Entrevista de Ricardo Amorim à Fecomércio sobre problemas e soluções para o Brasil

03/2016

Um Brasil

Por Juliano Dip

 

O produto interno bruto brasileiro encolheu 3,8% em 2015, a maior queda desde 1990. A previsões são de que o Brasil tenha ainda mais dois anos de retração, o que não acontecia desde a queda da bolsa de Nova York, em 1929. A crise política afetou a confiança de investidores, empresários e consumidores. Para o economista Ricardo Amorim, a história do Brasil mostra que as crises econômicas geram impasses políticos, e quando esses são resolvidos, abre-se nova etapa de desenvolvimento.

 

Qual a previsão para este ano?

 

No início de 2002, de acordo com as previsões do Focus, que é o relatório do Banco Central com a média das expectativas de todos os economistas dos bancos, esperávamos ter no ano passado, 2015, uma inflação medida pelo IPCA de 4,5% e um crescimento do PIB também de 4,5%. Ao longo do tempo, essas previsões se deterioraram e tivemos na prática uma inflação que bateu em 10,8% e um PIB que caiu 3,8%. A margem de erro aí foi brutal. Por quê? Aquelas previsões, no fundo, refletiam o que era o fim de um movimento de expectativas muito infladas no Brasil. Ao longo do período de 2006 a 2010, todas as surpresas que tivemos foram basicamente positivas. Então, se pegarmos essa mesma previsão do Focus no início de 2006, veremos que o resultado foi melhor; em 2007 e 2008, idem. Em 2009, a única exceção, foi o ano da crise global. Em 2010, surpresa positiva de novo. Na prática, duas coisas aconteciam sempre. Primeiro, ano após ano, as expectativas melhoravam; segundo,ano após ano, a realidade era melhor do que a expectativa, a única exceção foi 2009. Isso foi até 2010. Em 2011, Dilma tomou posse. Aí temos duas pequenas mudanças. Desde então, ano após ano, as expectativas de crescimento vêm piorando. Em todos os anos, os resultados foram piores do que a expectativa.

 

Por causa da deterioração do cenário político?

 

Certamente. Essa é a variável-chave. Temos duas crises que se reforçam – uma econômica e outra política. O aspecto exclusivamente econômico da crise é mais fácil de ser solucionado do que a maioria normalmente acredita.

 

O PIB vai cair mais?

 

Caímos 3,8% no ano passado. Neste ano, provavelmente teremos uma queda parecida. O que não dá para saber é quando a crise acabará. O fim da crise econômica brasileira requer uma solução para a crise política. Previsão econômica nunca foi exatamente a coisa mais fácil do mundo. De um ano e meio para cá, acompanhei muito as previsões dos meteorologistas, porque tínhamos um risco grande (que não se materializou) de falta de energia elétrica por falta de água. Mas nos últimos seis meses, as chuvas aumentaram

 

A falta de chuva iria gerar um grande problema econômico…

 

Exatamente. E, no fundo, há uma segunda razão pela qual não aconteceu, a recessão foi tão grande que a queda de consumo de energia também fez esse problema não se materializar. Mas eu vinha acompanhando semanalmente as previsões dos meteorologistas e uma das coisas que aprendi é que Deus os criou para nós (economistas) nos sentirmos melhores com as nossas previsões. Mais recentemente, estou tendo de acompanhar as previsões dos analistas políticos, e aí descobri que eles existem para que os meteorologistas não se sintam tão mal com as previsões deles.

 

Quais são os desequilíbrios da economia no Brasil?

