Ricardo Amorim: "A origem dos problemas da indústria não está no câmbio ou na China"

Revista ACIM
04/2012
Por Giovana Campanha

 
“A origem dos problemas da indústria não está no câmbio ou na China”
 
Economista formado pela USP, Ricardo Amorim atua no mercado financeiro há 20 anos e trabalhou em Nova York, Paris e São Paulo.
Ele ministra palestras sobre economia e tendências em diversos cantos do país e no exterior. Semanalmente é possível assistir aos comentários de Amorim no Manhattan Connection, veiculado pela Globo News, ou ler seus comentários na revista IstoÉ. O economista responde, abaixo, questionamentos sobre crescimento, desindustrialização, entre outros assuntos importantes da economia nacional:
 
O senhor afirmou que o “Brasil está condenado ao crescimento”. Quais são os fatores que sustentam a base deste crescimento?
Há cinco fatores gerados por mudanças que aconteceram de forma mundial: o primeiro é uma explosão da procura pela matéria-prima e o Brasil é hoje um dos maiores produtores mundiais tanto de alimentos, quanto de metais, minerais, petróleo e isso tem a ver com a emergência chinesa.
Outro aspecto relacionado à China é o que o Brasil importa, como os eletrônicos, ficou muito mais barato.
Como um trabalhador chinês, via de regra, recebe muito pouco, quando uma parte maior da produção mundial destes produtos passou a ser feita na China, o preço de venda no Brasil caiu, então ganhamos duas vezes. Vou dar um exemplo: o preço do petróleo aumentou 15 vezes em dez anos e no mesmo período o preço de uma televisão caiu 20 vezes, o que significa que com 300 vezes menos petróleo que o Brasil exporta é possível comprar a mesma TV. Isso tornou o Brasil mais rico. Outro fator é que o Brasil importa capital para financiar consumo e investimento e como a taxa de juros caiu no mundo, o dinheiro ficou mais barato. Estes três fatores geraram um quarto fator positivo para o Brasil: o país tinha uma perda de talentos, gente que ia trabalhar fora do país porque tinha melhores oportunidades e atualmente acontece o contrário.
Só no ano passado foram 500 mil estrangeiros a mais trabalhando no Brasil. Essa capacidade de atrair gente é positiva e ajuda o crescimento.
E o último aspecto é que o Brasil está passando por um momento demográfico favorável: caiu a taxa de natalidade, mas o país ainda não tem muito idoso, o que significa que há uma parcela maior da população em idade de trabalho e menos gente tem que ser sustentada.
Por estas razões, o crescimento médio do PIB brasileiro nos últimos oito anos foi de 4,9%, o dobro do que tinha sido nos 25 anos anteriores, de 2,4%.
 
Por outro lado, o Brasil registrou em 2011 PIB de 2,7%, sendo que no início do ano passado o governo projetava crescimento de 5%. O que nos impede de crescer a níveis mais acelerados?
Basicamente no ano passado o que impediu o Brasil de crescer mais foi o estouro da crise europeia, que trouxe dois impactos ao Brasil. O primeiro foi reduzir as exportações para os países ricos, isso significa menos crescimento, e o segundo foi uma queda de linhas bancárias para o Brasil. Os europeus no ano passado tiraram US$ 80 bilhões em linhas bancárias para o Brasil. Apesar de o Brasil ter crescido muito mais nos últimos oito anos do que a média entre 1979 e 2003, entre as décadas de 1970 e 1980 a média de crescimento foi de 7% ao ano, mas não conseguimos sustentar este crescimento devido aos entraves estruturais.
Falta infraestrutura, mão de obra qualificada, a carga tributária é muito alta, a burocracia é pesada, há problemas de corrupção muito significativos.
 
