Matéria sobre palestra de Ricardo Amorim sobre oportunidades no Mato Grosso do Sul e região Centro-Oeste do Brasil.

Revista A gente
10/2012

Por Thais Pompeo

 
 
O economista fala com exclusividade sobre a importância
da fome chinesa para o mundo e para
o Mato Grosso do Sul e prevê mais três décadas
de crescimento para o Brasil, apesar da pedra no
caminho chamada crise europeia.

 
 
“Eu vim aqui dizer que o mundo está de cabeça para baixo e quase ninguém percebeu”. Ricardo Amorim, economista e apresentador do Manhattan Connection, começou assim a palestra que ministrou em Campo Grande, a convite do Sebrae MS. Durante quase uma hora e meia ele descreveu com detalhes o cenário econômico mundial que vem impulsionando, de forma nunca antes vista na história, o crescimento do Brasil.
 
Em uma linguagem ilustrativa, explicou as crises europeia e norte-americana: “Durante quase 30 anos esses países gastaram mais do que tinham e agora chegou a hora do acerto de contas”. Já do outro lado do globo, um gigante despertou: 400 milhões de chineses fizeram as malas nos últimos anos e deixaram o campo em direção às zonas urbanas. “Hoje, a China tem cerca de 80 cidades com mais de 5 milhões de habitantes construindo todo o sistema de metrô. Pense no que isso significa em termos de demanda de matérias-primas. Eles estão consumindo violentamente cimento, ferro, aço, além de carne, soja, milho, trigo, algodão… E, tudo isso que está acontecendo por lá ajuda, e muito, o Brasil”, explicou Amorim.
 
Traduzindo: as commodities, que são e sempre foram o carro chefe do Brasil no mercado internacional – e que eram vendidas a preço de banana – hoje estão mais caras, graças à tão famosa fome chinesa. Amorim prova que essa força é muito maior do que imaginamos: “Você já ouviu falar dos bancos ICBC (Industrial and Commercial Bank of China Ltd.) e o CCB (China Construction Bank)? Esse é o grande lance: eles são os dois maiores bancos do mundo da atualidade e ninguém, ainda, ouviu falar neles. Por isso que eu digo que o mundo virou de cabeça para baixo e quase ninguém percebeu”.
 
Confira a seguir a entrevista exclusiva que Ricardo Amorim concedeu à revista A Gente, após a palestra, em que ele fala sobre segundo semestre e as vantagens da economia sulmato-grossense: “Vocês (empresários do MS) estão na hora certa, no país certo e na região certa. É difícil ter mais oportunidade
do que isso”.
 
Há mais ou menos 7 anos, o interior do país tem visto um cenário econômico e de possibilidades extremamente pujantes. Como se explica esse bom momento na prática?
Ricardo Amorim – O estado do MS tem uma vantagem comparativa importante
associada à commodity em três fatores: disponibilidade de terra, de água e clima favorável. A soma dos três faz com que a produção agrícola do MS seja muito competitiva no Brasil e no mundo. O que aconteceu é que a gente entrou em um ciclo a partir de 2002, depois que a China entrou na Organização Mundial do Comércio (dezembro de 2001), muito favorável às commodities em geral, e particularmente às agrícolas. Resultado: a renda agrícola cresceu demais de forma sustentada. Porque no passado o que a gente tinha era que, às vezes, o preço até subia por seis meses, mas despencava logo depois. Agora a gente está tendo um ciclo muito mais longo de alta de preços. A consequência: a renda agrícola aumentou, o que fez o dinheiro girar em outros setores, se beneficiando em pararelo. Fora isso, a gente teve, no Brasil todo, um processo que também ainda não tinha acontecido, que foi a expansão do crédito, o que fez com que muita gente que antes não podia comprar, pudesse. Então por que que a construção civil cresceu tanto? Porque uma coisa é ter o dinheiro para comprar o imóvel à venda, outra é ter crédito na praça. Desta forma muita gente pode comprar, o setor entra em um boom enorme, que foi o que aconteceu.
 
