Entrevista de Ricardo Amorim sobre a nova realidade do mercado de trabalho.

Revista Conselhos

01/2013

Por Vladimir Goitia

 
Estrangeiros buscam refúgio contra a crise
 
 
Melhores oportunidades de trabalho e remuneração, além de investimentos bilionários em infraestrutura e energia, fatores aos quais se soma a crise econômica e financeira nas maiores e principais economias do planeta, estão sendo, de acordo com especialistas, determinantes para a consolidação de um novo fenômeno migratório, que, desta vez, mostra um caminho inverso: do hemisfério Norte para o Sul. Esse movimento, inerente ao homem e que lhe permite responder a seu instinto de sobrevivência, fez a mão de obra qualificada se voltar para países latino-americanos, onde, uma vez estabilizadas suas economias, está o dinheiro.
 
No Brasil, o número de autorizações de trabalho para estrangeiros quase triplicou nos últimos seis anos, passando de 25 mil, em 2005, para pouco mais de 70 mil ao final de ano passado, de acordo com dados da Coordenação Geral de Imigração (CGIg), do Ministério de Trabalho e Emprego (MET). Apenas de janeiro a setembro deste ano foram concedidos 55 mil vistos de trabalho, um crescimento de 5% em relação ao mesmo intervalo do ano passado, o que leva a acreditar que 2012 poderá fechar com quase 75 mil autorizações para profissionais de outras nacionalidades, dos quais mais de 60% têm ensino superior completo, mestrado ou doutorado.
 
“Os patamares de vinda de estrangeiros ao Brasil dificilmente vão diminuir. A tendência é de se manter, ou mesmo aumentar. Até porque, esse crescimento no número de autorizações concedidas está ligado à demanda de profissionais que contribuem com o desenvolvimento de projetos de expansão econômica e de obras de infraestrutura no país, entre outros”, avalia Paulo Sérgio Almeida, coordenador geral de Imigração do Ministério do Trabalho.
 
Para ele, assim como para outros especialistas, a chegada desse tipo de mão de obra ao país permitiu dar certo fôlego a setores produtivos que sofrem com a escassez de talentos, hoje considerado um dos maiores desafios para o crescimento das empresas nos próximos anos. O chamado “apagão” de mão de obra, gerado também pela acirrada disputa por funcionários qualificados, não é novidade no Brasil, e tem aumentado consideravelmente nos últimos anos.
 
“À medida que o desemprego no Brasil começou a cair desde meados de 2004, a dificuldade das empresas em contratar bons profissionais tem aumentado, e os salários e benefícios dos funcionários subido”, lembra o economista e consultor Ricardo Amorim, presidente da Ricam Consultoria, prestadora de serviços na área de negócios e economia global. Na avaliação dele, no mercado de trabalho, assim como em infraestrutura e câmbio, o Brasil se viu forçado a lidar com as consequências do crescimento.
 
Em recente artigo publicado numa importante revista semanal, o economista lembra que, nas décadas de 1980, de 1990 e no início do milênio, períodos em que o Brasil sustentou taxa média de crescimento do PIB de apenas 2% ao ano, faltavam empregos. “Desde 2004, essa média [de expansão econômica] mais do que dobrou, e hoje faltam profissionais altamente qualificados para as vagas existentes”, explica.
Em entrevista à Conselhos, Amorim afirma que, com o desemprego mais baixo da história e com a criação de 3,6 milhões de empregos adicionais por conta da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, além da necessidade de mais de um milhão de empregos adicionais em função da exploração do pré-sal, o governo federal deveria fazer um trabalho mais ativo para atrair não só brasileiros que estão fora do país mas também mais estrangeiros.
 
Pontuação
“Os números de profissionais estrangeiros trabalhando no mercado nacional não são maiores porque o Brasil ainda não tem uma política estruturada para trazer mais e mais”, lamenta André Saconato, diretor de Pesquisas da Brasil Investimentos & Negócios (BRAiN). De acordo com ele, o país enfrenta hoje um déficit significativo de mão de obra qualificada em áreas como de engenharia, onde dificilmente as vagas serão supridas, mesmo porque já existem dificuldades até para contratar brasileiros.
 
