Entrevista de Ricardo Amorim sobre desafios para a economia brasileira, o setor de saúde e o modelo cooperativista

06/2014

Revista Unimed

 
Nos últimos meses, a economia brasileira vem desacelerando visivelmente, o que tem provocado um alerta geral no País e apresentado desafios para empresas, consumidores, especialistas e governo. Em entrevista à Unimed BR, o influente economista Ricardo Amorim fala sobre os possíveis caminhos para a estabilidade econômica e afirma: “o modelo cooperativista parece uma solução óbvia para expandir conquistas sociais e, ao mesmo tempo, valorizar a busca de eficácia e eficiência que, normalmente, são difíceis de atingir no setor público”.
Presidente da Ricam Consultoria Empresarial – com experiência nos mercados de Nova York, Paris e São Paulo –, Ricardo Amorim é colunista da revista IstoÉ e debatedor do programa Manhattan Connection, da GloboNews. No bate-papo, ele ainda apresentou perspectivas para a economia brasileira em 2014, abordou a importância do modelo cooperativista, opinou sobre o setor da saúde no Brasil e apontou os obstáculos a serem superados pelo País.
 
Em sua opinião, qual é o papel do cooperativismo na economia brasileira?
 
O cooperativismo tem desempenhado e continuará a exercer um papel marcante por várias razões. Para começar, o desempenho da economia brasileira tem sido marcado por diferenças enormes entre regiões e setores e o cooperativismo tem uma presença essencial exatamente nos setores e regiões que mais crescem no País. O interior cresce mais do que as capitais dos Estados há mais de 10 anos e, no ano passado, foi responsável pela maioria dos novos empregos gerados no Brasil. O interior deve continuar a desenvolver-se mais em função do crescimento mais acelerado do agronegócio – que respondeu por mais da metade do crescimento do País em 2013 – e da mineração. O cooperativismo não apenas tem uma concentração no setor agrícola, mas as cooperativas em geral, e particularmente as cooperativas de crédito, têm uma presença desproporcionalmente grande em cidades menores que, impulsionadas pelo impacto da renda do agronegócio, têm crescido em ritmo bastante superior ao das capitais dos Estados. Além disso, a grande surpresa de 2013 foram as manifestações nas ruas. Com a mudança do perfil socioeconômico brasileiro nos últimos anos, as aspirações e desejos dos eleitores também mudaram. Nossa classe política ainda não havia respondido a essas mudanças. No Brasil do início do milênio, quando a maioria da população e dos eleitores estava nas classes D e E, os programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida respondiam bem às duas maiores ambições da população em geral: mais e melhor comida na mesa e melhores moradias. Hoje, mais de 100 milhões de brasileiros estão na classe C e pouco mais de 40 milhões nas classes D e E. Com a ascensão social, as expectativas se expandiram e hoje incluem saúde, educação e transporte público de qualidade. Com as manifestações chamando a atenção para isso, é provável que estes setores recebam nos próximos anos mais atenção do setor público. E todos eles são setores nos quais cooperativas têm presença marcante, potencialmente gerando oportunidades de negócios para o cooperativismo.
 
O modelo cooperativista deveria ser mais bem explorado? De que forma?
 
O grande diferencial do modelo cooperativista é sua característica inclusiva e distributiva. Em um país onde a distribuição de renda, apesar de ter melhorado muito nas duas últimas décadas, ainda é uma das mais concentradas no planeta e a situação fiscal do governo é frágil, limitando sua capacidade de continuar expandindo programas sociais, o modelo cooperativista parece uma solução óbvia para expandir conquistas sociais e, ao mesmo tempo, valorizar a busca de eficácia e eficiência que, normalmente são difíceis de atingir no setor público. Em resumo, o ponto forte do cooperativismo é unir busca por resultados com um modelo que, por definição, tem impactos sociais muito favoráveis.
 
A maioria das previsões para a economia brasileira em 2014 é pessimista. Por que está havendo esse pensamento negativo comum?
 