 

Acabando a crise política, solucionar os desequilíbrios macroeconômicos brasileiros não é complicado. Ao longo do primeiro mandato do governo Dilma, foram formados três grandes desequilíbrios macroeconômicos. O primeiro, de contas externas. A política econômica do governo brasileiro, nos últimos 15 anos, praticamente só estimulava consumo, não estimulava produção. Não tivemos ganho de produtividade. E o que aconteceu? Mão de obra, espaço e matéria-prima ficaram mais caros e houve elevação de custo de aluguel em função do boom imobiliário. Produzir no Brasil ficou mais caro. Um ganho de produtividade poderia ter compensado e isso não aconteceu por falta de investimentos em educação, automação e infraestrutura. Resultado: as empresas pararam de produzir no Brasil. Mandaram a produção para fora. Os próprios consumidores pararam de consumir no Brasil. Quando tinham a chance, passaram a comprar em outros países, porque era mais barato. Quando o nosso ex-ministro da Fazenda Guido Mantega tomou posse há nove anos, o Brasil tinha, nos 12 meses anteriores, um superávit na balança comercial de produtos manufaturados de US$ 10 bilhões. Quando ele saiu do governo, o Brasil tinha um déficit na balança de manufaturados de US$ 110 bilhões. Deixamos de produzir e, por consequência, não geramos emprego. Isso criou um desequilíbrio na nossa balança comercial e nas contas externas. Como foi resolvido? Por meio do câmbio. Muita coisa que era mais barata produzir e trazer do exterior, hoje não é mais. O que temos com isso é uma queda brutal nas importações. As exportações estão começando a crescer, e isso vai resolver o problema da balança comercial. Talvez tenhamos neste ano, inclusive, o maior superávit da história do Brasil na balança comercial. Esse problema está resolvido.

 

E a inflação?

 

Foi o segundo grande desequilíbrio. No primeiro mandato, o governo Dilma segurou artificialmente uma série de preços que controlava para tentar deter a inflação. Passadas as eleições, em função de um desequilíbrio brutal das contas públicas – que, aliás, é o terceiro desequilíbrio –, o governo teve de aumentar, e muito, esses preços. Resultado: a inflação subiu. A própria desvalorização cambial, que encarece os produtos importados, também alimenta a inflação. Qual a resposta do Banco Central? Tem de proteger o poder da moeda, porque não adianta as pessoas ganharem mais se o dinheiro compra menos. Sobe a taxa de juros, o crédito fica mais caro. Com menos gente comprando, as empresas não podem puxar tanto os preços. Isso funciona porque derruba o consumo e o crescimento. É a recessão que estamos vendo. É como a quimioterapia em resposta a um câncer: o primeiro efeito dela é fazer o doente se sentir pior, com os efeitos colaterais do tratamento. É o que aconteceu com o Brasil. Na virada do ano passado para cá, aconteceu uma série de mudanças políticas, e o Banco Central tirou o pé do acelerador. A inflação estava para cair de forma agressiva. Vai cair bem mais lentamente porque, de fato, o Banco Central parou de pressionar. Então, esse desequilíbrio está a caminho de ser resolvido, mas devagar, poderia ter sido mais rápido.

 

Resta a questão das contas públicas…

 

É o último desequilíbrio, que não estamos nem perto de resolver. A recessão tem um impacto de redução de arrecadação maior do que o ganho com a elevação de alíquota de vários impostos. Enquanto o governo não cortar de forma agressiva os seus gastos e, eventualmente, complementar isso com novas elevações de impostos, não haverá solução. Mesmo essa solução está longe de ser ideal, porque tem um efeito colateral gravíssimo, que é diminuir o potencial de crescimento brasileiro de longo prazo. Mas, em curto prazo, bota as contas públicas em ordem, o que, acontecendo, retoma a confiança no Brasil. Confiança voltando, vamos trazer investimentos, porque basicamente o Brasil continua em médio e longo prazos muito interessante para investidores e empresários dos mais diferentes setores. Com investimento, geramos emprego; com emprego, voltam a confiança e o consumo, e aí entramos num círculo virtuoso. Só há um problema para fazer isso: o governo tem de ter a vontade e a coragem política de cortar os seus gastos. Por outro lado, o Congresso não pode bloquear o que o governo faz. Aí entra a solução da crise política. Na história brasileira, na sequência de uma grande contração, vem um crescimento muito acelerado. Por quê? O que acontece é que, nesse meio-tempo, temos uma série de decisões de investimentos de empresas que vão sendo engavetadas. Na hora em que a economia vira, tudo isso vem de uma vez. Isso vai acontecer, o que ninguém sabe é quando.