Saconato acredita que o Brasil deveria adotar modelos semelhantes aos do Canadá e da Austrália, países que, por questões demográficas, enfrentaram há alguns anos problemas similares de falta de mão de obra qualificada. “Eles têm um sistema de pontuação que é ajustado de acordo às necessidades. Ou seja, quem conseguir mais pontos por esse ou aquele critério, entra num processo de ‘fast track’ para receber o visto de trabalho no país”, explica o diretor da BRAiN.
 
Para decidir quem pode ou não entrar no Brasil, o Ministério do Trabalho analisa caso a caso, empresa por empresa, mas todos os candidatos passam pelo mesmo crivo de análise. Só depois de analisada a necessidade do profissional, o trâmite vai para o Itamaraty, que é quem dá o visto de entrada no país. Hoje, a resposta para uma autorização de trabalho acima de 90 dias demora aproximadamente 30 dias. Para trabalhos temporários menores a esse período, a resposta pode sair em no máximo duas semanas, de acordo com o MTE.
 
“O nosso objetivo é acelerar mais esses trâmites. Com o novo sistema que estamos implementando, e que deverá ficar pronto até o final do ano, a meta é reduzir esses prazos até em um terço”, informa Almeida, do Ministério do Trabalho. De acordo com ele, a política do governo brasileiro sobre esse movimento migratório é que o profissional que vem trabalhar no mercado nacional é para atender a uma demanda e para executar tarefas que hoje ainda não são possíveis de serem cumpridas.
 
Almeida ressalta que essas pessoas são essenciais para o desenvolvimento econômico e industrial do país, e a vinda deles não significa, em momento algum, tirar o emprego de um brasileiro. Até porque, diz ele, “o Ministério do Trabalho tem tido o cuidado necessário para analisar e concluir que é impossível o mercado nacional oferecer profissionais altamente qualificados em todas as áreas de conhecimento a ponto de prescindir de um estrangeiro para as oportunidades de trabalho que tem surgido aqui”.
 
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), por exemplo, mostram que, das quase 93 milhões de pessoas ocupadas no Brasil, apenas 771,5 mil têm mestrado ou doutorado. Ou seja, o porcentual é inferior a 0,9% do total de ocupados no País. Leandro Pereira, da Visto Brasil, empresa de advocacia especializada em imigração, afirma que é inegável a colaboração de profissionais qualificados do exterior para o desenvolvimento do país. O único problema, alerta ele, “é que esse movimento possa gerar no país uma acomodação nas políticas públicas de educação”.
 
De acordo com o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), os cerca de 40 mil engenheiros formados anualmente no Brasil não serão suficientes para atender à demanda de 300 mil profissionais da área necessários para obras e investimentos previstos para os próximos cinco anos, como os da Copa do Mundo, das Olimpíadas, do PAC e da exploração do pré-sal. E o déficit de engenheiros tende a piorar conforme avançam as obras desses eventos e projetos.
 
Para piorar o quadro, os salários vêm subindo, enquanto que o custo de máquinas e de equipamentos vem caindo devido à produção chinesa e à própria apreciação do real. Isso, de acordo com Ricardo Amorim, da Ricam, provocará muito em breve um forte processo de mecanização e informatização, com impactos positivos sobre a produtividade, mas que exigirá trabalhadores ainda muito mais qualificados.
 
“Enquanto os problemas econômicos brasileiros estiverem relacionados à falta de mão de obra qualificada, e não à falta de empregos, o que deve ser o caso ao longo da maior parte desta década, senão de toda a década, eu diria que todos que quiserem vir trabalhar ao país são muito bem vindos”, diz o economista.
 
Ele próprio, que morou e trabalhou em Nova York durante oito anos, é um claro exemplo dessa reversão na histórica perda de talentos que o Brasil viu acontecer por décadas. Na opinião do economista, as consequências desse processo migratório de profissionais em direção ao Brasil são extremamente positivas. “Em primeiro lugar, brasileiros com experiência fora do país, e os estrangeiros, foram expostos a outras formas de trabalhar. Ao retornarem, ou virem para cá, ajudam no processo de inovação e aperfeiçoamento técnico”, diz Amorim, que voltou a São Paulo no dia em que a crise internacional derrubou os países ricos. Hoje, por assim dizer, ele “surfa na boa maré brasileira”.
 
