Entrevista do economista Ricardo Amorim sobre desafios e oportunidades para a economia brasileira nos próximos anos

07/2014

Revista Via ACAV

 
1 – Qual o legado da Copa para o Brasil?
Infelizmente, o Brasil teve todos os ônus geralmente associados a sediar uma Copa, mas não todos os bônus. Por falta de planejamento, os investimentos em infraestrutura ficaram muito aquém do que se esperava.  Além disso, os impactos positivos em turismo e comércio exterior durante e depois da Copa foram menores do que poderiam ser em função de preocupações com segurança. Normalmente, o número de turistas estrangeiros que um país recebe antes do anúncio de que será sede da Copa e um ano depois da Copa dobra. Só saberemos se isto ocorrerá ou não no Brasil no final do ano que vem, mas o mais provável é que o crescimento aqui seja menor. Por outro lado, é importante reconhecer que em relação às expectativas mais catastróficas que se formaram pouco antes da Copa quanto a problemas de organização, a Copa foi inegavelmente mais bem sucedida. Além disso, como já se esperava, a simpatia do povo brasileiro foi mais importante do que os problemas de organização para muitos visitantes estrangeiros.
 
2 – O que faltou, tanto em campo quanto em termos de infraestrutura?
Exatamente a mesma coisa faltou em campo e em infraestrutura: planejamento e capacidade de execução. A conquista da Alemanha foi resultado de um trabalho de 14 nos de fortalecer as bases do futebol alemão. A população brasileira é 2,5 vezes maior do que a alemã, mas a Alemanha tem hoje o dobro de jogadores de futebol federados. Além disso, a Alemanha fez toda a preparação de sua seleção com mensuração de cada detalhe de forma objetiva, com software desenvolvido especialmente para isso; no Brasil, as decisões foram tomadas exclusivamente de acordo com as opiniões da comissão técnica.
Em termos de infraestrutura, aconteceu a mesma coisa. No projeto para sediar a Copa, as propostas de melhoria da infraestrutura eram amplas e muitas. Depois, não planejamos as construções com antecedência suficiente e, pior, notando os entraves que impediriam as obras de ficarem prontas a tempo, não aproveitamos a oportunidade de eliminar em definitivo esses entraves, como por exemplo, o fato de que agências governamentais e reguladoras que precisam autorizar a execução das obras não terem prazos definidos para fazer isso.
 
3 – Por que o almejado crescimento não veio?
Porque nosso modelo de desenvolvimento está esgotado e precisa ser mudado. Decepcionante. Nos últimos anos, o crescimento brasileiro baseou-se no crescimento da classe média e seu potencial de consumo. A expansão do consumo de massas em si é muito benéfica em termos econômicos e sociais. O problema é que ela não pode ser a única base de crescimento do país e tem sido. Se um país só estimula o consumo e não estimula a produção, acaba acontecendo um desequilíbrio entre forte crescimento da procura por produtos e serviços e crescimento menor da oferta destes produtos e serviços. O resultado é menor crescimento econômico, pressão inflacionária e piora da balança comercial devido a forte aumento das importações. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil.
 
4 – A Copa foi, de alguma forma, uma vilã para a economia? De que modo? Quais setores prejudicou e quais beneficiou?
Mais do que a vilã para a economia como um todo, eu diria que a Copa foi um reflexo da economia brasileira. O Brasil falhou na Copa nas mesmas coisas que falha no resto da economia, primordialmente, falta de planejamento e dificuldade de implementação do que foi planejado em função de regulamentação e outras condições adversas.
Por exemplo, as imagens do Cristo Redentor abraçando o sol na final da Copa foram vistas e admiradas por bilhões de pessoas em todo o mundo, criando em muitos o desejo de conhecer o Brasil. Neste exato momento, deveríamos estar aproveitando isto e fazendo uma forte campanha de marketing institucional do país no exterior para maximizar o retorno dos investimentos na Copa.
Apesar de todos os problemas, o setor de turismo, hotéis, bares e restaurantes saiu ganhando com a Copa. Por outro lado, a indústria como um todo saiu perdendo com a grande quantidade de feriados e particularmente a indústria automotiva e imobiliária perderam mais à medida que consumidores adiaram decisões de compra. Na indústria, acho que os únicos nichos que ganharam muito foram o de televisores e home theaters.e o de bebidas.
 
