Entrevista de Ricardo Amorim à ImóvelClass sobre perspectivas para o mercado imobiliário em 2014.

Revista ImóvelClass

02/2014

 
1. Na sua opinião, o que o brasileiro pode esperar do mercado imobiliário em 2014? Será um bom ano para fazer investimentos no setor?
 
Na minha opinião, o mais provável é mais um ano de volta para a média do mercado imobiliário brasileiro como um todo, mas em ritmo inferior ao dos últimos anos e com comportamentos de preços mais díspares dependendo da utilização, localização e características do imóvel.
Comparando o nível atual de preços imobiliários no Brasil com o resto do mundo hoje e com as altas ocorridas em outros países antes que bolhas imobiliárias estourassem, minha estimativa assumidamente bastante imprecisa, é que, na média do país, cerca de 2/3 de toda alta de preços que deveria ocorrer antes que o mercado passasse por um ajuste generalizado e significativo já aconteceu. Restaria, portanto, para o país como um todo, uma alta aproximadamente equivalente a metade da já ocorrida antes de um eventual estouro de bolha imobiliária por aqui.
Aqui cabem três observações fundamentais. A primeira é que a estimativa acima corresponde a uma média nacional, incluindo mercados onde os preços ainda estão baratos e podem subir mais do que isso e outros que já subiram muito mais e onde o potencial de alta é muito menor.
A segunda é que, historicamente, houve variações significativas de porcentagens de altas e níveis de preço antes de estouro em diferentes países e períodos, sugerindo que a estimativa acima pode tanto subestimar quanto superestimar o potencial e valorização adicional. De toda forma, os dados parecem sugerir que mais da metade da alta, pelo menos para o país como um todo, já ocorreu e que portanto estamos em algum ponto da metade final do ciclo de alta, o que sugere muito mais cautela e cuidado nos investimentos imobiliários daqui para frente. À medida que altas adicionais, pelo menos para o mercado como um todo,devem ser menores e mais curtas, a importância dos fatores específicos como localização e diferencias de cada empreendimento imobiliário para seu desempenho futuro de preço será daqui para frente muito maior do que nos últimos anos, quando o mercado como um todo subiu muito.
Terceiro e quando finalmente os preços dos imóveis caírem – afinal de contas todo preço de ativo cai um dia e não há razão para crer que com o mercado imobiliário brasileiro será diferente – quanto eles devem cair? Uma resposta definitiva a esta resposta depende de quanto eles ainda subirão até que isto aconteça, mas o que a experiência internacional dá duas dicas importantes. A primeira é que as quedas, quando acontecem, são diretamente proporcionais às altas que as precederam. Em outras palavras, os imóveis que mais subirem de preço ao longo de todo o ciclo de alta, iniciado em 2004, são os que estão sujeitos a maiores quedas. A segunda é que as quedas também são diretamente proporcionais ao volume de crédito imobiliário no momento do estouro da bolha e ao crescimento percentual deste mesmo volume de crédito desde que a expansão começou. O volume de crédito imobiliário no Brasil (8% do PIB) é muito menor do que qualquer caso de estouro de bolha desde 1900 no mundo, sugerindo menores perdas bancárias quando os preços caírem e, por consequência menor contração na oferta de crédito, o que forçaria outros detentores de imóveis a vendê-los, deprimindo seus preços. Por aí, as quedas de preços aqui, quando acontecessem deveriam ser bastante modestas. Por outro lado, o ritmo de expansão do crédito imobiliário no Brasil nos últimos anos, por ter partido de um nível inicial de apenas 1% do PIB, está entre os mais acelerados já visto, sugerindo uma potencial queda de preços mais significativa. Por ora, a impressão é que, quando vier, a correção de preços por aqui não deve estar nem entre as menores já vistas.
Em resumo, meu recado para quem quer investir em imóveis é: seja mais criterioso em seus investimentos imobiliários daqui para frente, mas não caia em desespero pelo canto das Cassandras que pregam que temos uma bolha imobiliária para estourar no Brasil. Provavelmente, elas até acabarão tendo razão um dia, mas salvo uma eventual hecatombe de toda economia mundial, este dia não está tão próximo quanto elas dão a entender.
 
 
2. No fim do ano passado, Robert Shiller, um dos vencedores do prêmio Nobel de Economia, afirmou que o Brasil pode estar vivendo uma bolha imobiliária semelhante à vivida pelos Estados Unidos, e que deu origem à crise econômica de 2008. Você concorda com as observações de Shiller? O que pode ser feito para evitar que o Brasil siga os mesmos passos dos EUA?
 
