fev/mar 2011
Por Anna Carolina Sampaio
Diante dos fatores econômicos atuais, o economista Ricardo Amorim acredita que a Europa será o próximo cenário de uma crise financeira que terá proporções mundiais. Ele revela como o mercado do agronegócio pode se preparar para o impacto
Analisar o mercado financeiro e estabelecer previsões certeiras. Ricardo Amorim
é especialista no negócio.
Economista, formado pela Universidade de São Paulo, USP, com pós graduação pela ESSEC de Paris, atua há 20 anos na indústria financeira mundial como estrategista de investimentos.
Em Nova Iorque, onde morou por nove anos, foi diretor de Estratégia de Investimentos para a América Latina da consultoria IDEAglobal, estrategista sênior para Mercados Emergentes do banco BNP Paribas e diretor executivo para Mercados Emergentes do banco WestLB.
Por falar em mercados emergentes, Amorim acreditou que apostar no Brasil seria uma boa oportunidade e há dois anos mora em São Paulo, onde preside a Ricam Consultoria.
Atualmente é apresentador do programa “Manhattan Connection” (GloboNews), do Economia e Negócios (Rádio Eldorado) e colunista da revista IstoÉ.
Ricardo Amorim falou com a AveWord sobre as perspectivas para o mercado do agronegócio.
Aveworld – Como você visualiza o comportamento da economia nacional para 2011?
O crescimento que o Brasil presenciou em 2010 foi o maior em 30 anos. Por conta disso, a inflação está subindo e o Banco Central, que está preocupado, deve elevar os juros já no início do ano. Essa elevação, agregada ao menor aumento do crédito, fará com que o crescimento do Brasil seja menor em 2011.
Aveworld – E as previsões para o cenário mundial?
A economia americana, por exemplo, terá um ano muito melhor do que 2010. O governo tomou uma série de medidas que devem surtir efeito. Além de estarem gastando como nunca, a taxa dos juros é a mais baixa da história e eles estão imprimindo dólar em uma quantidade também inédita. O resultado dessas ações é que o governo americano está roubando do crescimento futuro e trazendo para 2011.
Outro aspecto importante é o que acontece com a China. O país deve continuar a crescer, porém, também enfrentará um aumento de juros e, por consequência, tentará controlar o processo de crescimento – isso porque a inflação também está subindo. O risco é que eles errem nesse processo e causem uma aceleração mais forte, o que geraria impactos, em particular, no mercado de alimentos.
Aveworld – Você prevê uma crise na Europa que deverá afetar a economia mundial. Como ela se desenvolveria?
Na Europa temos uma situação bipolar: Os países mediterrâneos (Portugal, Espanha, Grécia, Itália e Irlanda), que estão numa situação complicada, e outros países que estão muito bem. A Alemanha, por exemplo, teve o maior crescimento desde a reunificação.
O problema é que, em minha opinião, a situação vai piorar e há uma grande chance de contaminar o restante da Europa. Se isso acontecer, teremos uma crise global.
Atualmente o dinheiro que existe no fundo de estabilização europeu e no FMI, foi o suficiente para providenciar um pacote para alguns países, porém, muitos outros ficarão de fora. A Espanha, por exemplo, é o próximo dominó que cai.
A única forma de conseguir financiamento adicional seria por meio da ajuda dos países emergentes. Com isso, a participação desses países no FMI seria maior do que a dos desenvolvidos. Como eu não vejo os países ricos prontos para isso, é provável que a crise estoure ainda em 2011 ou início de 2010.
Aveworld – Quais serão os impactos no Brasil?
Como a crise será em proporções globais, teremos redução de comércio no mundo e redução de preços de alimentos que particularmente cresceram muito no mercado. O Brasil será afetado e o setor de agronegócios no país também.
Acredito que o mercado irá muito bem nos próximos meses, e, de uma hora para outra, teremos uma freada. Podemos ser menos afetados, mas isso não quer dizer que não sentiremos o impacto da crise.
Aveworld – O crescimento dos países emergentes parece ter trazido o fantasma da inflação para o Brasil. Por que?
