria em recessão desde 2011.
 
De que maneira basear o crescimento do país no consumo “das massas” pode ser prejudicial ao nosso desenvolvimento?
A expansão do consumo de massas em si é muito benéfica em termos econômicos e sociais. O problema é que ela não pode ser a única base de crescimento do país e tem sido. Se um país só estimula o consumo e não estimula a produção, acaba acontecendo um desequilíbrio entre forte crescimento da procura por produtos e serviços e crescimento menor da oferta destes produtos e serviços. O resultado é um menor crescimento econômico, pressão inflacionária e piora da balança comercial devido ao forte aumento das importações. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil.
De 2004 a 2010, o PIB brasileiro cresceu a um ritmo de quase 5% a.a., 2,5 vezes a média dos 25 anos anteriores. Só foi possível por ajustes econômicos feitos antes, um forte crescimento na procura global por matérias-primas que exportamos e uma grande queda do custo de capital no mundo. Este modelo de desenvolvimento baseado na expansão da procura tanto externa quanto doméstica pelos nossos produtos e serviços está esgotado. Nos últimos três anos, voltamos à média histórica de crescimento do PIB de apenas 2% a.a.
Em novembro do ano passado, escrevi um artigo chamado “Feliz 2014?” prevendo que a economia brasileira como um todo teria, na melhor das hipóteses, um 2014 medíocre. Na pior, estagnação. Sem uma nova crise externa, o PIB deveria crescer cerca de 2% e os juros subiriam para impedir que a inflação aumentasse, mas se uma desaceleração dos estímulos monetários nos EUA deflagrasse o estouro de bolhas de ativos pelo mundo, a recuperação da economia chinesa fosse abortada ou novas crises financeiras pipocassem na Europa ou nos países emergentes, nosso crescimento seria próximo de nulo. De lá para cá, as perspectivas para o crescimento brasileiro pioraram. De acordo com os dados do Banco Central, o Brasil está em recessão desde o 3º trimestre do ano passado. Aliás, todo final de ano escrevo um artigo sobre as perspectivas econômicas para o ano seguinte. “Feliz 2014?” foi o 4º artigo consecutivo prevendo que o crescimento no Brasil decepcionaria. Enquanto nossa política econômica não mudar, privilegiando a produção, o crescimento não vai se acelerar de forma sustentável.
 
Por que os grandes players do varejo brasileiro ainda não figuram entre os maiores do mundo? O que pode mudar?
A principal razão é que o consumo e o crédito ainda representam, na economia brasileira, parcelas muito menores do que representam na maior parte do resto do mundo. Exatamente por isso que o consumo pode crescer mais rápido do que o resto da economia nos últimos 10 anos e tem tudo para continuar a crescer nos próximos 10 anos, fazendo com que os varejistas brasileiros ganhem cada vez mais importância no cenário mundial do setor.
 
O que explica a diminuição na inadimplência no varejo, de acordo com a Serasa Experian? Por que os dados da Serasa são diferentes do SPC?
Amostras diferentes, em algumas situações como esta, mostram sinais conflitantes. Exatamente por isso, acredito que os melhores dados sobre inadimplência no Brasil são os do Banco Central, por serem os mais abrangentes. Eles mostraram um recuo da inadimplência no ano passado que, na minha opinião, aconteceu em função do desemprego ainda ter caído um pouco e os salários terem crescido em termos reais, mas principalmente pelo fato da maioria das instituições financeiras ter se tornado bem mais criteriosa na concessão de crédito de cerca de dois anos para cá, após a elevação da inadimplência naquele período.
 
Clique aqui para ver a entrevista.
 
 

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