Entrevista do economista Ricardo Amorim sobre como se preparar para os efeitos da próxima crise no Brasil.

Revista Combustíveis & Conveniência
11/2011
Por Rosemeire Guidoni

 
O economista Ricardo Amorim foi um dos poucos que anteciparam a crise elétrica brasileira de 2001, a bolha imobiliária norte-americana de 2008 e a crise européia de 2010.
Em 2008, inclusive, Amorim deixou Nova York (EUA) e retornou ao Brasil, apostando que as dificuldades dos chamados países ricos seriam persistentes e as oportunidades de negócios no Brasil, mais interessantes. Assim, em 2009, após quase vinte anos de carreira no mercado financeiro internacional atuando nos EUA, Europa e Brasil – ele montou sua empresa, a Ricam Consultoria (www.ricamconsultoria.com.br), que presta assessoria econômico financeira, de investimentos e de estratégia para clientes no Brasil e no exterior.
 
Um timing, sem dúvida, muito bom. E agora, mais uma vez, o economista prevê um momento de crise global, desencadeada pela situação europeia. “Mas os impactos desta vez serão menores no Brasil.
 
Deveremos ter dois trimestres ruins, seguidos de recuperação”, disse ele, durante entrevista concedida à Combustíveis & Conveniência. Na avaliação de Amorim, a situação na Europa deve piorar, mas causará reflexos menores do que a crise de 2008. O preço dos combustíveis (tanto do petróleo quanto do etanol) cairá em um primeiro momento, mas deve voltar aos patamares atuais no final do ano que vem.
 
Amorim, que é formado em economia pela Universidade de São Paulo, com pósgraduação pela ESSEC de Paris, é também colunista da Revista IstoÉ e, desde 2003, um dos apresentadores do programa Manhattan Connection, do canal Globonews.
Além de palestrante renomado, entre um compromisso e outro dessa extensa agenda, Amorim conversou com a Combustíveis & Conveniência, antecipando tendências e mostrando sua visão sobre o que pode acontecer a este Questão de timing.
 
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
 
Combustíveis&Conveniência: Diante dos sinais de agravamento da crise externa, que reflexos podem ser esperados para o Brasil?
Ricardo Amorim: A crise deve trazer alguns impactos para o Brasil. E, provavelmente, terá uma amplitude muito maior. Estamos em um momento equivalente a setembro de 2008. Havia uma crise imobiliária nos Estados Unidos, que até então era específica do mercado norte-americano. O que aconteceu em meados de setembro, quando o banco Lehman Brothers quebrou, foi que, o que era uma crise imobiliária norte-americana, se transformou em uma crise global. E é provável que ocorra um processo parecido agora na Europa, com calote de alguns países europeus. A Grécia provavelmente será o primeiro, causando quebras bancárias desta vez na Europa.
A partir do momento que temos quebras bancárias, acontece uma forte contração de crédito em todo o mundo. Quando os bancos perdem muito dinheiro e são forçados a cortar o crédito a todos, incluindo a bancos brasileiros e empresas brasileiras, isto atinge a economia de forma negativa.
Um segundo impacto atingirá mais especificamente os exportadores brasileiros: o setor de agronegócios, de commodities em geral e o setor industrial. À medida que esta crise lá fora leva a uma recessão profunda, o consumo despenca; quando o consumo despenca, são compradas quantidades muito menores de produtos, inclusive do Brasil; e os preços acabam caindo também.
 
C&C: E isso deve afetar de alguma forma o mercado de combustíveis?
RA: O setor de combustíveis será atingido sim, mesmo que de forma indireta. Um dos impactos que a crise deve causar será uma queda muito forte dos preços internacionais dos combustíveis, o que implica uma redução inicialmente do preço do petróleo, muito significativa no mercado internacional. Isso pode levar a um impacto até positivo para o setor de combustíveis no Brasil, já que pode provocar uma queda no preço dos derivados aqui. O etanol deve ser negativamente impactado, seja por conta da queda do preço internacional do petróleo, seja por causa da queda do preço do açúcar no mercado internacional.
 
