02/2017
Especialistas em crise, o economista e debatedor do programa Manhattan Connection, da GloboNews, Ricardo Amorim, tem uma visão otimista sobre uma das mais preocupantes crises político econômicas brasileira. Irreverente e bem-humorado, ele trouxe um panorama deste cenário e suas consequências para um público de mil pessoas.
Pouco mais de uma hora de conversa foi o suficiente para dar uma “injeção de ânimo” nos participantes do evento. Segundo Amorim, estamos em uma época delicada, mas com oportunidades e desafios que podem ser aproveitados. “Sou brasileiro e isso é sempre uma boa largada, porque todo brasileiro entende de crise. No meu caso, eu tive uma dose ainda maior, porque, além de brasileiro, sou palmeirense…”, brincou o palestrante, lembrando a plateia de que o seu time alviverde passou por situações dramáticas no campeonato brasileiro de futebol. “Isso significa duas coisas: que as crises acontecem (são frequentes) e que elas passam”, completou.
A Revista Recap acompanhou as análises e considerações de Ricardo Amorim e as transformou em uma entrevista, que pode ser conferida a seguir.
O que aconteceu com o Brasil?
Gostaríamos que a vida fosse que nem o super-homem, para cima e avante. Tudo simples, tranquilo e linear. Só que não é assim que funciona. No mundo real, temos ciclos, altos e baixos, pedras pelo meio do caminho. Nos últimos tempos, no Brasil, tivemos uma dose de chacoalhadas maior do que o normal. Nos últimos 115 anos, pelo menos, não tivemos uma crise com a profundidade da atual.
Qual será o impacto para o país da eleição do presidente americano Donald Trump?
O Brasil está completamente fora da agenda do Trump. Seja de bondades ou maldades, ele (Trump) não está preocupado com a gente. O que me preocupa com esta eleição é que ela aumenta as incertezas em todo o mundo. Ninguém sabe o que ele vai fazer. Quem é que vai governar? O Trump da campanha, do discurso pós eleição ou um terceiro. Eu desconfio que nem ele sabe ainda. A incerteza é inimiga de investimentos de empresas e do crescimento econômico. Até que ela passe ninguém faz nada e do ponto de vista de um país emergente significa que vem menos dinheiro para cá.
Qual a consequência imediata de falta de investimento?
Com menos dinheiro aqui, o dólar sobe, como aconteceu recentemente. Por sua vez, o preço de todos os produtos importados subiu no Brasil.
Qual é a preocupação?
Nos dois últimos meses, a inflação foi a mais baixa para o bimestre (setembro/outubro), dos últimos 20 anos. Quando a inflação cai, a taxa de juros cai, o crédito volta, o que gera consumo, mais venda, melhora o resultado das empresas, elas contratam mais e as pessoas começam a consumir mais. O que eu quero dizer é que mesmo que o Brasil faça a sua parte, nós temos um fator a mais para ficar de olho: o Trump. Temos ainda um monte de incertezas que vem da Europa e, se nós não tivermos mais nenhuma crise global, posso dizer que o Brasil está começando a entrar em um processo de recuperação.
Que processo seria este?
Nos últimos 15 anos, sem exceção, a maior parte do crescimento, do resultado das empresas do mundo, não veio dos Estados Unidos, Europa ou Japão. Em média, de 3 a cada 4 dólar vieram de países emergentes, incluindo o Brasil. Isso não mudou no ano passado e pelos dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) não vai mudar este ano.
Como isso é possível?
Comparando o desempenho econômico do mesmo partido político, não estou dizendo que um é melhor do que o outro. Como a Dilma ficou cinco anos no governo, eu comparo com o mesmo período anterior a ele, o que calhou de ser o Lula e, portanto, do PT. Em dezembro de 2006, os economistas acreditavam que o PIB (Produto Interno Bruto) cresceria no ano seguinte 3,5%. Cresceu um pouco mais. A cada ano aumentava mais do que esperávamos anterior-mente. Em todos os anos, com exceção de 2009 – quando estourou a crise mundial -, as surpresas foram positivas. Não tinha para ninguém. O Brasil virou a bola da vez. Passamos a ser o país do presente e não do futuro, até que a Dilma tomou posse.
E o que aconteceu?
