Entrevista do economista Ricardo Amorim para revista portuguesa Conexão sobre oportunidades no Brasil.

Revista Conexão
01/2012

 
 
Chegou a hora do Brasil aproveitar as oportunidades.
 
Em entrevista exclusiva, o economista Ricardo Amorim explica por que o país não deixará de crescer com a crise financeira mundial e afirma que os próximos anos serão os melhores da nossa história.
 
Nos últimos meses de 2011, as notícias que chegaram da Europa não foram nada animadoras. Não podemos nos iludir. É fato que, em 2012, a economia mundial sentirá os efeitos da crise. Mas não é menos verdade que, no Brasil, estamos vivendo um outro momento, de intenso e vigoroso crescimento. Nossas finanças estão equilibradas, nosso mercado interno é cada vez mais forte, e novas oportunidades surgem com velocidade inédita, nos quatro cantos do nosso imenso território.
 
Foi justamente para falar sobre crise mundial e oportunidades no Brasil que entrevistamos o economista Ricardo Amorim. Consultor financeiro e de investimentos, desde 2003 ele é um dos debatedores do programa Manhattan Connection, da Globo News. Bem informado e com ampla capacidade analítica, Ricardo antecipou a atual crise europeia e suas consequências. Após viver muitos anos no exterior como executivo do mercado financeiro, o economista voltou ao Brasil no fim de 2008, prevendo que a recessão nos países ricos seria longa e as oportunidades de negócios no Brasil nesta década seriam as melhores da nossa história. É sobre tudo isso e muito mais que ele fala na entrevista a seguir.
 
Em que medida a crise mundial afetará a economia brasileira em 2012?
Infelizmente, o mais provável é que, assim como a maior parte da economia mundial, o Brasil cresça muito pouco nos próximos trimestres em função dos problemas na Europa e da fragilidade da economia americana. Quando o crescimento perde força, empresas param de contratar e investir, e bancos param de emprestar, aprofundando o próprio desaquecimento.
 
É um panorama parecido com o que seguiu à crise imobiliária americana de 2008?
O cenário econômico mundial será bastante adverso no início de 2012, com crescimento baixíssimo, como em 2009. Por outro lado, a economia brasileira se recuperou no segundo semestre de 2009. E, em 2010, o Brasil teve seu maior crescimento em mais de 25 anos. É provável que a história se repita e nosso crescimento bata recorde em 2013 e mantenha-se elevado em 2014, ano de Copa do Mundo e eleições.
 
E para a Europa, há alguma esperança?
Lamento dizer que não. Devido à letargia dos líderes europeus, recessão por lá, este ano, é praticamente uma certeza.
Uma recessão branda é o cenário mais otimista. A situação é tão séria que talvez a Europa tenha uma década perdida, do ponto de vista econômico, como a América Latina nos anos 1980.
 
A crise deve chegar forte também aos Estados Unidos, mesmo em ano de eleição presidencial?
Ainda que a Europa tenha apenas uma recessão branda, é bem provável que a crise se estenda aos EUA. Paralisia política, cortes de gastos públicos e aumentos de impostos elevam ainda mais a probabilidade de recessão naquele país em 2012.
 
E a poderosa China, está imune à crise?
A economia chinesa também está mais frágil do que em 2008, quando o PIB crescia 14% ao ano; agora são “apenas” 9%. Além disso, a redução na oferta de crédito global causada por preocupações com a Europa expôs problemas nas construtoras chinesas. Um eventual estouro de bolha imobiliária na China aumentará as dificuldades da economia global.
 
Voltando ao Brasil, o que o governo pode fazer para atenuar os efeitos da crise?
Deve cortar impostos e reduzir os juros, como, aliás, já começou a fazer. Ao contrário do que ocorre na Europa, nos EUA e no Japão, em que as taxas de juros estão próximas a 0% ao ano, aqui temos bastante espaço para combater os impactos da crise com estímulos fiscais e monetários.
 
Alguma recomendação para empresas e empreendedores no novo ano?
O mais importante é evitar endividamentos. Caso precise mesmo recorrer a empréstimos, o empresário deve tentar obter prazos de pagamento superiores a um ano, pois, se tiver que refinanciar esses empréstimos no curto prazo, corre o risco de enfrentar falta de crédito no início de 2012.
 
Em agosto de 2011, o Brasil ocupava a 53ª posição do ranking de competitividade global divulgado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF). Como essa ineficiência afeta a capacidade do país de gerar riqueza?
Essa posição média do ranking de competitividade é, ao mesmo tempo, causa e consequência de o Brasil ser um país de renda média. Exatamente por sermos pouco competitivos, não nos tornamos um país rico. E, por não sermos um país rico, não conseguimos eliminar vários gargalos de crescimento que afetam nossa eficiência.
 