Nos últimos anos, o desenvolvimento brasileiro baseou-se no crescimento da classe média e seu potencial de consumo. A expansão do consumo de massas em si é muito benéfica em termos econômicos e sociais. O problema é que ela não pode ser a única base de crescimento do Brasil e tem sido. Se um país só estimula o consumo e não estimula a produção, acaba acontecendo um desequilíbrio entre forte crescimento da procura por produtos e serviços e crescimento menor da oferta destes produtos e serviços. O resultado é menor crescimento econômico, pressão inflacionária e piora da  balança comercial devido ao forte aumento das importações. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil. De 2004 a 2010, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu a um ritmo de quase 5% ao ano, 2,5 vezes a média dos 25 anos anteriores. Isso só foi possível por ajustes econômicos feitos antes, um forte crescimento na procura global por matérias-primas que exportamos, e uma grande queda do custo de capital no mundo. Este modelo de desenvolvimento baseado na expansão da procura tanto externa quanto doméstica pelos nossos produtos e serviços está esgotado. Nos últimos três anos, voltamos à média histórica de crescimento do PIB de apenas 2% ao ano. Em novembro do ano passado, escrevi um artigo chamado “Feliz 2014?”, prevendo que a economia brasileira como um todo teria, na melhor das hipóteses, um ano medíocre. Na pior, estagnação. Sem uma nova crise externa, o PIB cresceria cerca de 2% e os juros subiriam para impedir que a inflação aumentasse, mas se uma desaceleração dos estímulos monetários nos Estados Unidos deflagrasse o estouro de bolhas de ativos pelo mundo, a recuperação da economia chinesa fosse abortada ou novas crises financeiras “pipocassem” na Europa ou nos países emergentes, nosso crescimento seria próximo de nulo. De lá para cá, as perspectivas para o crescimento brasileiro pioraram. Aliás, todo final de ano, escrevo um artigo sobre as perspectivas econômicas para o ano seguinte. “Feliz 2014” foi o quarto artigo consecutivo prevendo que o crescimento no Brasil decepcionaria. Enquanto nossa política econômica não mudar, privilegiando a produção, o crescimento não vai se acelerar de forma sustentável.
 
Você acha que o cooperativismo poderia ajudar de alguma forma na melhora dessas previsões? De que maneira?
 
Nem o cooperativismo nem nenhum outro setor da economia brasileira sozinhos serão capazes de impedir que o crescimento da economia brasileira volte a decepcionar neste ano, mas isto não quer dizer que o desempenho do cooperativismo e de outros setores da economia brasileira não possam ser muito melhores do que o da economia brasileira como um todo. Aliás, o agronegócio e os setores imobiliário, de comércio, serviços em geral e mais especificamente saúde e educação e o próprio cooperativismo, entre outros, têm crescido mais do que a média da economia brasileira há cerca de 10 anos e devem crescer mais do que o PIB também, em 2014.
 
Você afirmou que houve um “esgotamento do modelo de crescimento brasileiro”. Como isso se deu? Quais as possíveis alternativas para solucionar essa questão?
 
Dois fatores que ajudaram o crescimento acelerado de 2004 a 2010 estão em declínio: incorporação de mão de obra ao mercado de trabalho e maior utilização da infraestrutura existente. O desemprego já é o mais baixo da história e o gargalo da infraestrutura é visível. Para sustentarmos um crescimento mais rápido, só investindo muito em qualificação de mão de obra, máquinas, equipamentos e infraestrutura. A China, que cresce entre três e quatro vezes mais rápido que o Brasil, investe em sua infraestrutura, a cada ano, o equivalente a todo o estoque de infraestrutura existente no Brasil. A única forma de voltarmos a crescer mais é aumentando muito os investimentos produtivos no País, começando pelos investimentos em infraestrutura, aumentando a produtividade dos trabalhadores brasileiros e investindo em educação, treinamento e inovação.
 
Vemos que há falta de mão de obra especializada no Brasil, em diversos setores. Qual seria a melhor alternativa para suprir essa necessidade?
 