 

Os cenários das crises passadas eram parecidos?

 

Acho que boa parte das mudanças que aconteceram foram consequências de crises financeiras graves. Se olharmos para trás, o golpe militar de 64 aconteceu quando também tivemos uma desaceleração. A média de crescimento alguns anos antes era de 9%, média trianual, e caiu para 2%, aconteceu o golpe militar. Mais para trás, em meados de década de 1930, foi o mesmo processo. Aonde quero chegar com isso? As grandes mudanças políticas são consequências de grandes crises econômicas. O presidente Collor não caiu exclusivamente em função de corrupção: tínhamos o PIB despencando, a inflação “comendo solta” e os aliados caindo fora, como o Renan Calheiros.

 

É impressionante como se repetem os personagens…

 

Mais do que os personagens, repete-se a dinâmica. Estamos plantando sementes de mudanças positivas muito significativas para o Brasil neste momento. Será que sem uma crise da gravidade da atual teríamos decisão recente do Supremo que, a partir de agora, se condenado em segunda instância vai “em cana”? Difícil que tivesse acontecido. Neste exato momento temos o Ministério Público, as dez medidas contra a corrupção tiveram 1 milhão e meio de assinaturas indo para o Congresso. Acredito que haverá pressão popular suficiente para que a gente endureça as regras contra a corrupção. Temos alguns dos empresários mais poderosos do Brasil condenados. Dava para imaginar o Lula, o presidente mais popular que o Brasil já teve desde a redemocratização, sendo obrigado a depor? Acho que temos uma mudança importante aí. Por exemplo, muito se fala do impacto de consumo da nova classe média. Além das ascensões socioeconômica e de consumo, há um movimento de pressão que antes não acontecia. O avô era pobre, o pai era pobre, ele era pobre. Não tinha expectativa de ter acesso a uma série de coisas e também não cobrava, ele aceitava que era assim. Ele provou, gostou e estão tirando dele. Esse cara vai cobrar, porque por pior que seja a qualidade da educação, ao menos ele está indo à escola e à universidade, e certamente está mais bem preparado.

 

Menos acomodado.

 

E cobrando mais. Num Brasil em que hoje a imensa maioria das pessoas tem acesso à internet, à rede social, e consegue se organizar e se mobilizar, ir à rua e exigir, enfim, todo esse processo de cobrar do governo as mudanças que precisamos ficou mais fácil, mais forte e poderoso. Acho que isso é positivo. E há um último fator, que talvez seja o mais difícil de entendermos: o Brasil passa, nas últimas décadas, por uma mudança de perfil religioso. Houve um crescimento gigantesco das igrejas evangélicas, que pode ter um impacto positivo importante em longo prazo.

 

Como seria isso?

 

A parte visível do que é esse aumento das igrejas evangélicas, para mim, é negativo. Líderes, tanto políticos quanto religiosos, em vários casos se aproveitando do que se tornou uma massa de manobra e faturando em cima da palavra divina. Agora, há o lado dos fiéis. O Brasil tem, há muito tempo, um catolicismo “aguado”. A maior parte da população brasileira católica não é praticante. Esses novos praticantes de igrejas evangélicas e protestantes fundamentalmente têm uma ética religiosa muito mais forte na maior parte dos casos. A própria ética protestante tem algo que, do ponto de vista do desenvolvimento econômico, ajuda muito: a valorização do trabalho e do resultado aqui e agora. Temos no catolicismo uma linha muito do “eu aguento isso aqui porque o paraíso está me esperando”, mas a ética protestante é diferente – “rala agora, colhe o fruto agora”. Isso é importante e pode ajudar numa outra mudança de mentalidade, uma cultura do que chamo de “Bolsa Brasil”. Fala-se muito no Bolsa Família, do aspecto paternalista. Concordo, sou crítico, acho que há méritos e deméritos. Um demérito óbvio é de não existir uma preparação das pessoas e uma porta de saída. O ponto fundamental é que isso vale para o Bolsa Família, mas vale para várias outras bolsas. Termos uma série de linhas hoje do BNDES com custo abaixo da inflação. Em outras palavras, é dinheiro que está sendo dado. Podemos chamar isso de “Bolsa Empresário”. As reservas internacionais brasileiras têm um custo. O Banco Central compra dólares e investe em títulos do Tesouro americano, que hoje paga algo como 2% ao ano. Mas, internamente, o BC paga taxas de 15%, arredondados. A diferença é o que chamo de “Bolsa Exportador”, pois impede a valorização do real, o que seria ruim para as exportações. São R$ 52 bilhões, mais do que se investe em infraestrutura anualmente no Brasil.