Você identifica alguma tendência de reversão desse quadro no futuro próximo?
A novidade é que, impulsionada por externos, a economia brasileira cresceu nos últimos oito anos a um ritmo médio duas vezes superior à média dos 25 anos anteriores, apesar da baixa competitividade.
Se isso continuar, o que deve ocorrer, é provável que muito gradualmente nossa competitividade melhore. Mas teremos que ter bastante paciência.
Até que ponto a recente entrada de milhões de brasileiros na chamada “nova classe média” muda a economia e o ambiente de negócios do país?
Completamente. De 2005 a 2010, em meros cinco anos, 45 milhões de brasileiros deixaram as classes D e E. Isso equivale a toda a população da Espanha. No mesmo período, 55 milhões de brasileiros ingressaram nas classe A, B e C. Ou seja, o Brasil ganhou toda uma Itália de novos consumidores efetivos. Além disso, a própria distribuição geográfica da renda vem melhorando.
Nas regiões Norte e Nordeste, o poder aquisitivo tem crescido mais que no resto do país. A renda de toda a população brasileira cresceu, e não foi pouco, à medida que o país se beneficiou da fome chinesa pelas nossas matérias-primas e de baixas taxas de juros globais.
 
O que explica essa verdadeira revolução?
Ela começou com a vitória contra a inflação na segunda metade dos anos 1990.Como mais da metade da população não tinha conta bancária, não podia se proteger da inflação que corroía ferozmente seus já baixos salários. Com a queda da inflação, isso deixou de acontecer e a renda dos mais pobres começou a crescer. Fora isso, todo santo ano, há 14 anos, o salário-mínimo passa por reajustes superiores à inflação, o que também favorece os mais pobres. E também há os programas de redistribuição direta de renda, como Bolsa-Escola e Bolsa-Família, além de programas de governo focados nos mais pobres, como o Minha Casa, Minha Vida.
 
E o que devemos esperar para os próximos anos?
A inflação deve continuar sob controle, o salário-mínimo continuará crescendo acima dela, e os programas sociais provavelmente serão expandidos, independentemente de quem ganhar as próximas eleições presidenciais. Afinal, todo político gosta de ser popular. Então, é bastante provável que a melhora de distribuição de renda continue ao longo desta década, favorecendo em particular os setores de saúde e educação, focos das principais ambições da nova classe média. Pelas minhas projeções, teremos cerca de 30 milhões de brasileiros ingressando nas classes A, B e C até 2015.
São muitos novos consumidores.
 
Como seguradoras e corretores podem se diferenciar da concorrência para aproveitar essas oportunidades de negócio?
Oferecendo produtos e serviços melhores do que a concorrência e/ou preços mais baixos. Não há nenhuma outra estratégia de diferenciação que eu conheça que seja eficiente no longo prazo. Apenas um terço da frota de automóveis brasileira é segurada, o que mostra o imenso potencial de crescimento do seguro no país – mas também uma baixa disseminação da cultura do seguro entre nós.
 
Como você vê o futuro do setor nos próximos anos?
Paradoxalmente, faz muito sentido que, no Brasil em que tudo dava errado – o país não crescia e a instabilidade era enorme –, os brasileiros não se preocupassem com seguros. Duas décadas de instabilidade econômica e crescimento pífio roubaram a crença de que o país adormecido tivesse qualquer futuro e também a nossa capacidade de pensar além do hoje e planejar para construir o amanhã. Sem prever, como planejar? Já que não conseguíamos vislumbrar o que viria, acostumamos a viver como se não houvesse amanhã. A preocupação era com a sobrevivência, não com crescimento ou sustentabilidade.
 
Neste contexto, não surpreende que o brasileiro não investisse em seguros, infraestrutura ou educação. E hoje, isso já é diferente?
O país mudou, mas nossa mentalidade de não nos prepararmos para o amanhã ainda não. Até o planejamento mais banal ainda é ignorado. Todo ano chove o suficiente para alagar várias cidades brasileiras.
Não é necessário ser um gênio para prever que, se nada for feito, teremos novos alagamentos. Ainda assim, ano após ano, as inundações e os desmoronamentos se repetem e a culpa, claro, é de São Pedro. Acredito que essa mentalidade vai mudar junto com o país, mas o processo será lento e gradual.
 
Após morar vários anos no exterior, você voltou recentemente ao Brasil. Na sua avaliação, o que mais mudou no país nesse período?
Só mesmo ficando muito tempo fora para conseguir notar mudanças que levam bastante tempo para acontecer e mais ainda para serem notadas. Talvez a que mais me impressionou tenha sido a incrível melhora do interior do país.
 