A indústria brasileira cresceu 1,6% no ano passado. O governo anunciou a desoneração da folha de pagamento das indústrias por cerca de um ano para aumentar a competitividade. Quais medidas são vitais para incentivar o maior crescimento da indústria?
São vários aspectos. Primeiro é preciso colocar em perspectiva o tamanho verdadeiro do problema da indústria brasileira, que é imensamente menor do que vem sendo colocado.
O que quero dizer é que a indústria brasileira nos últimos dez anos ganhou espaço no mundo, era a 10ª maior em 2000 e no ano passado foi a 5ª. Então, não é que o Brasil está ficando para trás, ao contrário, está ganhando espaço.
O segundo fator é que a indústria brasileira nos últimos dez anos ganhou participação no PIB. Só que a indústria tem muitos desafios, de um lado a competição com a China, e de outro o fato do real ter ficado mais forte.
Mas estas não são as razões dos problemas da indústria. As razões têm a ver com um problema da economia brasileira pagar mais imposto do que a indústria chinesa, americana, alemã, o que coloca o empresário em dificuldade de competição. E a solução que tem sido dada não é reduzir o imposto da nossa indústria, tem sido aumentar o imposto da importação. Só que isso gera outro problema: o consumidor brasileiro paga aqui mais por um mesmo produto que lá fora e a consequência é a diminuição do nosso mercado. O melhor exemplo que conheço é o automóvel, que no Brasil tem uma carga tributária absurda. Enquanto um modelo custa R$ 75 mil no Brasil, custa R$ 37 mil nos Estados Unidos e se ele chegasse no Brasil pelo mesmo preço, provavelmente dobraria o número de automóveis vendidos e, por consequência, teriam muito mais empregos e mais renda de escala, o que tornaria nossa indústria mais competitiva.
A falta de investimento em infraestrutura aumenta o custo de transporte e também pesa contra a nossa indústria. A origem do problema não está na questão do câmbio nem na China e sim em questões dos nossos próprios desequilíbrios.
 
Então, não estamos vivendo um processo de desindustrialização, conforme algumas pessoas acreditam…
Posso dar alguns dados para mostrar que não estamos vivendo um período de desindustrialização.
No ano passado o investimento e as contratações na indústria foram os mais altos da história. Ninguém investe em um setor que está fadado ao fracasso. Em 2009 o Brasil foi o 14º receptor de investimentos estrangeiros no mundo e no ano passado foi o terceiro, atrás de China e Estados Unidos. O que estou querendo mostrar é que a valorização cambial e a própria questão chinesa apertaram a margem que a nossa indústria tinha. Mas há outros aspectos, em alguns casos a margem da indústria brasileira era mais alta que a média mundial.
Mas o mais importante contra a competitividade é o peso do setor público. Na imensa maioria dos setores dentro da fábrica, as indústrias brasileiras são competitivas, só que na hora em que são agregados os custos indiretos, a carga tributária alta, infraestrutura ruim, mão de obra pouco qualificada por falta de investimento em educação, há uma série de problemas.
 
A crise econômica dos países europeus está perto do fim? E quais são as medidas prioritárias para minimizar esta crise e evitar outras no curto prazo?
Não acredito que esteja perto do fim. A grande medida deveria ter sido tomada antes, porque quando aconteceu a crise de 2008 o governo brasileiro para estimular a economia, reduziu a taxa de juros e aumentou muito os gastos para dar estímulo à economia. Foram medidas corretas naquele momento.
O que acontece é que depois disso a economia ficou mais forte, a inflação e a taxa de juros subiram. E neste momento que é preciso estimular a economia, o governo está reduzindo a taxa de juros e, por consequência, estimulando mais o crescimento brasileiro, o que é correto. Mas na parte fiscal, nunca foram cortadas as despesas equivalentes ao que se tinha aumentado. E agora que seria hora de aumentar pesado de novos os gastos ou mais para frente quando a crise ficar mais grave, o governo não vai ter esse mesmo espaço. A redução do IPI é ótima.
O problema é que ela não deveria ser limitada a alguns setores e outro problema mais grave é que para que possamos fazer reduções significativas e permanentes de taxas de impostos só tem uma forma: o governo precisa cortar gasto. Senão, vamos acabar com um problema fiscal igualzinho ao que está acontecendo com a Europa. A origem da maior parte das distorções da economia brasileira está nos gastos públicos exagerados. Com a infraestrutura é a mesma situação: se o governo gastasse menos, sobraria mais dinheiro para investir. E como o governo gasta demais, tem que tomar muito dinheiro emprestado e compete com o setor privado pela oferta de poupança.
 