A inflação voltou por dois motivos. O primeiro é a alta do preço dos alimentos. O consumo está crescendo mais forte do que o ritmo de produção e se a oferta aumenta menos do que a demanda, a inflação sobe. Se a inflação sobe, o Banco Central responde com juros. Se os juros sobem, atraímos dólar e é mais uma razão para ele cair.
Aveworld – Se o dólar vai continuar em queda, como o produtor brasileiro deve se posicionar?
O nosso produtor precisa estar preparado para isso e aproveitar para investir no mercado doméstico, que crescerá muito, e redirecionar cada vez mais as exportações para os mercados emergentes.
O problema será vender para os Estados Unidos, Europa e Japão, porque as moedas desses países estão ficando mais fracas e, portando, a nossa exportação para eles, mais caras. Outro aspecto é que a demanda está fraca nesses países porque eles estão em crise.
Aveworld – Como o governo pode ajudar nesse processo?
Basicamente, lidando com dois problemas: a carga tributária e o investimento em infra-estrutura.
Eu acho que os empresários brasileiros estão comprando a briga errada. A briga não é pressionar o governo para tentar proteger o câmbio, porque, por mais que tente, ele não vai conseguir. O que deve ser pleiteado é o investimento em infra-estrutura e transporte porque os resultados permanecem para sempre.
Aveworld – No seu ponto de vista, as medidas tomadas pelo governo federal para controlar o câmbio estão no caminho certo?
Não. Eu acho que elas são ineficazes e caras. Se usarmos o dinheiro de uma forma inteligente, teremos resultados melhores.
O gasto com a manutenção das reservas, por exemplo, veio crescendo nos últimos 10 anos. Em 2010 foi de R$ 50 bilhões.
Se esse gasto fosse feito com infra-estrutura, a realidade que o produtor enfrenta com a questão do transporte, por exemplo, seria completamente diferente.
Aveworld – O que você aconselharia à presidente Dilma Rousseff no sentido de fortalecer os pilares da economia nacional?
A primeira coisa é investir muito mais em infra-estrutura. Porém, para que isso aconteça é preciso tirar de outro lugar e um bom exemplo é o Fundo de Reservas. Não precisamos de $ 300 bilhões de dólares e, continuar aumentando, cada vez mais, essa cifra.
Em segundo lugar, ela precisa cortar gastos absurdamente. Uma das primeiras ações para isso é a reforma da previdência do funcionalismo público. A medida que foi aprovada em 2003, estabelece uma única regra para o funcionário público e a iniciativa privada. Essa ação é a mais justa do mundo, afinal, por que alguns têm que receber mais do que os outros? Com a medida regulamentada, haveria R$ 50 bilhões liberados ao longo do tempo.
Com esse capital seria possível investir mais em infra-estrutura e melhorar a qualidade da mão de obra brasileira, além de sobrar dinheiro para cortar impostos e reduzir a carga tributária, que é o peso extra do nosso empresário.
Negócios / agronegócios
Sim. É favorável porque os dois países que puxarão a economia mundial nas próximas décadas são a China e a Índia, o que significa pessoas pobres com muita demanda de alimento e, em particular, de aves. Também existe a questão da religião. Na Índia, por exemplo, eles não comem carne bovina, ou seja, cresce a exportação de aves e suínos.
Aveworld – Você acha que o Brasil, de alguma maneira, pode se beneficiar com isso?
Com esse cenário de longo prazo, sem dúvida. Há alguns aspectos que me fazem acreditar que os commodities vão subir de preço .
O primeiro é a demanda vinda de países asiáticos, populosos e pobres. Mesmo no Brasil está acontecendo isso. A emergência da classe média significa que a limitação que muitas pessoas tinham no consumo de proteína animal, por conta da baixa renda, está diminuindo e elas estão se tornando consumidoras mais fortes.
O segundo aspecto é que se os bancos centrais dos países ricos, com resposta à crise, vão ter que emitir dinheiro para estimular as suas economias, sendo assim, as moedas deles valerão menos. O dólar em queda significa alta nos preços das commodities porque, quando o dólar cai, tudo que é cotado em dólar fica mais barato em outros lugares.