Em todos os anos do governo Dilma, as expectativas caíram e foram piores do que as projetadas. Fiz uma análise com 180 países, o que mostrou que a economia se move em ciclos. Se está positivo, ela melhora. Esperamos mais e ela se supera. Até que o ciclo inverte. Depois voltamos para o positivo, negativo e assim por diante. Os ciclos não são estáveis. Os mais curtos duram três anos e os mais longos, oito. Normalmente, os ciclos positivos são mais longos. No caso do Brasil são seis anos de surpresas negativas, o que é raríssimo, de acordo com as pesquisas dos últimos 115 anos. Isso só acontece com países que estão em guerra ou guerra civil. Não teve nenhum com um ciclo negativo como este que o Brasil está.
Qual é o tamanho desta crise?
Comparando entre todos os países do continente americano, durante o governo Dilma, o Brasil não teve o pior desempenho econômico por uma única razão: existe a Venezuela. A gente ficou para trás de algumas ‘super potências’ como: El Salvador, Nicarágua, Argentina e Haiti. A economia, como qualquer veículo, depende de combustível e motores. Um dos motores da economia é a confiança, enquanto o combustível são as políticas econômicas. No caso do Brasil, todas elas erradas, adotadas uma atrás da outra, o que desligou o motor. Acabou com a confiança.
O que é necessário para o Brasil voltar a crescer?
Colocar as contas públicas em ordem e gastar menos do que se arrecada. Se o Brasil acertar as contas públicas e afastar a possibilidade de calote destas contas, vai chover dinheiro aqui dentro e a taxa de juros vai despencar, o credito expandir e o consumo aumentar. O que a Dilma fez para equilibrar o déficit foi aumentar a receita, cobrando mais impostos, ao invés de cortar os gastos. O consumidor deixou de comprar para pagar impostos. O mínimo que o Brasil cresceu, alguns anos depois de uma grave crise econômica, foi 6% ao ano. Portanto, o que está claro para mim é que ele vai crescer mais do que as pessoas estão esperando. Estamos no início do ciclo da fase positiva.
A crise não foi apenas econômica, certo?
Tivemos uma crise de liderança, o que por um lado gera uma oportunidade e um risco. Chegou a hora de as lideranças empresariais ocuparem espaço no mundo político, o que é uma oportunidade. Se vocês não fizerem isso, vai pintar um ‘salvador da pátria’, o que é um risco. Como é que o Collor foi eleito? Estamos no cenário perfeito para os demagogos. Tem grandes oportunidades para 2018, vai depender de a gente alimentar as lideranças certas.
Quais são os desafios do governo Temer?
Colocar as contas públicas em ordem e isso ele conseguirá aprovando as duas reformas: a do teto dos gastos e a da previdência. Com isso, a preocupação fiscal vai embora, a confiança e os investimentos voltam.
Melhorou a confiança no país?
Sim. E acho que ele voltou a crescer mais do que muita gente espera.
Quais são as expectativas para 2017?
As expectativas para o ano que vem são muito melhores do que as que foram para este ano. É o início do ciclo de virada. Estamos diante das maiores e melhores oportunidades de negócios que existem, que é quando tem algo de positivo que vem aí e ninguém viu ainda. A melhor prova disso foi quando as paletas mexicanas (sorvetes recheados) chegaram ao Brasil. O primeiro que trouxe a rede de peleteria, “nadou de braçada” de ganhar dinheiro. Tempos depois, quando todo mundo teve a mesma ideia, deixou de ser um bom negócio e virou uma roubada. Tudo depende do olhar que você tem. A minha dica é seguir o exemplo do Steve Jobs, criador da Apple. Ele criou um negócio que impulsionou seus parceiros, que o impulsionaram e foi um ciclo virtuoso. Que vocês façam algo e se fortaleçam enquanto cadeia. Fácil? Não é. Mas a hora de fazer é quando a coisa está feia, porque as expectativas estão baixas e é mais fácil surpreender.
Quais são os benefícios de uma crise?
Ela tira a gente da zona de conforto e nos faz colocar em ordem aquilo que estávamos empurrando com a barriga.
Quais são as projeções para os próximos 10 anos?
É de que pelo menos 30 milhões de brasileiros entrem para a classe média. O impacto não vai ser igual aos 50 milhões que entraram nos últimos anos, mas ainda será enorme no setor de vocês (combustíveis e lubrificantes). E tem mais! Percebemos um processo de ‘interiorização’ do Brasil por causa do agronegócio. Faz 15 anos que as cidades do interior crescem mais que as capitais e que estamos tendo uma reversão do fluxo migratório: gente saindo das capitais para ir rumo ao interior. A oportunidade está aí, porque os produtos precisam chegar até essas pessoas, e a necessidade de transporte cresce e isso exige mais consumo de combustíveis e lubrificantes.