C&C: Falando em preços dos combustíveis, em outubro, o governo reduziu o percentual do etanol anidro na gasolina C e, com isso, a Petrobras terá de importar mais gasolina. Com maior porcentagem de gasolina na mistura, o combustível se tornaria mais caro para o consumidor, mas, para contornar este problema, o governo reduziu também a Cide. Como o senhor avalia a decisão?
RA: Poderia ser um problema se os preços, tanto do etanol quanto da gasolina, continuassem aumentando. Mas o que deve acontecer é que o agravamento da crise nos próximos meses vai fazer com que o preço dos combustíveis caia. Isso deve ocorrer tanto no caso do petróleo no mercado internacional, quanto em relação aos preços do açúcar e, por consequência, do etanol.
 
 C&C: Mas o governo tem um prejuízo de arrecadação por conta da redução da Cide e, ao mesmo tempo, a Petrobras paga mais caro pela gasolina importada do que vende no mercado interno. Isso não está gerando uma bolha de inflação prestes a explodir?
RA: A redução da Cide é momentânea. Do ponto de vista da arrecadação, não tem problema nenhum, pois ela está forte. E há grandes chances de reverter esta medida brevemente. Não vejo como problema fiscal para o governo, nem como medida que será necessária por um período muito longo.
Com a queda do preço internacional do petróleo, esta disparidade entre os preços lá fora que subiram, que é custo para a Petrobras, e preços internos estáveis, que é a receita da Petrobras, deixará de existir. O que aconteceu nos últimos meses foi que a margem da Petrobras foi corroída por estes problemas. É fato que isso prejudicou investimentos da empresa, como a construção de novas refinarias e o pré-sal, mas é algo momentâneo. A crise internacional vai passar, e a condição estrutural do mercado é de mais demanda por energia, vindo da Índia, Brasil e China, os grandes emergentes. É provável que, já no segundo semestre do ano que vem, o petróleo volte a subir e aí voltamos gradualmente à mesma situação que temos agora.
 
C&C: Se a demanda por combustíveis crescer muito mais rápido do que a oferta, que reflexos isso pode ter para o mercado?
RA: Este aumento de demanda já vem acontecendo desde a virada do milênio. Em 2001, o petróleo custava US$ 8 o barril e chegou a US$ 150 em 2008, retornou a US$ 40 e voltou a subir. Vamos ter o mesmo processo: este movimento estrutural de aumento de combustíveis, de tempos em tempos com crise eles caem, depois voltam a subir e oferta e demanda se equilibram. A crise reduz a demanda temporariamente, aí os preços caem. Existem políticas especulativas no mercado, que precisam ser revertidas quando os preços começam a cair.
 
C&C: Com a redução de preços dos combustíveis e o maior número de veículos em circulação, não existe uma tendência de aumento de demanda?
RA: Um dos reflexos da crise, primeiro, será a forte desaceleração de vendas de veículos por algum tempo, como aconteceu no último trimestre de 2008 e início de 2009. A venda de veículos depende muito de crédito e, sem crédito, deve ocorrer uma queda. Mas será temporariamente, pois esta redução de crédito deve durar de três a seis meses.
 
C&C: Mas nos últimos anos o número de veículos já aumentou significativamente. Em sua avaliação, a atual demanda por combustíveis no Brasil deve se manter ou haverá algum tipo de queda?
RA: A frota já cresceu, é fato, e isso explica o atual aumento de vendas dos postos. Mas a frota vai temporariamente crescer em ritmo mais lento e, em momentos de crise mais aguda, poderá haver uma substituição. Tem gente que usa hoje o carro para tudo, mas poderá optar por transporte coletivo ou esquemas de caronas, ou mesmo reduzir o ritmo de viagens e deslocamentos em geral. Tudo isso leva a algum impacto, embora limitado. O setor de combustíveis será impactado pela crise que vem aí, mas, por uma série de razões, como a expansão da frota, que já aconteceu, e o consumo, que não depende de crédito, esta atividade será pouco impactada no Brasil.
 
C&C: O novo IPI sobre os veículos importados deve contribuir para elevar a frota de veículos flex no Brasil. Que reflexos isso deve ter no mercado de combustíveis, neste momento em que o país tem uma queda na produção de etanol e até recorre à importação de gasolina?
RA: Provavelmente isso vai estimular o crescimento do setor de etanol. Mas é importante observar que a diferença do carro flex é a flexibilidade que ele permite ao consumidor. Ou seja, uma parte maior da frota poderá optar pelo combustível mais atraente, seja etanol ou gasolina. Não necessariamente o flex vai significar aumento de demanda de etanol, isso depende de preços.
 
