Entrevista de Ricardo Amorim sobre resultados econômicos em 2014 e perspectivas para 2015 e os próximos anos

10/2014

Cargo News

 
1- Como você avalia o ano de 2014?
Nosso modelo de desenvolvimento está esgotado e precisa ser mudado. Nos últimos anos, o crescimento brasileiro baseou-se no crescimento da classe média e seu potencial de consumo. A expansão do consumo de massas em si é muito benéfica em termos econômicos e sociais. O problema é que ela não pode ser a única base de crescimento do país e tem sido. Se um país só estimula o consumo e não estimula a produção, acaba acontecendo um desequilíbrio entre forte crescimento da procura por produtos e serviços e crescimento menor da oferta destes produtos e serviços. O resultado é menor crescimento econômico, pressão inflacionária e piora da balança comercial devido a forte aumento das importações. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil.
Infelizmente, desde 2011, o crescimento econômico tem decepcionado ano após ano e neste ano não tem sido diferente. Há um ano e meio, a maioria dos analistas acreditava que o PIB poderia crescer pelo menos 4% neste ano. A estas alturas, sabe-se que o crescimento será nulo. Na economia, o vexame tem sido pior do que foi na Copa. O Brasil está tomando de 7 a 0, neste ano. A inflação está em quase 7% e o crescimento do PIB será próximo de 0%.
É inevitável uma mudança do modelo de desenvolvimento econômico brasileiro, favorecendo a produção, independentemente de quem ganhar as eleições. A própria presidente Dilma já reconheceu a necessidade de mudança. Na prática, isto significa que o próximo governo deveria estar focado em reduzir a carga e simplificar a legislação tributária, reformar nossas leis trabalhistas, melhorar nosso ambiente de negócios, reduzindo burocracia e estimulando investimentos privados, aumentar os investimentos em infraestrutura e melhorar a qualidade da educação. Para que tudo isso seja possível, o governo deveria cortar seus gastos para liberar recursos.
 
2- O que você diria que pode ter incentivado os problemas econômicos vistos em 2014?
Dois fatores que permitiram que o Brasil avançasse 2,5 vezes mais rápido entre 2004 e 2010 do que antes se esgotaram: incorporação de mão de obra e maior utilização da infraestrutura já existente. Desde 2003, quase 20 milhões de brasileiros sem emprego passaram a trabalhar, colaborando com a produção. O desemprego caiu de 12% para 5%. Não cairá mais. Aliás, o total de empregos nas principais capitais é que vem caindo ao longo deste ano.
Isto significa que só poderíamos crescer como antes acelerando a produtividade, o que exigiria trabalhadores melhor preparados e equipados. Isto exige muito investimento em educação e treinamento, mas também em máquinas, equipamentos e tecnologia.
Para retomarmos a competividade, e sustentarmos um crescimento mais rápido, só investindo muito em qualificação de mão de obra, máquinas, equipamentos e infraestrutura. A China, que cresce 3 a 4 vezes mais rápido que o Brasil, investe em sua infraestrutura, a cada ano, o equivalente a todo o estoque de infraestrutura existente no Brasil.
 
3- Tem alguma relação também com o ano eleitoral?
As incertezas eleitorais, particularmente nestas eleições, que foram as mais imprevisíveis e equilibradas desde a redemocratização o país, sempre colaboram para arrefecer o ritmo de atividade econômica. Incerteza leva consumidores a postergar compras e empresas e investidores a postergarem investimentos, o que retrai a atividade econômica.
 
4- Quais são as suas impressões sobre o desenvolvimento do Brasil nos próximos anos?
Se arrumarmos a casa em 2015, retomando a confiança de empresários e consumidores, podemos retomar um ciclo de crescimento mais acelerado a partir do final do ano que vem. Isto dependerá das medidas econômicas adotadas até lá e da definição da equipe econômica do próximo governo.
 
5- Como você avalia os atuais parceiros comerciais do Brasil, incluindo Mercosul?
Infelizmente, a economia dos países do Mercosul não vai bem. Os 3 países os piores desempenhos econômicos em todo continente americano em 2014 – por ordem, Venezuela, Argentina e Brasil – são as três maiores economias do Mercosul. Os mesmos três países são os que tiveram a mais baixa taxa média de crescimento do PIB nos últimos quatro anos, com o Brasil no último lugar neste caso. Enquanto isso, a economia chinesa está desacelerando e a Europa caminha para uma nova recessão. Dos principais parceiros comerciais brasileiros, apenas os EUA tem tido um desempenho econômico mais favorável recentemente. Em resumo, o quadro externo não tem ajudado, ainda que, ao contrário do que sugere o governo, ele não seja o principal responsável por nosso mau desempenho econômico recente. Nos quatro anos de governo Dilma, a renda per capita brasileira foi apenas a 163ª que mais cresceu. Apenas em 19 países em todo o mundo, ela cresceu menos do que por aqui.
 