 

É uma distorção.

 

Temos uma cultura muito clara de “programas de governo que não me afetam, eu sou contra; os que me beneficiam, ninguém encosta um dedo neles”. Precisamos acabar com isso e ter um capita – lismo verdadeiro. No capitalismo tupiniquim, de compadrio, é mais importante ser próximo do rei do que ser eficiente, o que estimula a corrupção. Isso não estimula investimentos em inovação, em criatividade, em busca de soluções com eficiência, que é a lógica capitalista. Competir significa que alguns vão, sim, ficar no meio do caminho. A nossa visão paternalista gera um Estado pesado, ineficiente, e acaba levando todo o resto da sociedade a pagar caro demais e não receber serviços equivalentes. O Brasil é hoje, de 156 países emergentes, o terceiro com a mais elevada carga tributária, e, obviamente, não é o terceiro em qualidade de serviços públicos; 36% do PIB são a nossa carga tributária. Se você soma com o déficit, no ano passado, que deu 9% do PIB, isso significa que 45% de tudo o que é produzido no Brasil passam pelo governo. Um Brasil maior requer um governo menor. Há quatro anos, o governo Dilma lançou o programa Brasil Maior, voltado a estimular a competitividade da indústria, e de lá para cá a nossa indústria encolheu 20%. O peso do setor público tem de ser financiado por imposto. Resultado: nossa indústria encolhe sem conseguir competir.

 

Um dos primeiros sinais pré-crise quem deu foi a indústria brasileira…

 

A indústria tem características que a tornaram muito mais exposta ao momento e ao modelo econômico. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio, em dezembro de 2001, resultou em vários efeitos benéficos para o Brasil. As pessoas comentam da melhora de preços de matérias-primas que o País exporta, mas há mais três. Olhando do ponto de vista brasileiro, não só o que exportamos ficou mais caro, mas o que importamos ficou mais barato. O Brasil é um país importador de produtos manufaturados primordialmente eletroeletrônicos produzidos na China, onde o custo da mão de obra é menor e faz o preço desses produtos cair. Resultado: não só vendemos mais caro, mas compramos mais barato. Isso tornou o Brasil mais rico. O preço da soja chegou a estar o dobro do que é hoje, mas mesmo hoje é o triplo do que era em 1999, 2000 ou 2001, antes da entrada da China na OMC. Soja custa três vezes mais. O que as pessoas não comentam é que, por exemplo, uma TV de 50 polegadas hoje custa 15 vezes menos do que custava em 2000 – pelo avanço tecnológico, que reduz custo de produção, e pela queda do componente mão de obra, na medida em que essa produção vai para a China. O que precisamos exportar de soja para pagar pela importação de uma TV hoje é 45 vezes menos do que há 15 anos. E com um detalhe: há três anos, era 90 vezes menos, porque a nossa exportação de soja triplicou em quantidade. Outro fator: na hora em que a China inunda o mundo de produtos mais baratos, a inflação mundial cai e o custo do dinheiro também cai, o que beneficia o país importador de capital para financiar consumo e investimento. Por que foi possível todo o boom de consumo e toda a expansão? Porque conseguimos trazer dinheiro barato. O que isso significa? O governo Dilma brincou com a inflação, que subiu, o Brasil ficou fora da festa, mas a festa não diminuiu no mundo, ela aumentou. Hoje há US$ 7 trilhões em títulos no mercado internacional que pagam taxa negativa de juros. Você recebe menos do que coloca. Isso acontece em mais de 20 países atualmente, que estão tendo que lidar com um problema mais grave do que inflação, a deflação, que é o processo em que o preço amanhã é menor do que hoje. Digamos que eu queira comprar um carro e sei que amanhã ele vai custar menos do que hoje. Eu compro hoje? Não. Chega amanhã, sei que depois de amanhã ele vai custar menos. Eu compro? Não.