C&C: Os produtores de etanol afirmam que a crise que o setor enfrentou este ano, e ainda enfrenta, tem várias causas. Além do fator agrícola em si, eles relatam a crise financeira do fim de 2008 como um dos motivos para a queda da produção neste ano. Diante da perspectiva de uma nova crise no crédito, quais as chances deste segmento se recuperar?
RA: De 2008 até agora, o setor sucroenergético passou pelas maiores chacoalhadas que provavelmente qualquer outro segmento sentiu. O preço do açúcar, que é o que determina este mercado, em 2008 estava no nível mais alto dos 30 anos anteriores. Quando veio a crise, o preço caiu para o mais baixo, também em 30 anos. Com isso, o produtor que plantou antes, com uma expectativa de preço mais alto, teve de vender mais baixo e se descapitalizou. Ao mesmo tempo, se somou a isso uma forte restrição de crédito e, basicamente, houve uma série de usinas com problemas financeiros graves. O que mudou de lá pra cá foram duas coisas: primeiro o preço voltou a subir e atingiu o patamar mais alto de toda a história, ultrapassando inclusive aquele nível de 2008, o que ajudou a melhorar a rentabilidade do negócio.
Em segundo lugar, boa parte das empresas que estavam com dificuldades foram compradas por empresas estrangeiras. Houve uma entrada muito grande no setor de empresas norte-americanas, francesas, chinesas, o que significa que a situação de capitalização do setor hoje é bem diferente do que era em 2008. Agora, este mercado deve ser temporariamente impactado por uma crise bem severa.
 
C&C: A maior demanda por energia pode trazer também um aumento da procura por biocombustíveis. Isso pode acarretar outros reflexos ao mercado, como elevação do preço de alimentos?
RA: Sim, pode trazer alguns reflexos. Porém, já temos aumento no preço dos alimentos, independentemente dos biocombustíveis. A demanda por alimentos cresceu no mundo, os países pobres estão melhorando e as pessoas passaram a comer melhor. Existe uma demanda maior por energia, mas também por alimentos.
A produção de biocombustíveis pode levar a um afastamento das culturas de alimentos, o que pode encarecer os alimentos por conta dos fretes. Mas, por outro lado, há locais que saem ganhando com a chegada de plantações. Na média, pode até contribuir para o encarecimento dos alimentos, mas as plantações voltadas para biocombustíveis não constituem o principal fator.
No caso dos Estados Unidos ou Europa, que produzem etanol a partir de grãos, a demanda por energia é somente mais um fator do encarecimento. Mesmo sem biocombustíveis, os alimentos iam aumentar, como ainda tem a questão dos biocombustíveis, aumenta mais ainda.
 
C&C: Esta perspectiva de crise deve significar algum tipo de perda para o varejo de combustíveis? É o momento de adiar investimentos?
RA: Definitivamente, investimentos que estão sendo feitos com financiamento de curto prazo devem ser adiados. Não é hora de assumir dívidas que terão de ser renegociadas daqui a seis meses ou um ano, já que existe uma possibilidade de menor disponibilidade de capital neste período. Ou seja, quando as empresas forem rolar a dívida, vão encontrar financiamentos mais desfavoráveis. Para evitar este risco, há duas soluções: ou tomar financiamentos com prazos maiores agora, para daqui a dois ou três anos, ou adiar investimentos. Para investimentos não fundamentais, adiar é a melhor alternativa.
 
C&C: E no caso de investimentos que não podem ser adiados, como reformas para adequação ambiental, necessárias para o licenciamento dos empreendimentos? Quais seriam as alternativas seguras hoje?
RA: Se o investimento não pode ser adiado, é interessante recorrer a financiamentos mais longos. Normalmente as linhas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) são as mais longas para este setor. Quem precisa de crédito tem de alongar os financiamentos agora, enquanto o crédito ainda está farto e disponível, pois pode ser que daqui a alguns meses não existam mais opções. Quem não precisa, não é o momento para se alavancar. Tente não se endividar neste momento.
 