O terceiro aspecto é que a participação dos países emergentes no consumo, que atualmente é de 40%, cresce 10% ao ano. Sendo assim, o impacto no mercado mundial é muito maior. Ao longo do tempo esse processo de alta de commodities talvez possa acelera-se simplesmente por uma questão de logística.
Aveworld – E quando vier a crise? Como fica?
Quando vier a crise, esquece tudo isso por uns seis meses. Enquanto ela durar, o que acontece é o contrário: o dólar vai subir e o preço do frango cairá, sendo que a demanda e a quantidade vendida também.
Um fator importante que os empresários do setor precisam compreender é que há três vetores de preços determinantes para a rentabilidade do negócio: o preço do frango, dos insumos e a taxa de câmbio. Quando o preço do frango está alto, o preço do insumo também está, porém, o dólar lá embaixo. Essa é a hora de aproveitar os mercados futuros, travar o preço do frango em dólar, deixar os preços dos insumos e da taxa de câmbio soltos, variando.
Aveworld – No mercado das carnes, as previsões são de crescimento da comercialização e da produção mundial. Até que ponto essa realidade pode ficar comprometida por problemas estruturais da economia mundial?
Acho que esse crescimento ficará comprometido quando estourar a crise mundial da Europa.
Um dos principais resultados de crises financeiras rápidas é o impacto no mercado de commodities, que têm seus preços despencados.
Por exemplo, no caso das aves, a Rússia é fundamental. Como o preço cairá na hora em que a crise acontecer, ela cortará intensamente a importação.
Aveworld – O preço da carne subiu demais e as carnes substituídas (aves e suínos) também seguiram esse caminho. A situação deve se estender para 2011?
Sim. Até que a Europa entre em crise e, então, o preço despenque. Até a crise estourar, a tendência é que os valores continuem subindo, porque continuaremos no processo de demanda crescente e insumos também mais caros.
Os produtores têm que estar preparados porque os preços subirão de escada até um momento que vão descer de elevador. Se o empresário do setor focar a atenção apenas para a alta dos preços, na hora que houver a queda ele estará de frente com a crise financeira que foi gerada no setor em meados de 2008 e 2009.
Aveworld – Você afirma que o cenário de demanda por alimentos mudaria após a crise americana (que estourou em 2008). Como você descreve esse cenário?
Eu chamaria isso de “a era dos pobres”. Nos países subdesenvolvidos ainda há muito espaço para o crescimento do consumo de alimentos em geral e em particular de proteína animal. Já o consumo per capita nos Estados Unidos crescerá pouco porque eles estão no limite. O consumo per capita no Brasil crescerá bem e na Índia vai explodir, porque é muito baixo.
Esse movimento é muito favorável à indústria de alimentos.
Aveworld – Os produtores brasileiros de carne, principalmente os pequenos e médios investidores, sofrem com a falta de créditos para aumento da produção e comercialização. Em sua opinião, quando o país terá uma poupança interna sólida para viabilizar empreendedores como avicultores e suinocultores?
Quanto à forte poupança interna eu acho que vai demorar muito, porque o Brasil tem dois problemas estruturais que contribuem para isso. O primeiro é a má distribuição de renda e o segundo, e mais grave, é a despoupança do setor público.
O problema chama-se governo. Gastos em excesso exigem que sejam cobrados mais impostos, que emita-se mais dívidas e o dinheiro que financiaria o setor privado é absorvido por esse ciclo.
Aveworld – Levando em consideração a possível crise na Europa e o cenário econômico que você prevê para 2011, como o produtor brasileiro deve se comportar?
Estamos no início de um processo estrutural, de décadas, muito favorável para o Brasil.
Isso não significa que a situação estará boa o tempo inteiro. O empresário do setor deve se proteger para que a crise Européia seja uma pedra no caminho do adversário.
Há uma maneira de fazer isso : enquanto todos estão pisando no acelerador, pisa mais no freio. Você pode perder um pouco de mercado por alguns meses, na hora em que o adversário se deparar com o muro na frente, que será o momento da crise, você pisará no acelerador. Essa será a hora de comprar concorrente barato.