13/07/2011
Por Léia Machado
Entre a gestão e o autoserviço |
Léia Machado 13/07/2011
A partir do Plano Real, implementado por Fernando Henrique Cardoso em 1994, o Brasil escreveu na história seu primeiro capítulo sobre o crescimento que estava por vir. O lançamento da nova moeda motivou o Governo daquela época a vencer os desafios e a ânsia de conter uma inflação de 50% ao mês, de estabilizar a economia e de buscar o amadurecimento. Somente a partir desses primeiros passos o País poderia criar um mercado de consumo interno e caminhar com as próprias pernas.
O segmento de varejo no Brasil acompanhou essa trajetória e nesses 17 anos vem passando por uma constante evolução buscando medidas para melhorar sua operação. No passado, os problemas que o setor enfrentava eram desafiadores como a informalidade, gestão familiar engessada sem perspectivas de evolução, pouco crédito no mercado, baixa maturidade do consumidor e falta de internacionalização.
Com o passar dos anos, o País foi vencendo as barreiras do subdesenvolvimento e aos poucos foi conquistando seu lugar ao sol. Hoje, o cenário do varejo é outro. A inflação está controlada e estável, o consumidor está mais maduro e obteve aumento de crédito e houve uma elevação de consumo das classes C e D. Além disso, a informalidade diminuiu, as empresas estão focando na operação e o índice de internacionalização está cada vez mais alto com o efeito da globalização.
“Diante do avanço tecnológico nas grandes potencias mundiais, o Brasil está sabendo aproveitar este momento para alavancar seu crescimento. Isso reflete no aumento da competitividade, no qual a concorrência ficou muito acirrada”, aponta Ricardo Amorim, presidente da Ricam Consultoria. Segundo o executivo, com a abertura do mercado para a entrada de empresas internacionais, o varejo, assim como outros segmentos, precisou se reinventar.
O comércio eletrônico, por exemplo, obteve um crescimento significativo. Segundo a pesquisa da E-Consulting, a soma dos volumes de transações online de automóveis, turismo e bens de consumo (lojas virtuais e leilões para pessoa física) totalizou, em 2010, R$ 24,9 bilhões, aumento de 14,22% em relação a 2009. Ao comparar os números atuais com anos anteriores, nota-se um crescimento de mais de 500% nos últimos oito anos, o que leva os investimentos digitais ao foco principal dos executivos e empresários.
Esse novo cenário apresenta um varejo que precisa investir em vários setores ao mesmo tempo, e o foco aponta aportes financeiros na gestão do negócio e no autoatendimento. Na opinião de Amorim, isso é resultado de grandes transformações no mundo que impactaram no Brasil e no varejo nacional. “Os desafios do setor eram problemas associados principalmente às crises e dificuldade de crescimento. Hoje, o setor precisa lidar com problemas contrários. Depois de um período muito longo sem investimentos, o varejo precisa investir em várias frentes para conseguir acompanhar essa ascensão global”, acrescenta.
Mudança cultural
Mesmo com as transformações positivas ao longo desses anos, o varejista brasileiro ainda enfrenta certo conservadorismo com a gestão familiar. Para se manter competitivos em um mercado cada vez mais exigente, esses gestores precisam trabalhar a mudança com investimentos em sua profissionalização. Na opinião de Ricardo Pastore, professor e coordenador do Núcleo de Varejo da ESPM, existem grandes redes de lojas que possuem uma gestão familiar, assim como também existem aquelas que são bem resolvidas.
“De um modo geral, o maior desafio é cultural. No passado, todo esse conservadorismo era o que permitia que esse varejista não passasse por dificuldades, sem precisar fechar as portas de uma hora para outra devido ao choque econômico. Ou seja, foi uma cultura criada a partir da instabilidade do mercado. Mas hoje o cenário é outro, precisamos trabalhar a cabeça da inovação no gestor, pois ele precisa aproveitar essa onda do crescimento do País para que ele não seja engolido pela concorrência. É preciso mudar a forma de trabalhar”, diz Pastore.
