Entrevista para a ABRAS: boas perspectivas para o varejo brasileiro.

Portal ABRAS
07/2012
Por Natalia Lima

 
Em entrevista exclusiva ao Portal Abras, Ricardo Amorim, economista, presidente da Ricam Consultoria e integrante do programa Manhattan Connection da Globo News, fala das perspectivas econômicas para o varejo e faz uma análise da economia global atual e para os próximos anos.
 
1. O mundo está passando por transformações políticas e econômicas como a crise na Europa e nos Estados Unidos. Como você analisa esta situação?
Ricardo Amorim: Há dois anos escrevi um artigo intitulado “A Cigarra e a Formiga Trocam de Papéis”, onde alertava que, na ciranda econômica global, China e Estados Unidos inverterão seus papéis e quem sairá ganhando com isso é o Brasil.
Imagine um mundo onde os produtos são feitos nos Estados Unidos e consumidos na China…Parece impossível, mas é neste mundo que viveremos daqui a alguns anos.
A China tornou-se o grande centro de produção global ao longo dos últimos 30 anos. Neste período, as exportações chinesas passaram de meros 5% a 37% do seu PIB. Ao comprar um brinquedo, roupa, telefone ou qualquer outro bem de consumo, todos nos acostumamos com a etiqueta Made in China.
 
Boa parte dos produtos chineses terminava nos Estados Unidos, onde o consumismo, movido a crédito farto, parecia não ter fim. Aliás, não tinha mesmo. Na terra do “Tio Sam”, quando o limite do cartão de crédito acabava, era só pedir um cartão novo e rolar a dívida do primeiro. Quando a carteira já não cabia mais no bolso de tantos cartões, havia sempre a alternativa de refinanciar a hipoteca da casa e liberar mais dinheiro para financiar os gastos. Com isso, o hábito de poupar foi abolido no país. A família americana média gastava mais do que ganhava, todo santo mês.
 
Enquanto as cigarras americanas gastavam, as formigas chinesas poupavam. Desde 1962, o consumo em proporção ao PIB despencou na China, passando de 72% para 36%.
O inverno chegou. É hora de as cigarras trabalharem e as formigas cantarem. A crise financeira minou a capacidade de consumo de americanos, europeus e japoneses. Os consumidores americanos viram mais de US$ 1 trilhão em crédito sumir. Junto com o crédito, foram-se os empregos. Sem crédito nem emprego, e endividados até o pescoço, os americanos foram forçados a apertar os cintos e voltar a poupar. Após a crise, a poupança das famílias americanas tem oscilado entre 4% e 6% da renda. Este nível é apenas metade da média registrada no pós-guerra, sugerindo que os americanos terão de se tornar ainda mais fugais, obrigando os chineses a redirecionar suas vendas a outros mercados. Só há duas opções: mercados emergentes – preparem-se para uma invasão de produtos chineses por aqui – e os próprios consumidores chineses.
 
2. E quais serão os reflexos disso para o Brasil (médio prazo)?
Ricardo: Por outro lado, sem a gastança dos americanos, as empresas sediadas nos Estados Unidos terão de vender seus produtos em outras bandas. A opção natural será por mercados emergentes, onde o crédito, a renda e a demanda estão em franca expansão. Para que os Made in USA se tornem mais competitivos, o dólar terá de cair nos próximos anos, provavelmente muito. As oportunidades e riscos que esta gradual inversão de papéis entre Estados Unidos e China trará para a economia brasileira são enormes.
 
Devido às gigantescas diferenças de nível de renda, chineses e americanos consomem produtos diferentes. Com o crescimento do consumo chinês, o agronegócio brasileiro – cujo superávit comercial passou de US$ 10 bilhões para US$ 77 bilhões desde 2000 – será ainda mais importante. A China já é o maior consumidor mundial de metais e minérios e energia.
 
Enquanto isso, a concorrência para as empresas brasileiras em produtos e serviços sofisticados – nos quais os americanos são competitivos – ficará ainda mais acirrada.
Em meio a estas transformações, crises, como a europeia, eclodirão nas economias desenvolvidas, causando oscilações também muito significativas nos países emergentes, incluindo o Brasil.
 

3. As mudanças na economia mundial são motivos de preocupação para o empresário varejista brasileiro?

Ricardo: Pelo contrário, as mudanças na economia mundial, tirando momento de crises globais agudas, como o atual, tem impulsionado e continuarão a impulsionar o varejo brasileiro a ter, talvez, o melhor desempenho de toda a história do setor ao longo desta década.
Em particular, estas transformações criaram as condições para que as duas principais forças que impulsionam o varejo entrassem em uma rota de expansão sustentada no País: crédito e renda.
 