O apagão de mão obra não é novidade. À medida que o desemprego no Brasil começou a cair desde meados de 2004, a dificuldade das empresas em contratar bons profissionais tem aumentado e os salários e benefícios dos funcionários subido. No mercado de trabalho, assim como em infraestrutura e câmbio, o Brasil viu-se orçado
a lidar com as dores do crescimento. Nas décadas de 80, 90 e início do milênio, quando o Brasil sustentou uma taxa média de crescimento do PIB de apenas 2% ao ano, faltavam empregos. Desde 2004, a taxa média mais do que dobrou e hoje faltam profissionais qualificados para as vagas existentes. O aumento da remuneração dos trabalhadores consolidou e fortaleceu o mercado consumidor. Só que a elevação de salários e benefícios não veio acompanhada por igual aumento da produtividade dos trabalhadores, encarecendo produtos e serviços no País. Para piorar, o Real teve uma apreciação (aumento de valor que afeta ativo econômico ou financeiro) significativa, colaborando para tornar nossos produtos e serviços ainda menos competitivos em relação aos estrangeiros. Esta nova realidade tem trazido desafios às empresas e tornou uma eficaz gestão de recursos humanos mais estratégica do que nunca. Atrair e reter talentos nunca foi tão importante, dando início a uma revolução silenciosa, com implicações positivas substanciais sobre a estrutura da nossa economia. Por terem sido praticamente ignoradas até aqui pela maioria das empresas, algumas transformações merecem destaque. Enquanto oportunidades profissionais brotam no País nos últimos anos, elas mínguam nos países desenvolvidos. Isto provocou uma reversão histórica
de talentos com a qual o País se acostumara. Atraídos por melhores oportunidades e remuneração, centenas de milhares de brasileiros que trabalhavam nos Estados Unidos, Europa e Japão retornaram ao País, eu entre eles. Além disso, o número de autorizações de trabalho para estrangeiros triplicou nos últimos cinco anos. Já há mais de 1,5 milhão de trabalhadores estrangeiros legais iluminando nosso apagão de mão de obra e hoje, quem diria, atraímos até imigrantes ilegais. Em paralelo, ocorre um aumento da expectativa e qualidade de vida, somado a uma futura incapacidade do sistema público de previdência de honrar suas promessas, mais uma sustentada queda da taxa de juros no Brasil, reduzindo a rentabilidade de aplicações financeiras, forçam cada vez mais aposentados a complementarem suas rendas, voltando a trabalhar. Será que as empresas estão prontas para eles? Por fim, no Brasil, a mão de obra era barata e a tecnologia cara. Não mais. Enquanto os salários vêm subindo, o custo de máquinas e equipamentos vem caindo devido à produção chinesa e à apreciação do Real. Um forte processo de mecanização e informatização vem aí, com impactos muito positivos sobre a produtividade, mas exigindo trabalhadores ainda mais qualificados. Por trás da escuridão do apagão de mão de obra, há uma revolução silenciosa que só começou.
 
O que o Brasil deve fazer para melhorar a questão da saúde, tanto no setor público quanto no privado?
 
Investir, priorizar e inovar. Setor nenhum consegue se desenvolver sem investimento e  o setor de saúde brasileiro, infelizmente, não foi encarado como prioridade pela  maioria dos últimos governos que tivemos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, a Noruega, por exemplo, investe quase 15 mil reais per capita anuais no setor de saúde. O Brasil, menos de mil reais por cidadão. Assim, não dá para se surpreender que a expectativa de vida lá seja de 81 anos e aqui de 72 anos. Portanto, investir mais é a primeira parte da solução. Por outro lado, temos de reconhecer que não temos a mesma riqueza da Noruega e, portanto não conseguiremos investir tanto quanto eles, o que nos força a fazer escolhas e priorizar. Por exemplo: não faz sentido nosso sistema público de saúde pagar tratamentos ainda experimentais não disponíveis no País a alguns poucos que podem pagar bons advogados para terem acesso a eles enquanto 43% dos lares brasileiros sequer têm coleta de esgoto. É triste, mas se temos de escolher entre salvar uma vida ou mil vidas ao mesmo custo, temos de optar por salvar mil vidas. Por fim, já que não há dinheiro para tudo, temos de investir melhor e aí que entra inovação na forma de encarar saúde e de tratá-la. Precisamos buscar novas soluções e copiar modelos de sucesso no exterior. Dois exemplos: o primeiro vem de Cuba, um País paupérrimo que, com pouquíssimos recursos e foco na prevenção, conseguiu atingir a maior expectativa de vida das Américas. Além do desenvolvimento de vacinas, parece- me que uma peça-chave no sucesso deste modelo foi o papel dos médicos de bairro, que conhecem profundamente os pacientes e cuidam da maioria dos tratamentos mais simples. Outro modelo que gosto muito é o colombiano, no qual, em muitos casos, os pacientes podem escolher serem tratados no sistema público de saúde ou pelos planos privados de saúde, com pagamento dos serviços por meio de recursos públicos. Em outras palavras, se o sistema público de saúde não oferece um bom serviço, as pessoas podem optar por usar o dinheiro dos impostos que pagam para ser tratadas no sistema privado, forçando o sistema público a oferecer um serviço de qualidade ou desaparecer. No Brasil, todos nós pagamos impostos que custeiam nosso sistema de saúde pública e a preferência pelo sistema de saúde privada é clara, como demonstra o crescimento do setor nos últimos anos. Parte dos recursos que acabam sendo mal utilizados no sistema público de saúde poderia ser alocada para que os pacientes recebessem um tratamento melhor por meio do sistema privado.

 
Veja a entrevista clicando aqui
 

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