Entevista de Ricardo Amorim à Revista Seja Mais: Economia sem Economês.

Revista Seja Mais

02/2012

Por Andréia Roma

 
Andréia Roma entrevista o Economista Ricardo Amorim
 
AR: Para começar, conte um pouco sobre o inicio da sua carreira acadêmica e qual é a fórmula ideal para comentar sobre economia de forma sucinta, objetiva e evitar o uso do economês? (Termo usado para identificar pessoas da área de economia que falam sempre em taxas, números e muitas vezes esquecem que o público, em geral, não se familiariza com essas siglas).
RA: Estudei economia na USP e, depois de ter trabalhado na área financeira da Rhodia e em uma consultoria econômica em São Paulo, fui para a França fazer uma pós-graduação em Finanças Internacionais pela ESSEC de Paris. Acabando minha pós, fui trabalhar na área de mercados emergentes do Société Générale em Paris. Meu primeiro dia em um banco, em 1993, foi meu batismo de fogo. Neste dia, os quatro maiores bancos da Venezuela quebraram e os mercados ficaram muito nervosos. Para completar, o principal operador do banco pediu demissão. Resultado, logo no primeiro dia, eu me vi operando em inglês e espanhol, enquanto pedia explicações, conselhos e ajuda a meus colegas do banco em francês, pois tinha pouquíssima noção do que estava fazendo. Quase desisti de trabalhar em banco no meu primeiro dia de tanto stress, mas acabei continuando a trabalhar no mercado financeiro na Europa, Brasil e EUA por quase 20 anos.
Esta experiência me deu a base analítica para conseguir antever tendências e transições econômicas importantes, mas, definitivamente, não me ensinou a falar sem jargões técnicos, muito pelo contrário.
Por sorte, na virada de 2002 para 2003, tive a oportunidade de me juntar ao time de comentaristas do Manhattan Connection, o que acabou sendo um treinamento sensacional para falar de assuntos complexos de forma simples, acessível e bem humorada, que, pelo que me dizem, acabou se tornando minha marca registrada. O segredo está em se colocar no lugar de quem ouve e passar a mensagem de uma forma que seja inteligível, interessante e, de preferência, aplicável no dia a dia de quem ouve.
 
AR: O governo brasileiro, nos últimos anos, enfrenta o seguinte dilema: Medidas como a redução da taxa de juros e o aumento da oferta de crédito com o objetivo de aumentar o consumo e auxiliar no crescimento da economia, gera também o aumento das chances da volta da inflação. Como lidar com esse paradoxo? Como alinhar essas três questões: crescimento do PIB, controle da inflação e controlar os gastos da máquina pública?
RA: A chave está na redução os gastos públicos. Se o governo fizer isso, a pressão inflacionária diminui, abrindo espaço para a redução das taxas de juros, o que estimula a expansão do crédito e o crescimento do PIB. Infelizmente, nos últimos 20 anos e, principalmente, nos últimos 10, o que tem acontecido é exatamente o contrário, com o governo gastando cada vez mais.
 
AR: Em estudos recentes, economistas diagnosticaram que à ascensão da nova classe média, durante o governo Lula, trouxe também um novo problema: o endividamento desta nova classe. Como por exemplo, financiamento de imóveis, carros e mensalidades escolares. Qual medida adotar para não prejudicar o bom andamento de setores, com a construção civil e a indústria automobilística e impedir o endividamento das famílias?

RA: A expansão do crédito e, por consequência do endividamento das famílias tem sido um dos principais motores do crescimento brasileiro e não há nada errado com isto. Apesar do crescimento dos últimos anos e ao contrário do que pensa a maioria, o endividamento das famílias no Brasil ainda é um dos mais baixos do mundo. O problema é outro. Apesar do endividamento ser ainda baixíssimo, o comprometimento da renda para pagar as dívidas é relativamente alto porque as taxas de juros no Brasil são absurdamente elevadas, o que me traz novamente à questão da redução dos gastos do governo. O Brasil tem uma das taxas de juros mais elevadas do mundo porque o governo gasta demais e, por isso, precisa financiar estes gastos e competir com famílias e empresas pelos recursos disponíveis. Se o governo gastasse menos e por consequência a demanda por financiamentos caísse, os juros cairiam e o comprometimento de renda das famílias deixaria de ser uma preocupação.
 
AR: Somos a 6º economia do mundo, ultrapassando o Reino Unido. Em breve, até 2015, de acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, seremos a 5º. Ainda assim, seis milhões de brasileiros vivem em condições análogas a pobreza. Quais os mecanismos para tentar diminuir essa diferença e alinhar crescimento do PIB com a melhoria nos índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)?
RA: Em primeiro lugar, já somos a 5ª e talvez mesmo a 4ª maior economia do mundo. As estatísticas oficiais não mostram isso porque não incluem a economia informal que é muito maior no Brasil do que na França e Alemanha, respectivamente a 5ª e 4ª maiores economias de acordo com as estatísticas oficiais. De qualquer forma, do ponto de vista de geração e negócios, que é o que interessa para os empresários, o Brasil já é maior do que a França e, talvez, já seja maior que a Alemanha também.
Com relação à distribuição de renda, pobreza e IDH, é importante compreender que todos os indicadores tem melhorado muito, mas, em alguns casos, saímos de níveis iniciais tão ruins, que eles ainda continuam fracos. Ainda assim, se as tendências se mantiverem, o que, provavelmente, irá acontecer, teremos mudanças profundas ao longo desta década. Por exemplo, se o ritmo de melhora de distribuição de renda no Brasil desde 1994 continuar por apenas 3 anos mais, em 2015, a distribuição de renda no Brasil será melhor do que nos EUA, algo que era inimaginável até recentemente e que pouca gente já se deu conta.
 