Trata-se da força do agronegócio?
Sem dúvida. O Brasil é o maior exportador mundial de açúcar, café, carne bovina e avícola, suco de laranja e fumo. Neste ano, pela primeira vez na história, assumimos o primeiro lugar como exportador de soja, superando os EUA. Além disso, estamos em terceiro nas exportações de milho e algodão e em quarto nas de carne suína.
Com os chineses cada vez mais ávidos por alimentos, ora importando-os diretamente do Brasil, ora colaborando para uma alta dos preços dos produtos que o Brasil exporta – mesmo comprando-os de outros países –, o superávit comercial do agronegócio brasileiro passou de pouco mais de US$ 10 bilhões em 2000 para mais de US$ 70 bilhões neste ano. Por consequência, o crescimento da riqueza no interior na última década foi muito maior que nos centros urbanos, e é provável que essa tendência não seja revertida tão cedo.
 
Nossa vocação, então, é ser o celeiro do mundo?
O Brasil é, disparado, o país com mais área potencialmente arável ainda não plantada, chegando a quase 350 milhões de hectares, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
A nossa área agricultável equivale a todo o território de 33 países europeus somados.
 
Nos últimos anos, você também acompanhou de perto uma certa mudança de status do Brasil no cenário internacional, tanto em termos concretos, de peso econômico, quanto no que diz respeito à imagem do país no exterior. Já deixamos de ser o eterno “país do futuro” ou ainda não chegamos lá?
Somos uns dos países do presente. Os estrangeiros sabem disso, nós brasileiros não. Com superávit comercial, reservas internacionais superiores a US$ 200 bilhões, um dos menores déficits fiscais do planeta e sem bolha imobiliária, excesso de consumo ou fragilidades latentes em seu setor financeiro, o Brasil tem hoje uma das economias mais sólidas do mundo.
O interessante é que poucos brasileiros conseguem acreditar nisso. Não acreditamos que um país em que ainda reinam corrupção, má educação e infraestrutura sofrível possa dar certo. Essa descrença molda a economia brasileira e o perigo é se tornar uma profecia autorrealizável.
Sorte não é destino.
 
Claro que é preciso fazermos a nossa parte. Para começar, devemos perder a vergonha do país. Qual é o seu conselho para o leitor da revista Conexão?
O mundo está passando pelas maiores transformações econômicas em mais de um século e elas praticamente condenam o Brasil a crescer nesta década, criando oportunidades imensas no país, apesar de uma série de desafios no meio do caminho, como os impactos da crise europeia em 2012. Não se assuste com a piora da economia no começo deste ano. Ela será significativa, mas passageira, como foi a crise de 2009. Passado um início difícil, é provável que o Brasil já esteja crescendo em ritmo acelerado no fim do ano, bata recorde em 2013 e ainda se expanda fortemente em 2014. Aproveite!
 
O menino franzino, os grandalhões e a madrasta
Ricardo Amorim cria uma fábula para explicar por que o brasileiro tem medo de voltar a ser o país que não dava certo.
 
“Era uma vez um menino franzino que, desde o jardim da infância, se acostumou a ser o saco de pancadas na escola. Era só o clima esquentar e os grandalhões partiam para cima dele. Assim, ele acabou se acostumando ao seu destino.
 
De repente, sem que ninguém soubesse como nem por quê, houve uma longa temporada de calmaria na escola. Nada de brigas, só festa.
Como tudo que é bom um dia termina, a calmaria passou e os ânimos começaram a ferver novamente.
O menino já foi se encolhendo, pronto para a tradicional surra. Sentia a dor antes mesmo que o tocassem.
 
Desta vez, para sua imensa surpresa, ninguém quis se meter com ele. Os grandalhões até olharam, mas preferiram mexer com outros grandões a se meter com ele. Nosso menino adorou, mas não entendeu o que acontecia e continua até hoje com medo que na próxima briga vá sobrar para ele, como no passado.
O que ele não percebeu é que, durante o período de tranquilidade, sua madrasta o havia alimentado de forma especialmente nutritiva, o que, somado aos exercícios que ele vinha fazendo há tempos, o deixara forte e musculoso. Enquanto isso, os grandalhões, depois de muito tempo desfrutando o poder que tinham na escola, ficaram acomodados, preguiçosos, engordaram e perderam agilidade.
 
Este menino se chama Brasil. Sua madrasta tem nome, China.
Sua alimentação foram as exportações; os exercícios, a estabilização da economia e os ajustes fiscais posteriores ao Plano Real. Os grandalhões são os países ricos e, como você já deve imaginar, as brigas nesta escola chamada mundo são as crises econômicas.”

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