04/2014
1- Em seu artigo publicado na revista IstoÉ de fevereiro, você disse que “O mercado imobiliário brasileiro, como um todo, está caro para padrões internacionais, mas não para parâmetros de mercados emergentes”. Neste sentido, mantém a posição que defende há alguns anos de que a probabilidade de uma bolha imobiliária estourar no Brasil é mínima?
O primeiro fator fundamental que precisa ficar claro é que há uma diferença sutil, mas muito importante entre haver uma probabilidade mínima de uma bolha imobiliária estourar no Brasil e haver uma probabilidade mínima de uma bolha imobiliária estourar em breve no Brasil. O que venho repetindo anualmente desde 2007 é que a probabilidade de estouro de uma bolha imobiliária a curto prazo era e ainda é mínima. Por a curto prazo, em cada um destes artigos, eu quis dizer ao longo do próximo ano, no máximo próximos dois ou três anos. Em outras palavras, eu não sei se uma bolha imobiliária vai estourar no Brasil em 20, 10 ou 5 anos e acho, sim, possível que isto possa acontecer. Aliás, é exatamente por isso, que anualmente atualizo meus estudos para verificar se as condições de mercado mudaram o suficiente para que minhas conclusões mudem, o que até aqui não aconteceu, mas pode muito bem acontecer no futuro.
Do ponto de vista de quem tem de tomar a decisão de comprar um imóvel hoje, tirando pouquíssimas exceções de bolhas enormes com quedas de preços colossais no estouro – o que dificilmente será o caso brasileiro – mesmo que uma bolha estoure daqui a 5, 10 ou 20 anos, a melhor decisão continua sendo comprar agora do que esperar a queda porque, como os preços devem continuar em alta antes de cair, até que a queda acontecer eles estarão muito mais altos do que hoje e mesmo após a queda continuarão mais altos do que hoje.
Este foi exatamente o foco do meu último artigo sobre o tema, As Cassandras e a bolha imobiliária.
Em 2007, quando os preços dos imóveis começaram a cair nos EUA, surgiram as primeiras Cassandras vaticinando que em breve o destino brasileiro seria o mesmo. A lógica era simples: também aqui os preços já tinham subido muito, a expansão do crédito imobiliário tinha sido grande e as construtoras construíam como nunca.
Lógica simples, porém errada. Todos os pontos eram verdadeiros, mas ignoravam o fator determinante para quem pesava os prós e os contras da compra de um imóvel. Mesmo que o Brasil estivesse no processo de formação de uma bolha imobiliária, em que ponto deste processo estaríamos? Passados 7 anos, hoje ficou claro que apenas nos primeiros sopros.
Os preços dos imóveis, dependendo de localização e características, subiram entre 150% e 1000%. Portanto, teriam de cair entre 60% e 90% – o que é altamente improvável – apenas para voltar aos preços de 2007. Quem ouviu as Cassandras está esperando até hoje os preços caírem.
Isto não significa que uma bolha imobiliária não possa estourar no Brasil no futuro. Aliás, a Cassandra original, a da mitologia grega, estava correta em suas previsões de catástrofe e desgraça em Troia. O problema é que estar certo muito antes da hora leva a decisões erradas.
Precisar quando uma bolha imobiliária vai estourar é impossível, mas bolhas não estouram antes de estarem suficientemente cheias, o que torna possível termos uma ideia aproximada se estamos perto ou distantes do estouro. Por isso, desde 2007, publico anualmente artigos analisando a situação do mercado imobiliário, tentando responder se já haveria indícios de uma bolha próxima do estouro, ou se os preços continuariam a subir.
O que os meus dados me mostram hoje é que, por um lado, há uma variação enorme de preços entre os maiores mercados imobiliários brasileiros. Por outro, entre 123 países que analisei, as cidades brasileiras, em média, colocam o Brasil apenas como o 46º país com mercado imobiliário mais caro do planeta. O ponto é que as comparações usuais são feitas com o mercado americano que, em função do estouro recente de uma bolha imobiliário é o hoje o 3º mercado imobiliário mais barato do mundo. Aliás, todas as 35 cidades mais baratas do mundo entre as 509 que eu analisei estão hoje nos EUA. Em resumo, a conclusão aqui não é que o Brasil está excepcionalmente caro, mas que os EUA estão excepcionalmente baratos.
2- Um dos índices que você usa na sua avaliação do mercado imobiliário é consumo anual per capita de cimento. Este índice estaria relacionado diretamente com o setor da construção e, portanto, do imóvel novo. Como você enxerga também a variação de preço nos imóveis usados?