Internacionalmente, o Brasil era conhecido como um país tropical conhecido pelo samba, futebol e uma das piores distribuições de renda do mundo. De repente, as coisas começaram a mudar. Pode ficar tranquilo, o futebol e o samba continuam coisa nossa. Onde parece que vamos perder o titulo é no último atributo.
Ainda que talvez seja difícil percebermos a olhos nus, a distribuição de renda brasileira vem melhorando estupidamente de 1994 para cá. O problema é que ela era tão ruim que, com tudo que melhorou, ainda está longe de ser a oitava maravilha do mundo.
 
4.Onde os varejistas precisam dedicar maior atenção?
Ricardo: Há três temas que requerem bastante atenção. O primeiro é o inevitável aumento de competição no setor. Grandes varejistas estrangeiros, que estão vendo seus mercados estagnarem, estão cada vez mais ávidos a terem uma maior presença no Brasil. As vendas no varejo em maio deste ano nos EUA, por exemplo, foram menores do que em janeiro de 2000. Com uma presença crescente desses grandes varejistas mundiais nos grandes centros urbanos brasileiros, a concorrência aumenta por lá, levando grandes e médios varejistas brasileiros a aumentarem sua presença no interior do País, aumentando a competição com pequenos varejistas nessas praças.
 
O segundo tema que requer uma mudança de mentalidade e muito planejamento é que os volumes no mercado brasileiro têm aumentado e continuarão a aumentar de forma significativa, mas as margens têm diminuído e continuarão a diminuir pelo crescimento de competição. Com margens mais baixas, a importância da eficiência aumenta, pois os menos competitivos e com os custos mais elevados enfrentarão grandes dificuldades.
 
Por fim, as mudanças da economia mundial têm levado e continuarão a levar as moedas dos países emergentes a se fortalecerem, salvo momentos de crises agudas como agora. O desafio é que, se por um lado, produtos importados têm ficado cada vez mais baratos ao longo do tempo desde o final de 2002 à medida que a taxa de câmbio brasileira fica mais fortalecida, este processo é temporariamente revertido, mas de forma muito significativa em momentos de crise quando o real se enfraquece bastante. Estas oscilações criam desafios que continuarão da mesma forma que a tendência de longo prazo de queda do dólar será retomada assim que o auge da crise europeia ficar para trás, o que provavelmente deve acontecer até o final deste ano.
 
5.Na abertura da Conferência Internacional da GS1 (Associação Brasileira de Automação), realizada no dia 14 de junho, você citou que se a economia do Brasil continuar no mesmo ritmo dos últimos 10 anos, o País chegará em 2022 como a 3ª economia mundial. Essas perspectivas se mantêm mesmo considerando os reflexos das crises econômicas?

Ricardo: Na década passada, medindo-se o crescimento de todas as economias mundiais em dólares, o Brasil já foi a 3ª economia que mais cresceu no planeta, atrás apenas, respectivamente, da China e dos EUA. Como os reflexos negativos mais significativos da crise serão sobre os países desenvolvidos, as crises apenas reforçam este cenário de ganho de importância relativa da economia brasileira.
 
No entanto, se continuar a melhorar no mesmo ritmo dos últimos 18 anos, em 2014 ou 2015 veremos algo inimaginável. A distribuição de renda no Brasil será melhor que nos Estados Unidos. Não, você não leu nada errado, nem eu estou ficando louco! Ok, talvez eu até esteja ficando louco, mas não pelo que acabei de afirmar.
Desde a virada do milênio, o número de empregos nos EUA caiu, enquanto a população aumentou em 30 milhões de pessoas e a distribuição de renda piorou bastante.
Enquanto isso, na terra da caipirinha, onde mais de 17 milhões de novos empregos foram gerados no mesmo período, os mais pobres foram os que mais ganharam e, muitas vezes, tiveram a chance de emergir da pobreza para a classe média, expandindo o mercado consumidor no País e melhorando sua distribuição de renda.
 
6.Países emergentes como os que compõem o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) poderão definir um novo padrão de economia mundial, ou seja, ditar as regras para o restante do mundo?
Ricardo: Não acredito que os países do BRICS ditarão as regras para o resto do mundo, mas acredito que eles ganharão, gradualmente, maior participação na definição destas regras. É importante não perder de vista que, se por um lado estas economias já são ou irão se tornar maiores do que a maioria das economias desenvolvidas ao longo desta década, por outro, o nível de renda per capita, de qualidade de vida e de desenvolvimento destes países continuará inferior ao dos países ricos. As diferenças diminuirão substancialmente, mas, pelo menos em termos de renda per capita, a liderança dos atuais países ricos não está ameaçada, pelo menos não nesta década.
 

