EUA em crise, China em ascensão: o que significa para o BR.

Publicado em: www.clubelunico.com.br

dezembro de 2009

Enquanto a economia americana se retraiu cerca de 3% no último ano, a chinesa cresceu 8,5%.

Muito mais do que um fato atípico, essa diferença gritante de desempenho das economias americana e chinesa em 2009 coroou uma década na qual gradualmente os EUA vieram perdendo importância na economia mundial e a China ganhando.

A ascendência chinesa começou muito antes dessa década. Desde 1979, a China vem sustentando uma espetacular média de crescimento anual de 9,7%. No entanto, foi a partir de 2001 e da sua entrada para a Organização Mundial do Comércio (OMC) que ela vem redefinindo o equilíbrio da economia mundial em favor dos países emergentes e com impactos negativos sobre os países ricos.
A parcela do crescimento mundial vinda da China tem sido muito maior do que a que vem dos EUA. Para ser mais preciso, de 2001 para cá, no ano em que os EUA tiveram uma maior participação no crescimento global; e, em 2005, eles representaram apenas 13% do crescimento mundial. Já a China, no ano em que menos contribuiu para o crescimento do mundo nesta última década, em 2004, representou 18% dele.
Com toda razão, muitos se preocupam com o que uma mudança tão radical da economia mundial representa para o Brasil. Será que o aumento de concorrência chinesa levará a uma falência da indústria nacional?
Tenho uma péssima e várias boas notícias para vocês. A péssima notícia é o desemprego elevado, forte endividamento de consumidores e baixa oferta de crédito, os bancos exigirão um ritmo muito menor de expansão de consumo nos EUA e Europa nos próximos anos. Com isso, os chineses terão de vender seus produtos em algum outro lugar. Em um não, em vários outros lugares.
O primeiro, mais importante e mais óbvio dos mercados que receberá mais produtos chineses é a própria China. Parcelas crescentes da produção chinesa ao longo dos próximos anos serão destinadas ao consumo dos próprios chineses. Ainda assim, haverá uma quantidade colossal de produtos chineses que serão exportados. Desses, uma parcela crescente irá para países emergentes, principalmente aqueles com grandes mercados consumidores, que é o caso do Brasil. Portanto, se você já se preocupava com a concorrência chinesa, preocupe-se muito mais nos próximos anos.
Chega de más notícias! Ainda que vários setores da indústria brasileira encontrassem desafios imensos para lidar com a concorrência chinesa nos próximos anos, a economia brasileira continuará a ser uma grande beneficiária da ascendência chinesa, como aliás já tem sido desde 2004. De lá até 2008, a média de crescimento da economia brasileira foi de 4,8%, mais do que o dobro dos 25 anos anteriores.
Mais da metade das exportações brasileiras está concentrada em produtos básicos – alimentos, metais, minerais, petróleo etc – cuja demanda e preços têm aumentado e continuarão a aumentar exponencialmente enquanto a importância da China na economia mundial continuar a crescer. Com isso, nossas exportações continuarão a crescer como nunca, apesar de dificuldades em alguns setores da indústria. Aliás, em 2009 já exportamos mais para a China do que para os EUA. Em 2001, meros 3% de nossas exportações eram destinadas à China e 24% – 8 vezes mais – para os EUA.
Além disso, se o maior gargalo do crescimento brasileiro é sua precária infraestrutura, o grande gargalo do crescimento chinês é a sua necessidade de receber as commodities que precisam para produzir e alimentar sua população. Para resolver o seu gargalo – e de quebra, melhorar a alocação dos investimentos de suas reservas internacionais, hoje primordialmente investidas em títulos do tesouro americano, um péssimo investimento – é muito provável que, nos próximos anos, os chineses invistam pesadamente em financiamento de nossa infraestrutura de transportes – portos, estradas, linhas ferroviárias, aeroportos. Se os chineses resolverem destinar meros 10% de suas reservas internacionais para financiamento de infraestrutura de transportes no Brasil na próxima década, receberíamos uma enxurrada de US$ 230 bilhões em investimentos. Viajei pela África, outra fonte de commodities para os chineses, há alguns meses e, por lá, praticamente todos os investimentos de infraestrutura de transporte já recebem financiamento chinês.
Por fim, fortes exportações e a grande entrada de investimentos da China, somadas a várias fragilidades da economia americana, colaborarão para que a taxa de câmbio continue se apreciando no Brasil nos próximos anos – não, a queda do dólar não vai ser revertida nem mesmo terminar tão cedo, mesmo que possa se desacelerar ou até parar temporariamente – e isso ajudará a manter a inflação brasileira sob controle. Assim, os juros vão cair mais nos próximos anos – independentemente de uma possível alta em 2010 – e o crédito continuará em forte expansão, o que causará um enorme crescimento da demanda doméstica.
Por tudo isso, o crescimento do PIB brasileiro em 2010 deve ser o maior em mais de 20 anos, ultrapassando 6%. Para o Brasil, a ascendência chinesa não chega a ser um negócio da China, mas ajuda bem mais do que atrapalha.

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