Relatório anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado em meados deste ano, confirma que o agravamento da crise na zona do euro fez aumentar o número de emigrantes dos países mais afetados – Grécia, Espanha, Itália e Portugal. Vale ressaltar que só na Espanha quase um quarto (23%) da população em idade ativa está desocupado. Em 2011, ainda segundo a OCDE, 50 mil pessoas abandonaram o país ibérico, tanto cidadãos nacionais como estrangeiros, um movimento até então inédito no país, que no ano anterior havia recebido mais de 60 mil imigrantes.
 
Embora o principal destino deles venha sendo a Alemanha, os emigrantes espanhóis buscam oportunidades no mercado de trabalho brasileiro. Atualmente, por ser a sexta economia mundial, fazer parte dos BRICS e pela proximidade cultural, já são mais de 100 mil espanhóis que estão no Brasil segundo o Instituto Nacional de Estatística da Espanha (INE), 28% a mais do que três anos atrás.
 
De acordo com um levantamento da Câmara Oficial Espanhola de Comércio no Brasil, mais de 60 mil espanhóis trabalharam legalmente no país em 2011. De novembro de 2011 a maio de 2012, a entidade recebeu 700 currículos de profissionais espanhóis que buscam uma oportunidade no Brasil. “São mais de 100 de currículos de profissionais espanhóis de nível técnico que são cadastrados a cada mês no portal da Câmara que não conseguem emprego na Espanha neste momento e que buscam oportunidades no Brasil”, informa a Câmara Espanhola.
 
Pressão
Saconato, da BRAiN, acredita que problemas só ocorrerão se o processo (de aprovação ou autorização de trabalho) for mal feito. Caso contrário, não há por que temer a entrada de mais estrangeiros ao país. Ele acha que resistência a isso pode vir de alguns sindicatos, mas também avalia que isso não influenciará nas decisões das instâncias responsáveis para conceder as autorizações de trabalho. Mesmo porque, as exigências do mercado de trabalho no Brasil passaram a ser a automação e a eficiência, e não necessariamente a ampliação de capacidade.
 
De acordo com o Ministério da Justiça, já há mais de 1,5 milhão de trabalhadores estrangeiros no país. Esse número inclui os que atuam legalmente, com autorizações de trabalho e vistos de residência – o MTE não autoriza o ingresso de mão de obra desqualificada. Mas ONGs e o próprio governo estimam que haja de 60 mil a 300 mil estrangeiros ilegais, a maioria, latino-americanos, chineses e africanos. Além deles, há 4.477 refugiados. “Quem diria, atraímos até imigrantes ilegais”, brinca Amorim.
 
O principal fator para esse salto no número de imigrantes legais foi também a chegada de trabalhadores de países vizinhos. Entretanto, o crescente fluxo migratório de países latino-americanos tem sido acompanhado por uma mudança significativa no perfil dos trabalhadores que vêm para o Brasil. Os imigrantes dos países vizinhos, em geral, têm baixa escolaridade e pouca qualificação. Desde 2009, por exemplo, triplicou o número de imigrantes peruanos. O de paraguaios e bolivianos cresceu mais de 70%. Comunidades com presença antiga no país, como japoneses e europeus, têm crescido mais lentamente. Bolivianos trabalham em oficinas de costura e como empregados domésticos. Já os peruanos atuam como ambulantes e operários na construção.
 
Segundo a Secretaria Nacional de Justiça, o número de latino-americanos legais no país aumentou por três motivos: boom econômico, acordo de residência do Mercosul e anistia – os dois últimos de 2009 –, que deu a 45 mil imigrantes ilegais direito de residência provisória e a 18 mil a obter residência permanente depois de dois anos. É bom lembrar que o acordo diplomático autoriza cidadãos dos países do bloco, além dos da Bolívia e do Chile, a entrar sem visto e a pedir residência temporária. Esse acordo deve ser estendido para peruanos e equatorianos, falta a aprovação do Congresso.
 

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