6- Há influências políticas para formação de novas alianças comerciais? E como elas poderiam nos ajudar?
A linha de política econômica de desenvolvimento acaba, em grande medida, definindo quais relações comerciais serão fortalecidas e quais perderão força. Como esta linha ainda não está clara, é difícil saber se teremos novas alianças comerciais ou não.
 
7- O que podemos esperar para o país nos próximos anos nas relações de comércio exterior?
Antes de mais nada, temos de ver qual o posicionamento que o governo Dilma tomará neste próximo mandato. Se ele se tornar ainda mais intervencionista, provavelmente haverá uma maior aproximação com Argentina e Venezuela, economias que passam por momentos bastante difíceis. Ao contrário, se o governo buscar reconstruir as pontes com o setor privado, talvez haja espaço para uma aliança mais estreita com os EUA e a Aliança do Pacífico, que é o bloco econômico que mais cresce na América Latina.
 
8- Os problemas econômicos que levaram a queda no PIB irão atingir de que maneira o futuro do país?
A produtividade média do trabalhador americano é hoje 5 vezes a do trabalhador brasileiro. Em outras palavras, para executar a mesma função, você pode contratar um americano ou 5 brasileiros. A razão mais óbvia para isso é a melhor qualidade da educação por lá, mas tão importante quanto isso é o fato do trabalhador americano estar muito melhor equipado que o brasileiro. Para executar seu trabalho, ele conta com uma série de ferramentas, máquinas, software e hardware que o brasileiro não conta. Mal comparando, um agricultor com um trator produz mais do que 5 vezes mais do que 5 trabalhadores cada um deles com uma enxada. Precisamos automatizar e mecanizar a economia brasileira, mas isto tem de acontecer em paralelo a um aumento da qualificação da mão de obra. Voltando ao meu exemplo, não basta apenas comprar um trator para um dos 5 trabalhadores que mencionei se ele não souber usar o trator.
Isto tudo não quer dizer que não haja oportunidades.  Por conta do mau desempenho econômico brasileiro recente, o pessimismo reina por aqui e quando o pessimismo reina, como hoje, a maioria se retrai, a concorrência diminui e as grandes chances aparecem. A mãe das oportunidades são os problemas. A lagarta não escolhe virar borboleta. Ela se transforma porque não tem escolha. Além disso, mesmo em uma economia que vai mal, há setores e regiões que prosperam.
 
9- Como você avalia o crescimento do país na última década? E que rumo podemos esperar para os próximos 5 anos? 
Se arrumarmos a casa em 2015, retomando a confiança de empresários e consumidores, podemos retomar um ciclo de crescimento mais acelerado a partir do final do ano que vem. Isto dependerá das medidas econômicas adotadas até lá e da definição da equipe econômica do próximo governo.
 
10- Há possibilidades de recuperação da economia para 2015?
Infelizmente, 2015 deve ser mais um ano difícil. A inflação não está apenas mais elevada, está grávida. O dragãozinho dos preços controlados pelo governo nasce agora, após as eleições. Há mais de um ano, os preços de ônibus, metrô, gasolina, energia elétrica e outros têm sido represados para conter a inflação e as manifestações de rua. Estes preços terão de ser realinhados para evitar o colapso dos serviços e contas públicas.
Só a diferença entre o preço internacional do petróleo e os preços nacionais de seus derivados custava à Petrobrás mais de R$ 40 bilhões anuais antes da queda recente dos preços do petróleo no mercado internacional. A utilização de usinas termoelétricas para geração de energia elétrica custará de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões só neste ano, e mais ainda em 2015. A renúncia fiscal com a desoneração de salários custará mais R$ 24 bilhões só em 2014. O ajuste das contas públicas é inevitável. Ele virá através de elevação de preços, corte de gastos do governo ou aumento de impostos, provavelmente os três.
Os reajustes pressionarão a inflação, forçando o Banco Central a aumentar ainda mais os juros, que já estão no nível mais alto desde 2011, limitando o crédito e reduzindo o crescimento econômico. Aumentos de impostos e redução de gastos do governo devem retirar dinheiro da economia em 2015, também limitando o crescimento.
 
11-Quais os desafios do próximo governo?
O principal é retomar a confiança de empresários e consumidores – sem o que não há expansão de investimentos e consumo.
 
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo a revista americana Forbes.
Perfil no Twitter: @ricamconsult.

 
 

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