Esta adaptação ao novo cenário de inovação pelo qual o varejo vem passando é enfatizada por Amorim. “Até meados dos anos 2000, mais da metade das empresas que surgiam no Brasil morriam antes de completar dois anos, pois o ritmo de negócio era difícil e instável. De lá pra cá a realidade é outra. No ano passado, por exemplo, cerca de 22% das novas empresas não conseguiram passar dos dois anos de atuação. Isso significa que estamos tendo um ambiente de negócio diferente e o varejista precisa se adaptar”, explica o consultor.
De acordo com os especialistas, existem profissionais com um bom nível de maturidade que conseguem enxergar esses desafios, mas outros, principalmente os pequenos, ainda precisam caminhar mais um pouco. “Devido ao conservadorismo, muita vezes provocado por falta de conhecimento, o setor tem em seu DNA a observação e conversa com outros varejistas para a comprovação da eficácia de uma determinada mudança ou investimento. Sinal de que se trata de um setor que acredita em seus pares. Eles conversam muito entre si. Mas acredito que isso tende a diminuir, justamente por causa da própria evolução”, completa Amorim.
Vitrine tencológica
Investimentos em Tecnologia da Informação são um dos pilares associados à mudança do segmento de varejo no Brasil. As tendências desses aportes financeiros vão desde a gestão do negócio com soluções de ERP (Enterprise Resource Planning), CRM (Customer relationship management) e BI (Business Intelligence) até passar para os investimentos em mobilidade e integração com o cliente na frente de loja. No autoatendimento, a tendência é uma revolução tanto em hardware quanto em software, para proporcionar maior interação com o cliente, desde a entrada na loja até o caixa com ações de marketing que vão ao encontro do perfil daquele cliente. Na visão de Eduardo Terra, vice-presidente da IBEVAR (Instituto Brasileiro dos Executivos do Varejo), o setor está enfrentando desafios de implementação dessas soluções a fim de ganhar automação e modernização.
“Já existem utilizações pontuais de tecnologia de acordo com a necessidade de cada empresa. Minhas apostas são os investimentos de tecnologia separados em dois blocos: informação e automação. Na parte de informação, há uma busca frenética pela profissionalização, além de melhorar o gerenciamento do negócio, logística, relação com o cliente e análise dos dados a fim de extrair valor para a companhia”, explica Terra. Na parte de automação, o executivo destaca o self checkout como uma tendência, pois os equipamentos automáticos, assim como os caixas eletrônicos de banco, proporcionam vários serviços na frente de loja. “A conta que o varejista faz está mais interessante nessas tecnologias de automação devido à escassez da mão de obra e do barateamento da tecnologia”, afirma o VP.
A mobilidade é outra tendência em vários segmentos de negócio e não seria diferente no varejo, o que acaba sendo também um desafio de implementação. Na opinião de Pastore, as novidades tecnologias serão apadrinhadas por dispositivos móveis tanto na gestão quanto no autoatendimento. “Em breve, veremos vários processos ganhando agilidade e maior integração com o cliente no ato da compra, ali na frente de loja, com o apoio de novos equipamentos. Claro que isso ainda leva um tempo, principalmente para os pequenos varejistas, mas acredito que em três anos essa mudança será gradual e geral”, completa o professor.
“Além disso, tem a internacionalização no varejo. A partir do momento que tem um Wall Mart, uma Zara, ou tantas outras marcas entrando no mercado brasileiro, eles trazem consigo a tecnologia avançada, o concorrente nacional precisa se atualizar”, aponta Terra. De fato, os gestores do comércio estão diante de desafios que, quando superados e a tecnologia está aí para isso, transformarão a maneira do consumidor ir às compras. “O importante é ter um varejo brasileiro que possa mudar o estado de espírito defensivo para um estado de espírito ofensivo, aproveitando as oportunidades”, finaliza Amorim.