Por Redação
O economista Ricardo Amorim, que dirige a Ricam Consultoria, tem mais de 20 anos de experiência em estratégia de investimentos em finanças. Passou oito anos em Nova York, como diretor executivo para mercados emergentes do banco alemão WestLB. Foi, também, diretor de estratégia de investimentos para a América Latina da IDEAglobal e estrategista sênior para mercados emergentes do banco francês BNP Paribas. Em São Paulo, atuou no BankBoston, Itaú Bankers Trust Asset Management, Banco Fenícia e consultoria econômica MCM. Em Paris, trabalhou na divisão de mercados emergentes do Banco Société Générale. Amorim, que participa do programa Manhattan Connection, da Globo News, acredita que os emergentes terão grandes oportunidades. Para ele, “a América agora é aqui”.
O Brasil vive mesmo bom momento? Essa realidade vai perdurar?
Ricardo Amorim – A conjuntura brasileira de hoje é muito favorável em função de mudanças externas que praticamente “condenaram” o país a crescer. Três pontos ajudaram. O primeiro foi a explosão na demanda por matérias-primas à medida que a China e a Índia passaram a ser os motores da economia mundial. São países populosos e precisam de alimentos, metais, minerais e outras fontes de energia, principalmente petróleo. O Brasil saiu ganhando por ser grande produtor e exportador. O segundo foi a redução do custo relativo de produção de industrializados, porque uma parte maior da produção global migrou para lugares com ampla oferta de mão de obra, reduzindo seu custo e preço de venda. O Brasil é um deles. E o terceiro ponto é que a redução do custo de produção derrubou a inflação mundial e a taxa de juros globais. O Brasil passou a importar capital barato para financiar seu consumo e investimento.
Qual a consequência disso tudo?
RA – Há inversão da ordem econômica mundial. Nos últimos dez anos, os países emergentes cresceram mais do que os ricos, que passaram a exportar seu capital a taxas mais baixas. A crise da economia dos países ditos desenvolvidos não nos causa mais estragos tão significativos.. Em outra época, os emergentes perdiam boa parte do pessoal mais bem preparado para países que ofereciam melhores oportunidades de negócios. Agora, o jogo virou. Com melhores oportunidades, os estrangeiros querem vir para cá. Nos últimos anos, 400 mil brasileiros que estavam nos Estados Unidos, na Europa e no Japão retornaram ao país. O número de vistos de entrada de executivos estrangeiros triplicou nos últimos três anos. Isso quer dizer que a “América, a terra das oportunidades” hoje é aqui.
Qual a influência desse quadro para o segmento de eletros?
RA – O que favorece muito a indústria e o varejo do segmento, este com desempenho melhor, é a expansão de renda e o crédito, que resultam em mais consumo. Há, também, duas coisas que beneficiam exclusivamente o varejo e causam impacto negativo na indústria brasileira de eletroeletrônicos: o aumento de produção de eletroeletrônicos nos emergentes e a queda da moeda dos países ricos em função do exposto acima. A consequência é o produto eletroeletrônico mais barato no Brasil. O varejo vende mais, mas a indústria tem mais competição.
Isso ocorre há muito tempo?
RA – Nos últimos oito anos, o varejo cresceu mais do que a indústria. O PIB brasileiro cresceu em média 5% nesse período e o varejo, 7%. Acredito que continuará assim. Pelas minhas contas, nos próximos cinco anos, serão mais 40 milhões de consumidores entrando nas classes média e alta.
O que a indústria e o varejo devem fazer para se tornarem sustentáveis?
RA – Nossa indústria já passa pelo processo de readaptação e inovação para acompanhar o cenário mundial. A automação passou a ser importante para tornar a indústria mais competitiva, porque reduz o custo de produção e incrementa o processo de inovação. Além disso, boa parte das máquinas é importada e ficou mais barata.
E a qualificação de mão de obra para a automação e os níveis de emprego?
RA – O nível de emprego hoje é o mais alto da história brasileira. Foram criados 17 milhões de empregos nos últimos dez anos, então acho que emprego não será problema. As empresas terão de investir mais para preparar pessoas e também trarão gente de fora que já está capacitada. E isso não será difícil, porque os salários no Brasil estão altos.
A crise europeia pode afetar o desempenho da economia brasileira?
RA – A previsão para este e o próximo ano é de piora da crise europeia, o que deverá ter impactos no Brasil, como ocorreu em 2008, e com mais peso para a indústria. A exportação diminuirá e haverá redução do crédito pelos bancos europeus. Vários países precisarão de financiamento e pacotes econômicos para tentar estabilizar-se. Grécia, Portugal e Irlanda serão os primeiros, seguidos por Espanha, Bélgica e Itália. A Espanha precisará cerca de 450 bilhões de euros e a Itália, 850 bilhões de euros. Entre este ano e o próximo, é inevitável uma crise mais séria na Europa, incluindo, provavelmente, o calote da dívida pública em vários países. Quando isso ocorrer, os bancos europeus perderão uma quantidade absurda de dinheiro, que desencadeará o mesmo processo da crise imobiliária dos Estados Unidos. Imediatamente, o crédito será cortado.
O Plano Brasil Maior, anunciado pelo governo federal, trará bons resultados para o segmento de eletros?
RA – A necessidade de desoneração de todos os setores de atividade no Brasil é óbvia. A carga tributária excessiva penaliza os negócios e limita o crescimento do país. Nesse sentido, toda iniciativa de desoneração é bem-vinda, mas as medidas adotadas são tímidas demais, pois a redução da carga trabalhista é parcialmente anulada pela elevação dos impostos sobre o faturamento. A desoneração mais significativa só seria possível com a redução equivalente dos gastos públicos. Como não há nenhum projeto de redução do tamanho da máquina estatal, as possibilidades de desoneração são limitadas. Não vemos nenhum movimento para o corte de gastos. Esse é o grande problema.
O rebaixamento do índice de confiança dos Estados Unidos e a queda do Ibovespa não alteram o quadro otimista do Brasil?
RA – Esses fatores colaboram para amplificar os efeitos negativos da crise europeia por aqui. O Brasil tem sustentado crescimento médio do PIB próximo a 5% nos últimos oito anos. Neste ano, deve crescer menos de 4% e, no ano que vem, menos ainda, exatamente por essas dificuldades. Dependendo da gravidade da crise européia, é até possível que o PIB brasileiro não cresça nada em 2012, como ocorreu em 2009. Por outro lado, da mesma forma que a recuperação no segundo semestre daquele ano foi muito forte – resultou no crescimento de 2010, o maior em 25 anos –, é provável que o de 2013 seja tão elevado quanto ou, talvez, até maior.