5 – Há algo parado que agora deva voltar a andar? Em quais setores?
Uma retomada mais vigorosa provavelmente ficará apenas para depois das eleições e condicionada ao impacto do resultado das eleições na confiança de consumidores e empresários. Sem confiança não há expansão forte e sustentada de consumo e investimento e hoje, infelizmente, a confiança tanto de consumidores quanto de empresários está próxima do nível mais baixo da História
 
6 – O que se esperar para os próximos seis meses do ano e, de modo geral, para o ano?
 A euforia da Copa incialmente foi capaz de reverter um processo generalizado de queda de confiança de consumidores e empresários. Infelizmente, da forma que o Brasil foi eliminado, eu temo que este processo de retomada da confiança, que seria fundamental para sustentar uma retomada mais vigorosa do consumo e investimentos será abortado.
 
7 – 2014 oferece oportunidades de crescimento? Para quais setores?
Para a economia como um todo, as perspectivas são ruins. Na economia, o Brasil está tomando mais um 7 a 1, neste ano. A inflação está hoje em quase 7% e o crescimento do PIB, provavelmente, não chegará nem a 1%.
Isto não quer dizer que não haja oportunidades. Quando o pessimismo reina, a maioria se retrai, a concorrência diminui e as grandes chances aparecem. A mãe das oportunidades são os problemas. A lagarta não escolhe virar borboleta. Ela se transforma porque não tem escolha.
Além disso, mesmo em uma economia que vai mal, há setores e regiões que prosperam. No restante do ano, os setores que devem crescer mais do que a economia como um todo são agronegócio, educação, serviços em geral e comércio.
 
8 – E o que se pode esperar dos próximos anos?
Infelizmente, 2015 também deve ser um ano difícil. A inflação não está apenas mais elevada, está grávida. O dragãozinho dos preços controlados pelo governo nasce após as eleições. Há mais de um ano, os preços de ônibus, metrô, gasolina, energia elétrica e outros têm sido represados para conter a inflação e as manifestações de rua. Estes preços terão de ser realinhados para evitar o colapso dos serviços e contas públicas.
Só a diferença entre o preço internacional do petróleo e os preços nacionais de seus derivados custa à Petrobrás mais de R$ 40 bilhões anuais. A utilização de usinas termoelétricas para geração de energia elétrica custará de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões só neste ano, e mais ainda em 2015. A renúncia fiscal com a desoneração de salários custará mais R$ 24 bilhões só em 2014. O ajuste das contas públicas é inevitável. Ele virá através de elevação de preços, corte de gastos do governo ou aumento de impostos, provavelmente os três.
Os reajustes pressionarão a inflação, forçando o Banco Central a aumentar ainda mais os juros, que já estão no nível mais alto desde 2011, limitando o crédito e reduzindo o crescimento econômico. Aumentos de impostos e redução de gastos do governo devem retirar dinheiro da economia em 2015, também limitando o crescimento.
Se arrumarmos a casa em 2015, podemos retomar um ciclo de crescimento mais acelerado a partir do final do ano que vem.
 
9 – Falando em termos de política, o que se pode esperar em caso de reeleição? E de mudança?
Se a economia continuar frágil até as eleições, o que é muito provável, talvez, ela influa no resultado das eleições, potencialmente levando a uma mudança de governo e mudanças também na política econômica, mas é muito cedo para ter certeza se a fragilidade econômica será aguda o suficiente para reverter a liderança que a Presidenta Dilma tem hoje nas pesquisas eleitorais.
Independentemente de quem ganhar as eleições, nosso modelo de desenvolvimento tem de mudar, privilegiando a produção e não apenas o consumo. A pergunta que fica é se a Presidenta Dilma faria tais mudanças se reeleita.
 