Concordo com vários pontos da análise de Shiller. Processos de alta acelerada de preços de ativos movidos parcialmente por uma forte aceleração da oferta de crédito costumam caracterizar bolhas que acabam estourando, incluídas as imobiliárias, e o que aconteceu no mercado imobiliário brasileiro tem estas características. Portanto, o alerta de Shiller de que o mercado imobiliário brasileiro exige cada vez mais atenção deve ser ouvido como todo o respeito que alguém que ganhou o Prêmio Nobel de Economia exatamente por haver alertado de forma veemente sobre a formação de outras bolhas merece.
Por outro lado, mesmo concordando com Shiller quanto à existência de um grande risco de estouro de bolha imobiliária no Brasil eventualmente, acredito que os dois pontos mais relevantes a serem considerados por quem está pensando em investir em imóveis não são se há ou não bolha, mas se um eventual estouro de bolha está relativamente próximo e qual a proporção que pode tomar quando estourar.
Desde 2007, quando os preços dos imóveis começaram a cair nos EUA, prenunciando o estouro da bolha imobiliária daquele país, surgiram os primeiros comentários de que o mercado imobiliário brasileiro teria o mesmo destino em breve. A lógica era simples. Os preços por aqui já tinham subido muito nos anos anteriores por conta de uma expansão significativa da oferta de crédito imobiliário – que até 2003 era irrisória – e atividade de construção no país havia atingido níveis não observados há décadas.
Todos os fatores mencionados eram verdadeiros e relevantes para o diagnóstico de bolhas imobiliárias, mas passados 7 anos, hoje é claro a qualquer um que estávamos nos apenas no primeiros sopros de uma eventual bolha. De lá para cá os preços dos imóveis, dependendo das suas características, localização e fim de utilização subiram entre 150% e até mais de 1000%. Portanto, mesmo admitindo que os preços não subissem nem mais um centavo e começassem a cair de forma generalizada imediatamente – o que, baseado no comportamento recente dos preços claramente não acontecerá – e considerando os imóveis que tiveram menor alta de preços no período, a queda de preço teria de ser de 60% apenas para os preços voltarem aos níveis de 2007. Considerando-se os imóveis que mais subiram de preço, a queda teria de ser de mais de 90%. Quedas desta proporção são muitíssimo improváveis. Portanto, ouvir as preocupações com bolha imobiliária no Brasil em 2007 e esperar os preços caírem para comprar foi sido uma péssima estratégia.
Isto não significa que uma bolha imobiliária eventualmente estoure no Brasil. Precisar quando uma bolha financeira ou imobiliária estourará é impossível, mas bolhas não estouram antes de estarem suficientemente cheias e normalmente, dão alguns sinais antes de explodirem. Exatamente por isso, desde 2007, tenho anualmente publicado artigos analisando a situação do mercado imobiliário a cada momento e tentando responder se estaríamos próximos de um eventual estouro de bolha imobiliária no Brasil ou se, ao contrário, os preços continuariam a subir.
 
 
3. Em contrapartida, um estudo realizado pela Lopes, uma das maiores empresas de consultoria e intermediação imobiliária do país, com residentes na Região Metropolitana de São Paulo, aponta que o comprador de imóvel mostrou-se mais confiante no final do ano passado. Em relação ao mês de novembro, o Índice de Confiança do Comprador de Imóvel apresentou crescimento de 6,1%. Na sua opinião, o que motivou esse incremento?
 
Particularmente na região metropolitana de São Paulo, houve uma melhora significativa das condições do mercado ao longo de 2013, com uma forte recuperação das vendas de novos lançamentos, eliminando um excesso de oferta que havia se formado em 2012. Aliás, no Rio de Janeiro, aconteceu algo parecido, mas em outras regiões do Brasil, não. Isto chama a atenção a um fator fundamental para investidores do mercado imobiliário: as diferenças regionais têm papel decisivo e precisam ser analisadas com cuidado.
 
 
4. O grande assunto deste ano é a Copa do Mundo no Brasil. Se por um lado receberemos um grande evento, por outro estamos atrasados no que diz respeitos às obras que envolvem a Copa. Para você, o gasto acima do esperado e os atrasos com as construções e/ou reformas dos estádios surpreenderam? Por quê? O que poderia ter sido feito para que as obras fossem entregues sem atrasos?
 
Gastos acima do esperado e atrasos aconteceram em todas as Copas do Mundo. Não havia razões para imaginar que no Brasil seria diferente. O que surpreendeu negativamente no Brasil foi a magnitude dos estouros de orçamento e dos atrasos e a falta de planejamento. Infelizmente, após décadas de instabilidade econômica muito grande, o horizonte de planejamento de nós brasileiros encurtou-se muito. Nos últimos 20 anos, gradualmente, a economia até foi se tornando mais estável, mas ainda não reconquistamos a capacidade de planejar a longo prazo que, para eventos desta magnitude, é fundamental.
 