Isso significa que áreas com menos estrutura têm maior potencial para crescer?
Ricardo Amorim – Exatamente. O interior do país, e também lugares mais pobres, estão crescendo mais do que os grandes centros. Isso gera oportunidades – que já estão sendo rastreadas por grandes empresas nacionais, porque as internacionais já chegaram nas principais capitais, como Rio e São Paulo. Vai ter mais dinheiro, mas vai ter também mais competitividade, incluindo o cara do outro lado do mundo através da venda on-line. Para vencer essa briga, temos que pensar em pequenas coisas que fazem muita diferença, como design e formas de fidelização do cliente. A notícia boa é que todo o crescimento vai continuar, porque os fatores que causaram isso foram a ascendência chinesa e, em menor grau, mas que vai ganhar cada vez mais importância, indiana. E mesmo no Brasil, que agora conta com uma nova classe média, ou seja, muita gente emergiu e com isso aumentou o pradão de consumo. Tudo isso vai continuar, só que essa é a visão que vale para a década, a médio e longo prazo.
 
Nesse sentido o que podemos esperar para o segundo semestre no setor de varejo e de serviços?
Ricardo Amorim – Aí, infelizmente, eu acho que a história é um pouco mais complicada. É mais complicada por um fator externo também. A gente está vendo as consequências do mundo inteiro e da crise na Europa que estão causando duas coisas: Primeiro, todo mundo está exportando menos para a Europa, o Brasil inclusive. E isso tem uma série de impactos negativos diretos em alguns setores – as próprias commodities mesmo acabam sentindo porque a Europa é um mercado consumidor importante. Em segundo lugar, bancos e empresas europeus estão perdendo dinheiro lá, eles estão sendo forçados a repatriar capital e com isso eles tiram a disponibilidade de dinheiro que ia virar crédito, ia virar consumo, ia virar investimento por aqui. Então, por conta disso tudo, o que eu digo é: nos próximos seis meses, o empresário deveria ser cauteloso. Esta é uma hora de evitar grandes endividamentos porque pode acontecer, dependendo de como evoluir a crise europeia, que temporariamente haja menos disponibilidade de crédito e, aí, quem está endividado pode passar por dificuldades. Este é o primeiro foco para evitar problemas.
Outra coisa que eu acho importante perceber, é que esse é um movimento temporário. Isso quer dizer que não é para se desesperar e achar que reverteu o ciclo positivo? Não, não é isso – vamos passar por problemas temporários, mas tem céu de brigadeiro lá na frente. Mas primeiro vai chover.
 
Na conjuntura econômica atual, como fica o mercado de luxo? Temos visto grandes investimentos, inclusive aqui no Brasil, como o JK Iguatemi em SP.
Ricardo Amorim – Com um detalhe, o JK Iguatemi está localizado em uma região de uns três, quatro quilômetros, onde você encontra o shopping Iguatemi, o JK Iguatemi e o Cidade Jardim – quer dizer, eu nunca vi tanto shopping de luxo, talvez em lugar nenhum do mundo, em uma região tão pequena. O que que isso significa? Quer dizer, esse processo de melhora que acontece aqui no Mato Grosso do Sul, aconteceu no Brasil como um todo. Com essa ascensão, dois estratos da camada socioeconômica se beneficiaram em particular – a base da pirâmide, pois começou a ter muito mais emprego, faltava gente para trabalhar e, com isso, gente que estava na base da pirâmide, mesmo mal qualificada, que no passado ganhava muito mal, de repente era o único que estava disponível para trabalhar. Esse pessoal teve um ganho de renda muito grande, além de programas de governo, como o bolsa família também.
E outro estrato da camada que cresceu muito também foi o topo da pirâmide. Por quê? Porque o topo da pirâmide pega duas coisas – empresário, que com o país crescendo ganha mais dinheiro; e profissional muito qualificado, porque como a nossa educação é falha, falta gente bem preparada. Quando a oferta é pequena, como no caso de profissional bem preparado, e a procura aumentou muito com o país crescendo, esses salários aumentaram demais. E esse é exatamente o consumidor de luxo.
Eu acredito que o forte crescimento no mercado de luxo no Brasil vai se sustentar, da mesma maneira que eu comentava sobre o crescimento do MS. Contudo, é um mercado que pode sentir um pouquinho nos próximos meses, mas eu acho que sente menos, porque esse consumidor tem um padrão de renda mais alto, depende menos de crédito para consumir e, provavelmente, tirando algumas exceções, vai continuar comprando. E isso vale para o Brasil inteiro.

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