 

Vai protelando…

 

No consumo de bens duráveis, obviamente que para a comida não dá para fazer isso. Quando se protela o consumo, somem os investimentos. Qual o empresário que vai investir, se o consumidor não vai comprar? Não existe. Para resolver, entra o juro real negativo. O que o juro real negativo faz é dizer: “É verdade, amanhã o produto estará mais barato, só que amanhã você terá menos dinheiro do que hoje, portanto, compre hoje”. Esse é o processo. O Brasil, se não estivesse vivendo a crise que está vivendo, estaria atraindo capital de fora. Para o sujeito que está investindo a menos 2% na Suíça, se o Brasil estivesse mais ou menos organizado, pagando 7% ao ano, choveria dinheiro aqui. Só que desarrumamos a casa de tal forma que isso não está acontecendo. O quarto fator, que também ficou para trás, é que quando o Brasil cresceu mais, os países ricos cresceram menos, porque todos os fatores que nos ajudaram tiveram impactos negativos nesses países. Invertemos o fluxo de talentos no mundo. Em 2012, uma pesquisa indicava que de cada 13 empregos formais gerados no Brasil, um foi ocupado por estrangeiro. A última vez que o Brasil, em termos proporcionais, trouxe mais gente de fora para vir trabalhar aqui foi no ciclo do café. Gente boa, bem preparada, ajuda um país a crescer mais. Só que tudo isso, infelizmente, ficou para trás, em função de uma série de erros de política econômica ao longo do governo de Dilma Rousseff.

 

Mas por que a indústria sentiu primeiro?

 

Para a indústria, a China é competição. Tudo o que falei é bom para o Brasil como um todo, mas não para a indústria. O agronegócio foi o setor que mais cresceu no Brasil, porque a China é demanda. Já para o comércio e serviços brasileiro, o que importa é a economia doméstica. O País estava crescendo, o consumo crescia, esse lado ia bem. Quando começamos a sentir o lado de comércio e serviços? Quando o problema da indústria ficou tão grave que ela começou a demitir em massa, e o sujeito que perdeu o emprego não consumiu como consumia antes. Aí entramos num círculo vicioso, que é quando esse modelo exclusivamente de estimular consumo sem estimular produção se esgota. Uma coisa é quando tínhamos o dólar a R$ 1,50, outra é quando o dólar está a R$ 4. A indústria como um todo está melhorando, bem como o setor de turismo.

 

Turismo interno.

 

Exatamente. Quem ia para fora, passa a viajar aqui. Outro setor que cresceu forte na crise foi o de luxo. Bolsa e relógio eram mais baratos fora. Comprava-se em Paris, Nova York ou Tóquio. Agora, compra-se aqui. Até os “gringos” estão comprando aqui, porque está mais barato. Quando o dólar chegou a R$ 4, lembro que o preço de um Audi ou de uma Mercedez no Brasil era menor que na Alemanha.

 

Quando a redução do consumo vai começar a refletir na baixa da inflação?