7.A evolução do poder aquisitivo do consumidor brasileiro (como o aumento do salário mínimo, queda dos juros) deverá se manter? E no caso das classes, como ficará a questão da ascensão de classes? (D e E)

Ricardo: Apenas nos últimos seis anos, 47 milhões de pessoas deixaram as classes D e E, e 57 milhões entraram nas classes A, B e C. O Brasil ganhou o equivalente a uma Itália de novos consumidores.
Isto foi possível porque os mais pobres foram os maiores ganhadores da emergência brasileira dos últimos anos. A renda de toda a população brasileira cresceu, e não foi pouco, à medida que o País se beneficiou da fome chinesa pelas nossas matérias-primas e de baixas taxas de juros globais.
 
Por que essa revolução está acontecendo? Ela começou com a vitória contra a inflação na segunda metade dos anos 90. Como mais da metade da população não tinha conta bancária, não tinha também como se proteger da inflação que corroía ferozmente seus já baixos salários. Com a queda da inflação, isso deixou de acontecer e a renda dos mais pobres começou a crescer.
 
Dois outros fatores também tiveram papel destacado. Todo santo ano, há 15 anos, o salário mínimo passa por reajustes superiores à inflação, mais uma vez favorecendo os mais pobres. O segundo fator foram os programas de redistribuição direta de renda, como Bolsa-Escola e Bolsa-Família e programas de governo focados nos mais pobres, como o Minha Casa, Minha Vida, que complementaram o quadro.
 
A inflação deve continuar sob controle, o salário mínimo continuará crescendo acima dela, e os programas sociais provavelmente serão expandidos. Em resumo, é bastante provável que a melhora de distribuição de renda continue ao longo da próxima década. Bom demais para ser verdade? Pois acredite, ninguém segura a classe média brasileira ao longo desta década!
 
8.Concorda com as medidas adotadas pelo governo para proteger a indústria nacional?
Ricardo: Há três meses, escrevi o Manifesto por um Brasil mais rico, não um Brasil mais caro, enfatizando este ponto.
Na história brasileira, há mais casos de tratamentos de sintomas de problemas econômicos do que episódios onde as verdadeiras razões dos desarranjos foram confrontadas.
 
Para lidar com dificuldades da nossa indústria, o governo e o Banco Central vêm adotando uma série de medidas, incluindo redução temporária de impostos para alguns subsetores, aceleração da queda da taxa de juros, adoção de restrições à entrada de capitais estrangeiros para enfraquecer nossa moeda e elevação de impostos sobre produtos importados.
 
Além de sujeitarem o País a eventuais retaliações comerciais, estas medidas criam um Brasil mais caro, não mais rico. Quem pagará a conta do encarecimento dos produtos importados e da redução da competição com os nacionais é o consumidor. Aliás, já paga. No ano passado, impostos sobre importação arrecadaram mais que o Imposto de Renda Pessoa Física [IRPF]. Você pagou ambos. Os primeiros, nos preços elevadíssimos praticados no Brasil e o IRPF, na fonte.
A própria indústria, beneficiária no curto prazo, acaba perdendo no longo prazo, à medida que a elevação de preços reduz o número de consumidores que podem arcar com preços mais elevados.
 
9.E o que o governo deveria fazer para impulsionar o processo de industrialização brasileira?
Ricardo: Uma desoneração permanente da indústria e demais setores da economia brasileira – uma das que mais pagam impostos no mundo – seria muito bem-vinda…Mas aumento de impostos sobre produtos importados, não. Isto apenas torna o Brasil mais caro, não mais rico.
 
O governo deve, sim, adotar medidas enérgicas para elevar a competitividade do País. Para isso, precisa cortar gastos públicos excessivos e de péssima qualidade. Somos pouco competitivos e nossos preços são elevados porque, no Brasil, compramos o produto ou o serviço e pagamos junto nosso governo gastão. Não raro, pagamos duas vezes pelo mesmo serviço.
 
Com menos gastos públicos, os impostos também cairiam e, com eles, os preços. Com preços menores, o consumo aumentaria e a geração de empregos também. Sobrariam mais recursos para investimentos em infraestrutura, reduzindo custos de transporte, energia, comunicação, etc. O governo necessitaria de menos dinheiro emprestado, permitindo que a taxa de juros caísse, sem gerar desequilíbrios. Juros menores atrairiam menos capital estrangeiro, levando a uma taxa de câmbio menos apreciada.
 
Menos gastança governamental e impostos são a receita para um país mais rico. Mais impostos sobre produtos importados constroem apenas um país mais caro. Nossa presidente tem reclamado do tsunami financeiro dos países ricos – que ela não controla – mas não tem atacado sistematicamente o tsunami de gastos públicos, sob seu controle.
 