O financiamento imobiliário no Brasil cresceu 22% em janeiro deste ano comparado a janeiro de 2011. Há um temor que o Brasil esteja enfrentando uma bolha imobiliária. O senhor acredita nisso?
Não acredito que tenhamos uma bolha imobiliária prestes a estourar por algumas razões. Fui estudar as bolhas imobiliárias dos últimos 110 anos, porque tinha esta mesma preocupação. E não houve nenhuma bolha que estourou com o nível de consumo per capita que o Brasil tem hoje. O segundo aspecto é o crédito imobiliário. Bolha é quando você compra alguma coisa com um dinheiro que não tem. A relação entre crédito e PIB no Brasil é baixa, de 5%, enquanto na Espanha, por exemplo é de 56% do PIB.
 
A Bolsa de Valores brasileira tem registrado queda. Investir no mercado de ações é um mau negócio? E quais os investimentos mais seguros no momento?
Investir em ações é um bom negócio no longo prazo em países com boas perspectivas de crescimento e essa é a situação brasileira. Só que a bolsa é um bom investimento em alguns momentos e ruim em outros.
Como acho que a situação da Europa vai piorar, é provável que nossa bolsa nos próximos meses passe por um ajuste, como passou no final do ano passado quando a crise ficou mais séria. Mas acontecendo esses ajustes que fazem com que os preços fiquem mais baixos, as perspectivas de médio e longo prazo da bolsa brasileira são muito boas.
O que a história brasileira mostrou é que não há investimento que em qualquer situação seja seguro. A caderneta de poupança no Brasil no governo Collor foi um péssimo investimento, não teve segurança, além de ter tido uma rentabilidade baixa. O retorno dos investimentos está ligado ao prazo e valor, mas a melhor estratégia, via de regra, passa pela diversificação, com aplicação em bolsa, investimento imobiliário e em renda fixa.
 
Na sua opinião qual será o crescimento do PIB do Brasil neste ano?
Estou convencido de que o crescimento vai decepcionar, porque a crise europeia ainda não acabou e vai ter reflexos no Brasil. No curto prazo não estou otimista com as perspectivas para o país, mas isto não tem a ver com o Brasil, da mesma forma que estou otimista no longo prazo e não tem a ver com questões diretamente do Brasil. O Brasil foi condenado a crescer, apesar do Brasil e não por causa do Brasil, porque não resolvemos nossos problemas, mas há uma conjuntura basicamente favorável.
 
O Brasil sediará os dois maiores eventos esportivos mundiais, a Copa e as Olimpíadas. Qual o impacto disso para a economia? Isto forçará o Brasil a investir em infraestrutura?
Na realidade já está havendo investimentos. Na década passada em termos reais os investimentos públicos em infraestrutura no Brasil aumentaram três vezes, só que saiu de um grau muito baixo.
Desconfio que vai triplicar de novo nesta década e aí entram não só estes grandes eventos mas o fato do país estar crescendo, atraindo muito investimento externo, já que os países ricos não estão crescendo e os investidores aplicam dinheiro aqui e na China. Os nossos gargalos de infraestrutura estão começando a limitar o crescimento chinês, porque se o nosso minério de ferro não pode chegar à China porque faltam ferrovias e porto, a China não cresce em função do nosso problema. O resultado é que no ano passado os maiores investidores externos do Brasil foram os chineses basicamente em infraestrutura.

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