Normalmente, a variação do preço do imóvel novo baliza a variação do preço dos usados, por isso, meu foco nos imóveis novos. Quando um novo lançamento sai por um preço mais alto ou mais baixo, ele acaba puxando respectivamente para cima ou baixo o preço dos imóveis usados.
Meu foco no consumo anual per capita de cimento é uma tentativa, ainda que com várias limitações de conseguir comparar mercados de países diferentes, em épocas diferentes, o que não é nada fácil. Enfim, está longe de ser a estatística ideal, mas é a melhor que consegui encontrar até hoje.
Para analisar o atual ritmo de construção no Brasil, uso o nível de consumo anual per capita de cimento, que estimo estar em 350 kg. Até hoje, nenhuma bolha imobiliária estourou com menos de 400 Kg per capita anual de consumo de cimento e algumas só estouraram com um ritmo de construção muito maior do que isso, como a sul-coreano que em 2003 só estourou com 1.550kg anuais de consumo anual per capita de cimento. Aliás, a China tem hoje um ritmo de construção parecido e a bolha continua a se inflar.
Portanto, no caso brasileiro, falta relativamente pouco para chegar a 400 kg anuais per capita de consumo de cimento, mas falta muito para chegar a mais de 1.500kg. Como esta estatística de consumo de cimento acaba incluindo cimento usado na construção de infraestrutura e os investimentos em infraestrutura nos países asiáticos são muito maiores do que no Brasil, a princípio, seria de se esperar que no Brasil chegaríamos apenas a níveis pouco superiores a 400Kg e não acima de 1.500kg, mas não dá para ter certeza.
Outra forma de confirmar a conclusão de que se alguém deve se preocupar com estouro de bolha imobiliária em breve são os chineses, não nós é que no ano passado, estima-se que forma construídos cerca de 400 mil imóveis no Brasil e 22 milhões na China. Em outras palavras, a população chinesa é menos de 7 vezes maior do que a brasileira, mas a China está construindo mais de 50 vezes mais imóveis. Aliás, a comparação de preços em relação à renda também leva a conclusões parecidas, com a China com o 13º mercado mais caro no mundo e o Brasil como o 46º.
Para ser franco, por ora, mesmo nós brasileiros deveríamos nos preocupar muito mais com estouro de bolha imobiliária na China do que no Brasil porque se uma bolha imobiliária estourar lá, certamente sentiremos os efeitos negativos nas economia brasileira e, talvez, no próprio mercado imobiliário brasileiro.
3- Você também apontou no mesmo artigo que dois terços das altas possíveis de preço antes de um eventual estouro já aconteceram. Restaria, ainda, uma terceira alta por vir. Acredita que esta alta aconteça já em 2014 ou que o ano será de estagnação?
Acredito que esta alta acontecerá ao longo dos próximos anos, incluindo 2014, mas há um ponto fundamental que tem de ficar claro. Esta estimativa de que cerca de 2/3 da alta já ocorreu e 1/3 ainda está para acontecer além de bastante imprecisa é uma média nacional, que inclui mercados onde os preços ainda estão baratos e podem subir mais do que a média e outros que já subiram demais. Brasília, por exemplo, que há um ano era a cidade mais cara do Brasil pelas minhas estimativas que comparam preço de imóveis de tamanho médio a renda mediana disponível em cada cidade, já tem visto pequenas quedas de preços. Em um mercado que não subirá mais tanto nem de forma tão generalizada, a localização e os diferenciais de cada imóvel serão muito mais importantes.
Para dar um exemplo, analisei preços de venda de imóveis de 90m2 em 509 cidades em todo o mundo, incluindo os 12 maiores mercados imobiliários brasileiros. Das 12 cidades brasileiras, 9 estão na metade mais cara do mundo, lideradas por Porto Alegre (35ª), Rio de Janeiro (42ª) e Florianópolis (44ª) e apenas 3 na metade mais barata: Campinas (319ª), Goiânia (320ª) e Fortaleza (417ª). Não é de se esperar que, para imóveis com estas características, as altas de preços em cada uma destas cidades daqui para a frente seja igual. Da mesma forma, não é de se esperar que as altas de preços que ainda teremos em outros segmentos do mercado imobiliário – comercial, residencial de luxo, etc… – também sejam as mesmas.
4- Ao seu ver, a desaceleração dos preços dos imóveis está relacionada a um menor crescimento da economia?
Recentemente, o ritmo de alta dos preços dos imóveis desacelerou-se primordialmente porque os preços já estão muito mais elevados do que estavam há alguns anos. Este é um processo natural e saudável.