AR: O que esperar e de que forma tirar proveito da herança dos próximos eventos: Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas do Rio (2016) para o bom andamento das metas de desenvolvimento?
RA: Tenho estudado bastante estes temas e realizado algumas palestras sobre o assunto.
Ao contrário da maioria, estou convencido que a infraestrutura dos eventos estará muito mais pronta do que teme a maioria. A Copa do Mundo acontecerá apenas dois meses antes das eleições presidencial e para governadores. Um vexame nacional por falta de infraestrutura sepultaria as candidaturas dos atuais governadores e da própria Presidente. Além disso, uma série de fatores externos garantirá a disponibilidade dos recursos para que os investimentos necessários sejam feitos.
O que preocupa não é a disponibilidade de recursos para os investimentos, nem a capacidade de realiza-los. O que me preocupa na lentidão do planejamento dos eventos são duas coisas. Em primeiro lugar, quanto mais atrasadas as obras ficarem, mais caras elas acabarão sendo e maior, inclusive, o potencial de desvio de recursos públicos. Em outras palavras, nosso governo pode acabar com um grande e indesejável aumento de endividamento.
Em segundo lugar, precisamos começar ontem as ações para aproveitar a visibilidade que estes eventos nos dão antes, durante e depois da Copa. Outro dia me dei conta, de todas as sedes de Copa e Olimpíadas dos últimos 20 anos, houve apenas uma que eu não visitei no ano do evento ou um ano antes ou depois dele.
 
AR: Para finalizar, o que podemos esperar do ano de 2012? A crise que atinge a Europa e os EUA, assim como no ano de 2008 pode ser somente uma” marolinha”, ou será necessário uma maior intervenção do estado na economia, como nos anos de 2009 e 2010?
RA: 2012 não deve ser um ano fácil me nenhum lugar do planeta devido ao agravamento da crise europeia e seus impactos no resto do mundo.
Devido à letargia dos líderes europeus, recessão por lá em 2012 é praticamente uma certeza. Uma recessão branda é o cenário mais otimista. O cenário alternativo ̶ se os europeus forem incapazes de implementar uma resposta ampla e significativa aos desafios atuais ̶ é uma crise crônica de proporções superiores às causadas pelo colapso do banco Lehman Brothers em 2008.
No caso de um eventual processo generalizado de calotes de países europeus, a probabilidade de problemas financeiros mais sérios, similares aos causados pela quebra do Lehman Brothers, é muito grande.
Só que desta vez, o arsenal de combate à crise nos países desenvolvidos está praticamente exaurido. Ao contrário de 2009, não podem mais estimular suas economias com aumento de gastos públicos e redução de impostos. Agora, há uma crise fiscal que exigirá exatamente o contrário.
Também não terão como impulsioná-las reduzindo as taxas de juros. Elas já estão em 1% a.a. ou menos, em praticamente todos eles. O único instrumento de estímulo econômico que restou, o menos eficiente deles, é imprimir dinheiro – com efeitos colaterais na inflação e na taxa de câmbio, como todo brasileiro que viveu a década de 80 sabe.
Mesmo que mais calotes não ocorram e a Europa tenha apenas uma recessão branda, é bem provável que ela se estenda aos EUA. Desde 1948, toda vez que o crescimento trimestral americano caiu abaixo de 2% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, em seguida ele se tornou negativo. Quando o crescimento perde força, empresas param de contratar e investir, e bancos param de emprestar, aprofundando o próprio desaquecimento. No 3º trimestre de 2011, o PIB americano cresceu 1,4% em relação ao 3º trimestre de 2010. Paralisia política, cortes de gastos públicos e aumentos de impostos elevam ainda mais a probabilidade de recessão nos EUA em 2012.
Com Europa e EUA em recessão, só restaria o último dos pilares da economia mundial, a China. Infelizmente, a economia chinesa também está mais frágil do que em 2008. Então, o PIB chinês crescia 14% a.a. Agora, 9% a.a.. Além disso, a redução na oferta de crédito global causada por preocupações com a Europa, expôs problemas nas construtoras chinesas. Um eventual estouro de bolha imobiliária na China aumentará as dificuldades da economia global.
Em resumo, o mais provável é crescimento muito baixo no ano que vem e até uma pequena queda, se calotes ocorrerem na Europa.

LinkedIn
Facebook
Twitter

Relacionados