10 – Como se preparar para as futuras oportunidades e como encontra-las?
Doze setores e regiões devem crescer mais do que a economia nos próximos anos. Aí estão as maiores oportunidades:
1) Infraestrutura – Está em frangalhos, mas não falta financiamento nem interessados em investir. Atualmente, a China constrói a cada ano mais infraestrutura que toda a infraestrutura brasileira. Para este quadro mudar, basta o governo melhorar o marco regulatório;
2)  Energia – Temos o pré-sal, mas a Petrobras está com a corda no pescoço. A Petrobras precisa explorar logo essas reservas. O consumo de petróleo nos países desenvolvidos cai há décadas. A demanda global tem sido sustentada pelos emergentes, mas isto não vai durar para sempre. O governo tem que criar condições para acelerar os investimentos e a produção. O preço da gasolina vai subir, o que também deve tirar a corda do pescoço do setor sucroenergético. Faltará ainda desarmar o imbróglio causado no setor elétrico;
3) Comércio – O consumo cresce mais do que o PIB quase todo ano desde 2004, impulsionando, junto com o crédito, a expansão do comércio. 2014 será o 11o ano consecutivo, em que as vendas do varejo crescerão mais do que a produção da indústria;
4) Agronegócio – Seu superávit aumentou de US$ 9 bilhões em 2001 para mais de US$ 90 bilhões nos últimos 12 meses. Nenhum país tem mais área cultivável ou água doce disponíveis que o Brasil. A produtividade tem crescido. Chineses e indianos têm fome. Somos nós que vamos alimentá-los;
5) Centro-Oeste – É o celeiro do Brasil e o Brasil é o celeiro do mundo;
6) Interior do país  – Impulsionadas pelo agronegócio e pela mineração, as cidades médias do interior crescem mais, geram mais empregos e atraem mais migração do que as capitais dos estados, mudando o eixo do consumo e da logística no país;
7) Educação –  Em toda área em que o setor público não presta um bom serviço surge uma oportunidade para o setor privado.
8) Saúde – Hospitais, laboratórios, redes de farmácias e planos de saúde crescem para suprir o que o governo não entrega.;
9) Serviços – Quase 60 milhões de pessoas que ingressaram nas classe A, B e C nos últimos 10 anos demandam mais serviços. Ao contrário da indústria, que não consegue repassar os aumentos de custos de mão de obra, aluguéis e matérias primas por conta da concorrência internacional, o setor de serviços tem conseguido sustentar sua rentabilidade. Ninguém sai daqui para cortar o cabelo na China, mesmo que custe 1/10 do preço;
10) Nordeste – Em todos os Estados nordestinos mais de 50% famílias recebem o Bolsa-Família, expandindo o consumo e o crescimento econômico na região;
11) Setor imobiliário – Desaceleração econômica, boatos de estouro de bolha após a Copa e incertezas geradas pelas eleições derrubaram as vendas recentemente. Ainda assim, os preços continuaram em alta, na maioria dos casos. O volume de vendas deve se recuperar assim que a expansão do crédito volte a se acelerar.
12) Setor automotivo – Contração do crédito por conta de aumento de inadimplência freou as vendas no primeiro semestre. Hoje, só 35% das vendas de automóveis no país são financiadas contra 70% no mundo. Quando o crescimento do crédito retomar seu vigor, as vendas de veículos também retomarão. No caso das vendas de caminhões e ônibus, quando a confiança dos empresários e os investimentos forem retomados, as vendas devem voltar a crescer com mais vigor. Infelizmente, isto ainda deve levar algum tempo para acontecer.
 
11 – Em linhas gerais, o Brasil ainda está condenado a crescer?
Os erros de condução de política econômica no Brasil foram tantos e tão grandes que reverteram um quadro que era muito favorável à economia brasileira. Isto não quer dizer que não possamos crescer de forma vigorosa nos próximos anos. Podemos, sim, mas isto só acontecerá se resolvermos nossos problemas estruturais, como infraestrutura precária, carga tributária elevada demais, educação ruim, excesso de burocracia e legislação trabalhista arcaica.
 
12 – Como o cenário mundial interfere no tímido crescimento do PIB nos últimos anos?
O cenário internacional sempre interfere no crescimento de qualquer país, mas no caso brasileiro, não foi ele que explicou o baixo crescimento brasileiro desde 2011, mas sim nossos próprios erros. Os países latino-americanos têm características econômicas similares e, por isso, são impactados de forma parecida pelo cenário internacional e o Brasil foi o países que menos cresceu tem toda a América Latina, deixando claro que há algo errado como nosso modelo econômico que privilegia exclusivamente consumo.
 
13 – O agronegócio sozinho não poderá mais alavancar o PIB? E a indústria, nesse contexto, deve retomar?
O agronegócio vem sendo e deve continuar a ser um dos principais motores do crescimento brasileiro, mas é muito difícil um país se desenvolver com sua indústria estagnada, que é o que acontece no Brasil desde 2009. Em função da concorrência externa a que é exposta, a indústria ´e o setor que mais sofre com os problemas estruturais brasileiros. É exatamente para permitir que a indústria volte a crescer de forma sustentada que precisamos melhorar e reformar toda a estrutura da economia brasileira.
 
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo o Klout.com.Perfil no Twitter: @ricamconsult.
 
 

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