Entrevista de Ricardo Amorim sobre mercado de consumo no Brasil

11/2014

Revista Supermecado Moderno

 

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A redução da pobreza em 75% (uma das estatísticas do mercado) levou um contingente de pessoas ao consumo. Parte desse contingente pode voltar à pobreza? Por que? Em que condições? Em que cenário?

 
Infelizmente, como as últimas estatísticas divulgadas pelo IPEA deixaram claro, se o país não voltar a cresce em ritmo mais acelerado, as grandes conquistas sociais das duas últimas décadas correm risco. Por estes dados, no ano passado, o número de pessoas na miséria aumentou em 371 mil pessoas no ano passado. De lá para cá, a economia se contraiu e a inflação subiu,o que sugere que os dados de miséria e pobreza de 2014, provavelmente, serão piores do que os de 2013.
 
12 milhões de favelados consomem anualmente R$ 64,5 bilhões. Esse consumo pode cair no próximo(s) ano(s)? por que? Em que cenário?
 
Se os investimentos das empresas se contraírem ainda mais, levando a uma queda significativa do número de empregos no país, o risco seria real. O fator fundamental para que isto acontecesse seria um agravamento da perda de confiança dos empresários na economia brasileira. Um fator determinante neste sentido será a definição da equipe econômica do governo Dilma. Uma equipe que convença que daqui pra frente investimentos privados serão bem vindos e estimulados eliminaria este risco.
 
Segundo ONU o bolsa família é uma renda fixa não sujeita ao vai e vem da economia. A ONU se pautou em análises que desconsideram fatores importantes? Quais? Ela está errada? O Brasil pode perder a capacidade de continuar financiando o Bolsa família? Por que? Em que cenário?
 
O Bolsa-Família é um programa com inúmeros méritos e inúmeros deméritos. Seu mérito mais importante é reconhecer uma situação onde não temos hoje a escolha entre dar o peixe ou ensinar a pescar. Dezenas de milhões de brasileiros precisam receber o peixe para sobreviver e, quem sabe, ter a chance de aprender a pescar algum dia. Além disso, o Bolsa-Família injeta de R$20 bilhões de reais nas mãos dos brasileiros mais propensos a gastá-los, movimentando a economia, especialmente nos locais mais pobres do país, onde percentuais grandes das famílias são beneficiários do programa. Isto explica, por exemplo, porque as regiões Nordeste, onde pelo menos 50% das famílias em cada Estado recebem Bolsa-Família, e Norte, onde pelo menos 30% das famílias em cada Estado recebem Bolsa-Família, consistentemente crescem mais do que a média da economia brasileira nos últimos 10 anos. Isto, por sua vez, explica porque a Presidente Dilma ganhou com uma margem de 13 milhões de votos de Aécia Neves nestas duas regiões.
Por outro lado, em seu formato atual, o Bolsa-Família peca por não preparar seus beneficiários, mas apenas seus filhos. Além disso, o fato do valor do Bolsa-Família ser o mesmo em todo o país, cria muitas vezes em locais muito pobres, onde o custo de vida e os salários são muito baixos, um desincentivo ao trabalho. Entre ganhar Bolsa-Família sem trabalhar e a ganhar apenas um pouco a mais trabalhando, alguns ou talvez muitos optam por não trabalhar.
Se o Brasil for incapaz de voltar a crescer rapidamente, há sim um risco de que faltem recursos para financiar os gastos do governo, incluindo o Bolsa-Família, mas a curto prazo, este risco é bastante pequeno.
 
A indústria anda bem mal. Mas a indústria de bens de consumo de massa nunca vendeu tanto. E só não vendeu mais nestes últimos anos porque não investiu na produção (por não confiar no país, ambiente desfavorável etc). Agora, mesmo com consumo desacelerando, medo da situação econômica, etc etc, mantém sua confiança no consumo e não tirou o pé do acelerador. Para ficar no exemplo de apenas 10 empresas, os investimentos em novas fábricas somarão mais de R$ 3 bilhões em 2015. São empresas como Unilever e P&G, Cargill, Bombril, J.Macedo e Dori. Essas empresas estão equivocadas? Esses investimentos e os empregos que deverão gerar representarão uma gota no oceano? Não conseguirão influenciar o mercado?
 
As empresas não estão equivocadas. A economia brasileira como um todo vai mal, mas há algumas regiões e muitos setores, como o de bens de consumo de massa, que vão bem.
É claro que os investimentos e empregos no setor ajudam, mas sozinhos não resolvem. Nos 9 primeiros meses do ano, mesmo com a criação de empregos na indústria de bens de consumo de massa, o número de empregos na indústria no país diminuiu em 117 mil pessoas.
 
 O varejo está igualmente acelerando investimentos. Só Pão de Açúcar promete gastar 2 bi no ano que vem? Redes pequenas e médias do Brasil todo inauguraram muito nos últimos anos e ainda mantém planos para 2015/16/17. Está todo mundo sob o efeito dos últimos anos? Podem quebrar a cara? Em que condições poderão ter sucesso? Em que condições poderão ter problemas? E em que prazo?
 