C&C: E se o crédito encurtar, o que fazer?
RA: Se o posto tiver um problema de crédito, provavelmente terá de fazer uma rolagem da dívida e, se as condições de mercado estiverem parecidas com as atuais, ele fará mesmo com custos mais altos. O problema é se somar à situação dele um problema de crédito de todo o mercado. Ou seja, não haverá quem faça o empréstimo, e esta empresa pode se transformar na “presa” a ser abocanhada por alguém mais capitalizado no momento.
Aliás, para empresas que conseguirem se capitalizar agora, o que vai acontecer é que durante a crise vão surgir as melhores oportunidades de investimento, quando se consegue comprar por preços mais baratos. Para quem compra, é o melhor investimento. Para quem tem dinheiro, a hora é de ser cauteloso e esperar o momento de alguns terem dificuldades para conseguir fazer investimentos de expansão, para compra de concorrentes a custos muito mais favoráveis.
 
C&C: Que opções de investimento financeiro hoje podem ser consideradas seguras?
RA: É hora de ser defensivo, o que significa investir em renda fixa, ou basicamente em coisas líquidas, que permitam o saque do dinheiro logo, porque vão surgir ótimas oportunidades causadas pela crise. O capital deve ficar disponível caso o empresário queira aproveitar uma oportunidade para comprar um concorrente que passa por dificuldades, ou queira fazer outros investimentos, como em ações, que devem ficar muito baratas.
 
C&C: Para os postos de combustíveis, o cartão de crédito sempre foi considerado um problema, por conta das altas taxas. Diante de uma perspectiva de crise econômica, vale a pena renegociar algum tipo de dívida ou suspender parcerias?
RA: Seria o caso de negociar, mas aí entra a questão de quem depende mais de quem. O poder de barganha dos postos talvez não seja grande. A dificuldade que existe é de que, a menos que se tenha uma cadeia enorme de postos negociando de forma conjunta, e um faturamento tão grande que faça diferença para a administradora de cartões, um dono de posto que se recuse a aceitar cartões pode perder vendas, o que não vai fazer grande diferença para o cartão. O melhor caminho é os postos criarem algum tipo de associação ou cooperativa que negocie coletivamente. Enquanto as negociações são individuais, não têm força com as administradoras de cartões.
 
C&C: É um bom momento para se renegociar um contrato de locação de um posto? Você acredita que pode haver uma forte queda do mercado de locações vis a vis uma forte queda no preço dos imóveis, ou os imóveis permanecerão em patamares parecidos, em especial os comerciais em áreas metropolitanas?
RA: Não acredito que os preços dos imóveis ou os valores de locação sofrerão grandes mudanças nos próximos meses. Em particular, ficaria surpreso se houvesse quedas significativas tanto de preços de imóveis quanto de aluguéis. Portanto, não acredito que será possível renegociar contratos de locação.
 
C&C: Pode ocorrer um aumento da inflação estrutural no Brasil, ou seja, inflação advinda da falta de infraestrutura, em especial nas áreas metropolitanas?
RA: O mais provável é que a inflação caia de forma significativa, nos próximos trimestres, devido a um arrefecimento da demanda e a uma maior oferta de produtos no Brasil devido à recessão na Europa e nos Estados Unidos. A inflação só continuaria nos atuais patamares bastante elevados se, de uma hora para outra, a crise na Europa e o risco de recessão nos Estados Unidos deixassem de existir, o que até pode acontecer, mas é bastante improvável.
 
C&C: O que um posto de combustíveis pode fazer para reduzir seus custos de operação? Soluções como a permissão de abastecimento no sistema selfservice podem ser uma alternativa para isso?
RA: Sou completamente favorável ao self-service neste segmento. Historicamente, faltava emprego e sobrava gente pra trabalhar. Então, se criaram situações e legislações para gerar e garantir empregos, até mesmo em casos de necessidades bastante relativas – como é o caso dos postos de combustíveis. Hoje a realidade do país é diferente, existe uma grande demanda por mão de obra. Ou seja, no passado foi criada uma legislação com o intuito de preservar empregos, que hoje não é mais necessária. A legislação gerou empregos, mas gerou também custo para as empresas. O Brasil hoje está do lado contrário: falta mão de obra.
O país cresce muito e vai voltar a crescer após a crise e, por isso, não há mais necessidade de lei para preservar os empregos. Acho que pode haver uma legislação que permita a escolha para os postos, o self-service deveria ser opção.
O país terá como absorver estas pessoas em outros setores, como na construção civil. Mas, provavelmente, o momento desta medida não é agora, com a perspectiva de uma crise, pois traria impactos como o desemprego. Mas, daqui a um ano, o país teria todas as condições para isso.

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