Infelizmente, desde 2011, a economia brasileira tem menos do que a média dos países emergentes e em 2014 não deve ser diferente. Aliás, é provável que nosso crescimento em 2014 e 2015 seja inferior ao de 2013.
Nos últimos anos, o crescimento brasileiro baseou-se no crescimento da classe média e seu potencial de consumo. A expansão do consumo de massas em si é muito benéfica em termos econômicos e sociais. O problema é que ela não pode ser a única base de crescimento do país e tem sido. Se um país só estimula o consumo e não estimula a produção, acaba acontecendo um desequilíbrio entre forte crescimento da procura por produtos e serviços e crescimento menor da oferta destes produtos e serviços. O resultado é menor crescimento econômico, pressão inflacionária e piora da balança comercial devido a forte aumento das importações. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil.
De 2004 a 2010, o PIB brasileiro cresceu a um ritmo de quase 5% a.a., 2,5 vezes a média dos 25 anos anteriores. Só foi possível por ajustes econômicos feitos antes, um forte crescimento na procura global por matérias primas que exportamos, e uma grande queda do custo de capital no mundo. Este modelo de desenvolvimento baseado na expansão da procura tanto externa quanto doméstica pelos nossos produtos e serviços está esgotado. Nos últimos 3 anos, voltamos à média histórica de crescimento do PIB de apenas 2% a.a.
Em novembro do ano passado, escrevi um artigo chamado Feliz 2014? Prevendo que a economia brasileira como um todo teria, na melhor das hipóteses, um 2014 medíocre. Na pior, estagnação. Sem uma nova crise externa, o PIB deve cresceria cerca de 2% e os juros subiriam para impedir que a inflação aumentasse, mas se uma desaceleração dos estímulos monetários nos EUA deflagrasse o estouro de bolhas de ativos pelo mundo, a recuperação da economia chinesa fosse abortada ou novas crises financeiras pipocassem na Europa ou nos países emergentes, nosso crescimento seria próximo de nulo. De lá para cá, as perspectivas para o crescimento brasileiro não melhoraram e hoje há sinais de que o crescimento em 2015 também estará comprometido por ajustes que se fazem necessário.
O ponto fundamental é que os preços dos imóveis têm continuado a subir bem no Brasil mesmo depois de 2011 quando nosso crescimento se desacelerou. Esta tendência não pode continuar para sempre, mas pode continuar por muito tempo, enquanto a expansão de crédito continuar a sustentar a venda de veículos. Neste sentido, é muito importante acompanhar o que acontece com a inflação porque se a inflação subir muito acima do teto do regime de metas inflacionárias (6,5% a.a.), o Banco Central terá de ser mais agressivo na elevação da taxa básica de juros, o que pode causar uma retração da oferta de crédito imobiliário e aí assim causar um ajuste mais generalizado dos preços de imóveis no país.
5- Sobre o índice do volume de crédito imobiliário disponível, no curto e no médio prazo, isso representaria ameaça real na sua avaliação, face às perspectivas da economia brasileira?
O volume total de crédito imobiliário em relação ao PIB indica o grau de endividamento de potenciais compradores de imóveis em relação a sua renda, indicando quando a capacidade de pagamento pode ficar limitada. Quanto maior o endividamento maior o risco de estouro de bolha e quando os preços finalmente caírem – todo preço de ativo cai um dia e não há razão para crer que com o mercado imobiliário brasileiro será diferente – ajuda a dar uma ideia de quanto devem cair? A experiência internacional dá duas dicas. Primeiro, os preços dos imóveis que mais subirem serão os que mais cairão. Segundo, o tamanho da queda depende diretamente do volume de crédito imobiliário no momento do estouro da bolha e do crescimento percentual deste crédito desde que a expansão começou. Por ora, o volume de crédito imobiliário atual sugeriria uma probabilidade de queda ínfima e uma queda muito pequena por aqui se acontecesse uma reversão do mercado à medida que um volume total de crédito imobiliário pequeno sugere que pouca gente seria forçada a vender seus imóveis em caso de reversão das condições de mercado e dificuldades em honrar dívidas. Por outro lado, como o crescimento do crédito imobiliário no Brasil nos últimos anos foi muito significativo, este indicador sugeriria, ao contrário, uma queda grande aqui se houvesse um estouro de bolha à medida que uma percentagem elevada das pessoas que se endividaram recentemente não conseguisse honrar suas dívidas e tivesse de colocar seus imóveis à venda ao mesmo tempo.
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo o Klout.com.Perfil no Twitter: @ricamconsult.