10. E como você vê o varejo nesse processo (industrialização ou desindustrialização)?
Ricardo: Em primeiro lugar é necessário acabar com o mito de desindustrialização no Brasil. Hoje, há um diagnóstico quase unânime de que o Brasil está passando por um processo de desindustrialização grave, causado pela valorização do real e seus efeitos nocivos sobre a competitividade nacional.
 
Tanto o diagnóstico quanto a sua suposta causa cambial estão equivocados. Nossa indústria vem batendo recordes. Em 2000, o crescimento da produção industrial, superior a 10%, foi o maior em 25 anos. O número de empregos criados no setor nos últimos três anos foi o mais elevado da história. Bateu recordes também o volume de investimentos. Nosso setor manufatureiro passou do décimo do mundo em 2000 para o 5º no ano passado, ultrapassando no período países, como Itália, Coreia, França e Reino Unido. No mesmo período, a participação da indústria no PIB brasileiro cresceu, segundo os dados do IBGE, ao contrário do que acha a maioria.
 
Ficaram todos loucos, então? De jeito nenhum. Efetivamente, a participação dos produtos industrializados importados no mercado brasileiro está aumentando e nosso volume de exportações, caindo. Além disso, desde 2004, o varejo cresceu mais do que a indústria em todos os anos. Entretanto, as razões dessa disparidade de desempenho são muito mais complexas e profundas do que a simples queda do dólar antes da alta dos últimos meses.
 
O volume de exportações brasileiras para os EUA, nosso principal destino externo para manufaturados, é hoje muito inferior ao período anterior à crise de 2008. Nossas exportações para Japão e Europa também ainda não retornaram aos patamares pré-crise. Enquanto isso, nossas exportações para a China – o país que mais cresce no mundo e principal importador de nossas matérias-primas – dobraram em quantidade desde a crise, sem falar em um grande ganho de preço. Em resumo, menores exportações de industrializados para países ricos e maiores importações de lá não refletem nossa fragilidade, mas a deles.
 
11.Sobre a questão da sustentabilidade, como os empresários/varejistas estão lidando com esta questão? Falta informação para impulsionar a sustentabilidade nas empresas/indústrias ou interesse?
Ricardo: De fato, não há sustentabilidade sem conhecimento e conscientização. Escolhas mais conscientes exigem que conheçamos os desafios ambientais e os impactos de nossas ações sobre o meio ambiente e a sociedade.
Quem tem de forçar empresas e o governo a mudarem suas atitudes quanto à sustentabilidade é o consumidor/eleitor. Só ele tem poder de exigir mudanças, mas, para isso, tem de conhecer os problemas.
 
Recentemente, participei da Rio+20 [Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável] e, para me preparar, reli uma monografia que escrevi e ganhou um concurso de monografias com o tema A Tecnologia e o Meio Ambiente em 1993, um ano após a Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Ao reler meu texto “Desenvolver é Preciso, Destruir Não é Preciso” fiquei chocado. Quase não avançamos nestes vinte anos.
 
À época, minha principal conclusão foi que os maiores desafios para o desenvolvimento sustentável não eram tecnológicos, mas políticos e econômicos. De lá para cá, o Protocolo de Kyoto, a única iniciativa concreta adotada, ruiu, pois a maior economia do planeta, os EUA, não aderiu a ele.
A questão ecológica não pode ser ignorada, mas tampouco pode impedir investimentos fundamentais para o desenvolvimento, como tem acontecido no Brasil. A infraestrutura do País sofre com a lentidão na análise de projetos e na liberação de licenças ambientais. Impactos devem ser devidamente considerados e corrigidos, mas é preciso rapidez e objetividade, sem vieses dogmáticos.
 
Tomo emprestadas as palavras que usei há vinte anos e que espero não voltar a usar na Rio+40: “Técnicos e cientistas têm demonstrado competência para desempenhar o seu papel. É preciso cobrar dos políticos a mesma competência.”
 
12.Você tem uma ideia sobre os impactos da sustentabilidade na economia brasileira para os próximos anos?
Ricardo: Será muito mais gente consumindo no planeta, é claro que sustentabilidade, em particular a questão de meio ambiente, ganhará mais importância ao longo desta e das próximas décadas. As empresas que se posicionarem levando isso em consideração antes e de forma mais efetiva acabarão tendo uma vantagem competitiva importante no futuro.
O mesmo vale para países. Nesse sentido, por razões ligadas à sua herança natural, o Brasil tem uma potencialidade fantástica nesta área. Cabe a nós transformar esta potencialidade em realidade.
 

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