 

Refletiria muito mais rápido se o Banco Central não tivesse, nos últimos três meses, parado de brigar com a inflação com o afinco que vinha até então, e se o governo também não tivesse adotado algumas outras medidas que estimulam a inflação, como o aumento real para o salário mínimo. Mas o componente fundamental, por que demora tanto no Brasil, chama-se indexação. O Brasil ainda tem um grau de indexação brutal na parte de salários e tarifas públicas. A inflação alta recente alimenta a inflação de hoje. Isso faz com que tenhamos uma recessão muito mais longa e muito mais profunda para que a inflação caia, mas ela vai cair. Estamos tendo a recessão mais profunda dos últimos 115 anos, o que significa que ela vai cair, mas de forma lenta.

 

Qual o impacto do impeachment?

 

A reação dos mercados ao processo do depoimento coercitivo de Lula foi positiva, porque representa um risco maior de mudança política no Brasil. Só na semana em que Lula foi chamado para depor, o valor de mercado das 288 empresas brasileiras cotadas no Bovespa aumentou em R$ 250 bilhões. Só a Petrobras valorizou em R$ 30 bilhões. Tenho grandes dúvidas, de fato, se o impeachment criaria condições de um cenário de mudança mais significativa. Temer, para conseguir governar, vai ter que provavelmente trazer o PSDB. Mas qual PSDB? Tem pelo menos três: o de Serra, o de Aécio e o de Alckmin. Os interesses são díspares. Serra apoia um projeto que está no Congresso, de parlamentarismo, provavelmente porque sabe que se houver eleição presidencial direta, ele não será nunca presidente no Brasil. Aécio, por sua vez, está numa posição em que ele gostaria que tivesse eleição ontem, porque ele mesmo também já está supostamente correndo risco de investigações que terão impacto. Já Alckmin seria o candidato natural em 2018. A presidente Dilma recém-eleita tinha uma popularidade um pouco mais de 50%, 60%. Caiu para menos de 10%, por dois fatores básicos. O primeiro deles é que a economia despencou, o desemprego “comeu solto”, e quem está mal eco – nomicamente não está satisfeito com o governo. O segundo é uma sensação quase generalizada em boa parte dos eleitores de que houve um estelionato eleitoral. O país onde eu gostaria de viver é o país da propaganda eleitoral da presidente, onde estava tudo perfeito, tudo maravilhoso. O que a presidente dizia é que se o seu adversário fosse eleito, no dia seguinte aumentaria o preço da gasolina, o preço da energia elétrica e subiria os juros. Foi tudo o que aconteceu uma semana depois de ela se reeleger.

 

Quando a crise acaba?

 

Começa a acabar quando resolvermos a crise política. O que consigo dizer com muita confiança é que, quando acabar, vai surpreender todo mundo a força inicial com a recuperação da economia brasileira. A crise não traz só problema, traz soluções. O conceito de supermercado nasceu na crise de 1929. As pessoas estavam sem dinheiro no bolso e um sujeito pensou: preciso vender mais barato. Se eu aumentar a escala, eu compro mais barato e vendo mais barato e, além disso, não vou vender um único produto. O cara vem e resolve tudo aqui. Nasceu o supermercado. Agora, em 2009, surgiram o Airbnb e a Uber. Essas duas empresas, quando tentaram nascer, não conseguiam dinheiro para financiar o lançamento, porque ninguém acreditava nelas. O pessoal dizia: “Não vai dar certo, quem vai enfiar um desconhecido em casa ou no carro? Ninguém. Imagina”. Até que, em 2008, explode a crise imobiliária americana, crise financeira; desemprego nos Estados Unidos, em 2009, chega a um maior nível em 30 anos. As pessoas estavam sem emprego, sem perspectivas, o carro e a casa parados. “Não estou fazendo nada, vou virar motorista da Uber”. Essas empresas nasceram em 2009, no auge da crise. O Airbnb vale hoje R$ 120 bilhões; e a Uber, R$ 240 bilhões. Só para colocar em perspectiva, a Petrobras, que tem 63 anos, até a semana passada valia R$ 72 bilhões.

 
 

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