Auditoria cidadã da dívida pública: solução ou problema?

11/2016

Por Ricardo Amorim

 

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Entre os que se opõem à PEC dos gastos e à Reforma da Previdência, a principal proposta alternativa seria uma auditoria cidadã da dívida. Quais os méritos e deméritos desta proposta?

 

O eventual lado positivo seria descobrir alguma fraude em parte dívida pública, o que reduziria a dívida total. Ao contrário da esperança de alguns, é improvável que tal redução fosse significativa por duas razões. A primeira é que a dívida já é auditada pelo TCU. Pode ser que o TCU tenha, por incompetência ou conivência, permitido que algo tenha sido incorporado à dívida pública indevidamente e que isto seja descoberto em uma eventual auditoria cidadã? Sim. É provável que este montante seja significativo em relação ao volume total de mais de R$3 trilhões da dívida pública? Não. A dívida pública é resultado da soma de déficits acumulados pelo setor público ao longo do tempo mais seu custo de financiamento ao longo do tempo mais eventuais decisões judiciais contrárias ao governo que imponham a emissão de precatórios judiciais que acabem sendo incorporados à dívida pública. Considerando-se apenas os déficits públicos das últimas décadas e as altas taxas de juros básicas que prevaleceram no Brasil nesse período – aliás, as taxas de juros básicas no Brasil são tão elevadas exatamente porque a dívida e o déficit público são grandes e a oferta de poupança no país é muito baixa – chega-se à conclusão aritmética de que a dívida seria de uma magnitude parecida à que ela atingiu.

 

O mais provável lado negativo é que uma auditoria generalizada da dívida pública afugentaria investidores que hoje investem na dívida pública – isto é brasileiros que investem no Tesouro Direto ou fundos de investimento, empresas, instituições financeiras e investidores estrangeiros. Quem vai querer investir em algo que pode não ser pago? Com isso, o governo não teria mais como financiar os R$170 bilhões em déficit primário – além do pagamento de juros – que tem atualmente. Neste ano, o governo só poderá gastar R$ 170 bilhões a mais do que arrecada em despesas que não incluem o pagamento de juros da dívida porque investidores estão dispostos a emprestar dinheiro suficiente para financiar estes gastos, os próprios juros da dívida e a dívida que está vencendo.

 

Se ele parasse de pagar os juros e o vencimento da dívida pública, isto agravaria muito a crise brasileira por mais alguns anos, como aconteceu com o calote no governo Collor ou com o calote na Argentina. Além disso, sem acesso a financiamento, o governo teria de limitar seus gastos primários – os que excluem os juros – a suas receitas. Como hoje ele arrecada R$170 bilhões a menos do que gasta, ele teria de imediatamente cortar os gastos em R$170 bilhões. Na realidade, o corte de gastos teria de ser muito maior do que isso porque a arrecadação de impostos despencaria em função da recessão econômica que isto causaria, mas mesmo desconsiderando os efeitos negativos adicionais, as perspectivas já seriam sombrias.

 

Os críticos da PEC dos gastos reclamam que ela limitará o crescimento dos gastos primários totais da União para fazer com que no ano que vem, por exemplo, o déficit caia para R$139 bilhões uma vez que as receitas cresçam mais do que as despesas. Com uma auditoria generalizada da dívida pública, ao invés de cair de R$170 bilhões para R$139 bilhões, o déficit primário teria de cair de R$170 bilhões a zero já no ano que vem, forçando o governo a um corte adicional de gastos de R$139 bilhões. Neste caso, a falta de recursos públicos para saúde educação, programas sociais, Previdência e salários de funcionalismo público seria generalizada, parecido com o que já está acontecendo com o Estado do Rio de Janeiro ou o que aconteceu recentemente na Grécia.

 

Além disso, as taxas de juros teriam de subir muito para evitar uma fuga brutal de capitais do país. O corte radical de gastos públicos e a forte alta dos juros causariam uma recessão muito mais profunda e muito mais desemprego. Resumo da ópera: o Brasil tem muito mais a perder do que a ganhar com uma auditoria generalizada da dívida pública.

 

Como ter o potencial ganho que uma auditoria da dívida pública poderia trazer sem ter o seu custo? Limitando a auditoria ao ponto específico onde a possibilidade de fraudes é muito maior e o os impactos negativos muito mais limitados: os precatórios fiscais.

 

Além do acúmulo de déficits e o custo dos juros, uma série de decisões judiciais contrárias ao governo causou a emissão de precatórios, que a seguir foram incorporados à dívida pública. A maior parte destas decisões, provavelmente, foi acertada, mas denúncias esporádicas na mídia sugerem que há também vários casos de abusos e negociatas envolvendo decisões judiciais. Uma auditoria específica sobre tais decisões e os precatórios emitidos a partir delas, provavelmente, traria exatamente o mesmo benefício de uma auditoria generalizada da dívida pública, mas a um custo infinitamente menor, pois só investidores no mercado de precatórios – um mercado muito menor e que atrai investidores dispostos a correr um risco muito maior – seriam afetados.

 

De qualquer forma, é bom ficar claro que tal auditoria, por mais bem sucedida que fosse, também não eliminaria a necessidade da PEC do teto dos gastos públicos e uma Reforma da Previdência que acabe com privilégios e defina a mesma regra de aposentadoria para todos os brasileiros.

 

Ricardo Amorim, autor do bestseller Depois da Tempestade, apresentador do Manhattan Connection da Globonews, único brasileiro entre os melhores palestrantes mundiais do Speakers Corner e o economista mais influente do Brasil segundo a revista Forbes.

 
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