 
5. Levando em consideração o ponto de vista do setor imobiliário, o que a Copa do Mundo vai trazer e deixar de bom para o Brasil e para o povo brasileiro? 
 
A Copa do Mundo já teve impactos importantes sobre o desenvolvimento de terminadas regiões de sedes da Copa. A região de Itaquera, em São Paulo, por exemplo, viu um boom de construções e lançamentos que, em grande parte, foi conseqüência da Copa do Mundo.
Entretanto, o maior legado da Copa, que deveria ser uma forte expansão e melhoria de nossa infraestrutura de transportes, será muito menor do que poderia e deveria ter sido.
 
 
6. Em dezembro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) declarou que ainda não havia visto nenhuma ação do governo federal em relação ao pacto de mobilidade urbana, proposto pela presidente Dilma Rousseff após a série de manifestações populares ocorridas no país em junho e julho. Qual a sua impressão sobre isso? 
 
Na minha opinião, as manifestações são reflexo da mudança da estrutura sócio-econômica brasileira recente. Apenas desde 2005, quase 60 milhões de pessoas ingressaram nas classes A, B e C. Esta ascensão social, particularmente com a maioria dos brasileiros deixando as classes baixas (D e E) e ingressando na classe média expande, as demandas da maioria da população brasileira. Quando a maioria dos brasileiros estava nas classes baixas suas preocupações eram imediatas: mais comida na mesa e uma habitação que não corresse o risco de cair na primeira chuva. Bolsa-Família e Minha Casa, Minha Vida eram dois programas de governo que respondiam muito bem a estas necessidades. Hoje, com mais de 100 milhões de brasileiros na classe média, além de casa e comida a maioria dos brasileiros exige educação pública, transporte público e saúde público de qualidade e não os recebe. Isto possibilitou o início das manifestações que, uma vez começadas, tomaram uma dinâmica própria. De fato, o governo não fez nada significativo em transporte público, mas o programa Mais Médicos, foi a resposta do governo em saúde pública. Trazer médicos estrangeiros para trabalhar aqui é muito mais rápido do que construir hospitais ou metrô.
 
 
7. O crescimento do Brasil está, nos últimos tempos, muito abaixo do esperado. O PIB brasileiro do terceiro trimestre de 2013 caiu 0,5% em relação ao segundo. Porém, na comparação com o mesmo período de 2012, a economia brasileira aumentou 2,2%. Segundo o relatório Focus, divulgado pelo Banco Central, a previsão de crescimento do PIB brasileiro para 2014 recuou de 2,35% para 2,30%. Na sua visão, qual o motivo da redução desse crescimento?
 
Em novembro do ano passado, escrevi um artigo chamado Feliz 2014? Prevendo que a economia brasileira como um todo teria, na melhor das hipóteses, um 2014 medíocre. Na pior, estagnação. Sem uma nova crise externa, o PIB deve cresceria cerca de 2% e os juros subiriam para impedir que a inflação aumentasse, mas se uma desaceleração dos estímulos monetários nos EUA deflagrasse o estouro de bolhas de ativos pelo mundo, a recuperação da economia chinesa fosse abortada, ou novas crises financeiras pipocassem na Europa ou nos países emergentes, nosso crescimento seria próximo de nulo.
De lá para cá, as perspectivas para o crescimento brasileiro pioraram. De acordo com os dados do Banco Central, o Brasil está em recessão desde o 3º trimestre do ano passado. De 2004 a 2010, o PIB brasileiro cresceu a um ritmo de quase 5% a.a., 2,5 vezes a média dos 25 anos anteriores. Só foi possível por ajustes econômicos feitos antes, um forte crescimento na procura global por matérias primas que exportamos, e uma grande queda do custo de capital no mundo. Este modelo de desenvolvimento baseado na expansão da procura tanto externa quanto doméstica pelos nossos produtos e serviços está esgotado. Nos últimos 3 anos, voltamos à média histórica de crescimento do PIB de apenas 2% a.a.
Aliás, todo final de ano, escrevo um artigo sobre as perspectivas econômicas para o ano seguinte. Feliz 2014? Foi o 4º artigo consecutivo prevendo que o crescimento no Brasil decepcionaria. Enquanto nossa política econômica não mudar, privilegiando a produção, o crescimento não vai se acelerar de forma sustentável.
 
 
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo o Klout.com. Perfil no Twitter: @ricamconsult.
 

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