O fator fundamental é se a economia continuará a se desacelerar ou não. Se a economia brasileira não for capaz de gerar empregos, acabará faltando renda para que as pessoas possam continuar comprando. Para evitar que isto aconteça, basta retomar a confiança de empresários.
 
Tenho feito muitas entrevistas com indústria e a conversa é meio esquizofrênica. Indústria se diz afetada pela desaceleração etc, mas vendas continuam crescendo. Todo mundo está pessimista quanto ao futuro, mas confiam no chamado bônus demográfico. O que você acha desse bônus demográfico? Isso de fato pode fazer diferença?
 
O bônus demográfico deve nos ajudar por mais uns 10 anos. O percentual de pessoas em idade de trabalho está aumentando enquanto o percentual de aposentados e crianças que tem de ser sustentados está caindo. Nesta situação, com mais gente trabalhando, um país deveria crescer mais.  Daqui a 10 ou 15 anos, a situação vai se inverter. Teremos cada vez mais idosos aposentados e um percentual menor da população trabalhando, o que dificultará o crescimento do país, o que aliás explica em parte porque Europa e Japão não conseguem crescer com vigor há mais de duas décadas.
 
Para as multinacionais da indústria e do varejo, apesar de tudo, o Brasil é e continuará sendo o melhor dos mundos. 1) Europa e EUA ainda mais ou menos 2) o consumo está nos emergentes. Eles olham o longo prazo, mas podem quebrar a cara em 2015? Não tem como varejo e indústria de bens de consumo de massa terem um  peso favorável no cenário macro?
 
Certamente terão, mas sozinhos não conseguem mudar o quadro de toda a economia brasileira.
 
Está claro que o País não pode ser pautado apenas no incentivo ao consumo, mas pergunto: O consumo deve ser ‘vilanizado’? Ou uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa?
 
O consumo não deve ser vilanizado de forma alguma, mas a produção também não pode ser, como foi nos últimos anos. A produção da indústria no Brasil hoje é menor do que há 6 anos. Nenhum país consegue crescer em ritmo acelerado com a indústria estagnada e a indústria não voltará a crescer se não passarmos a focar também em incentivos à produção. O problema não foram os incentivos ao consumo nos últimos anos, mas a falta de incentivos à produção. Crescimento equilibrado exige tanto produção quanto consumo fortes.
 
Parece que o endividamento do consumidor preocupa mais economistas do que empresários do varejo. Exemplos ao longo dos anos: Maria Luiza Trajano e o ex-dono Casas Bahia. Também já ouvi professor da USP declarando que se pobre fosse calcular juros e programar prazo de pagamento nunca teria nada. E é graças a essa inconsequência/ despreparo que a roda gira. Muitos lembram também que pobre se endivida até a raiz, depois sofre até a raiz para quitar a dívida e, finalmente, volta a se endividar. E a roda gira. O que você acha dessa análise?
 
Simplista e equivocada. Correta no curto prazo, mas completamente errada em prazos maiores. Esta lógica condiciona o crescimento econômico de hoje a crises e estagnação no futuro. Consumo é ótimo e o fato do crédito permitir que o consumo possa acontecer também é ótimo, mas achar que endividamento irresponsável é bom é um enorme enganado. Ninguém vive sem comer, mas comida em excesso mata. Endividamento em excesso também condena economias inteiras à estagnação, o que aliás já temos visto nos EUA e Europa desde 2008.
 
Você falou em regiões condenadas a crescer: Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Ou seja, Se considerarmos que essas regiões respondem por uns 80% do território nacional e que Sudeste e Sul já são regiões mais maduras economicamente, em termos de consumo etc, pergunto: Não está de bom tamanho para um País ainda em desenvolvimento?
 
É ótimo que Norte, Nordeste e Centro-Oeste cresçam. É verdade que estas regiões representam 80% do território, mas elas representam menos de 46% da população e 28% do PIB do país. Sozinhas, elas não conseguirão sustentar a economia do país, se o Sul e Sudeste continuarem estagnados. O contrário é mais provável; que a estagnação do sul e sudeste acabe contaminando o Norte e o Nordeste. Mal comparando e sem nenhum sentido pejorativo, o rabo não consegue abanar o cachorro. Aliás, é pela mesma razão que a estagnação dos países ricos importa para todo o mundo. Neste caso, nos países emergente somos o rabo do cachorro e as economias desenvolvidas o cachorro.
 
 Finalmente, você diria que a presidente Dilma já deu algum sinalzinho de mudança no ar?
 
Sim. Na primeira semana após as eleições, o governo aumentou o preço da gasolina, subiu os juros e convidou o presidente do maior banco privado brasileiro para o cargo de Ministro da Fazenda, todas medidas necessárias, mas que durante a eleição, a presidente dizia que quem faria seriam seus opositores.
 
 
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo a revista americana Forbes.
Perfil no Twitter: @ricamconsult.
 
 

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