03/2015
Revista Mirante Agronegócio
Em 2014, o agronegócio brasileiro teve um superávit na balança de pagamentos do país de US$ 80.13 bilhões, ao passo que o déficit da balança comercial brasileira foi de US$ 3.93 bilhões. O senhor concorda que o agronegócio tem sido a ‘salvação da lavoura’ do PIB brasileiro?
Sem dúvida nenhuma. Sem o superávit comercial do agronegócio, o Brasil não teria como financiar o déficit de US$ 120 bilhões que teve na balança comercial e produtos manufaturados no ano passado e estaria vivendo uma crise seríssima de balanço de pagamentos.
O atual cenário agrícola parece paradoxal: a alta do dólar traz impactos positivos sobre os preços dos grãos na safra 2014/2015, mas também impacta sobre os preços dos insumos, acarretando aumento do custo de produção para a safra 2015/2016. O que o setor terá pela frente?
Por ter tanto custos quanto receitas em dólar, o agronegócio brasileiro acaba tendo os efeitos da variação cambial no setor mitigados, mas isto não quer dizer que os efeitos sejam neutros. Em função dos desembolsos relativos a cada safra, altas do dólar podem ser mais benéficas ou mais negativas para o setor e mais especificamente para cada cultura dependendo do momento em que ocorrem. Além disso, altas do dólar costumam acontecer com cenário externo adverso e preços internacionais, cotados em dólar, relativamente baixos para a maioria das culturas, como é o caso atual.
Na prática, as fortes oscilações da taxa de câmbio podem ser uma grande razão de riscos, mas também de oportunidades para o produtor dependendo de como ele lida com ela. Se ele aproveitar momentos de dólar alto para, através do mercado futuro, travar taxas favoráveis a conversão de suas receitas dolarizadas em reais e momentos de dólar baixo para travar seus custos dolarizados de insumo, as oscilações cambiais podem ajudar a rentabilizar os negócios. Através da Ricam Consultoria, eu mesmo tenho auxiliado alguns clientes do setor a fazerem isso nos últimos anos, com ótimos resultados.
Lançando um olhar sobre o mercado externo, que perspectivas se apresentam para as commodities agrícolas brasileiras?
A economia mundial está vivendo um momento delicado, com os EUA tendo um desempenho favorável em 2014, mas a economia chinesa desacelerando, enquanto Europa, Japão, Brasil e Rússia viveram recessões.
Neste ano, o que se vê é o contrário, com sinais de desaceleração nos EUA, mas alguma recuperação na Europa e no Japão e a princípio a economia chinesa se estabilizando.
No entanto, há riscos importantes no cenário externo que, se concretizados poderiam desencadear uma nova crise financeira global, encarecendo muito e limitando temporariamente a oferta de recursos para financiamentos de empresas e cooperativas brasileiras – como o que aconteceu no final de 2008 e início de 2009. Só para ficar nos riscos mais importantes, podemos ter a saída da Grécia e, eventualmente outros países da Zona do Euro, uma eventual saída da Grã-Bretanha da União Europeia, uma crise imobiliária e de crédito na China e o estouro de uma bolha acionária nos Estados em resposta à elevação de juros por lá, sem nem falar em crises em países emergentes, como a Rússia, entre outros.
Em resumo, como incertezas tão grandes é provável que o preço das commodities passe por fortes oscilações novamente ao longo deste ano.
No ano passado, o Brasil conseguiu retomar mercados importantes para o agronegócio e abrir novos mercados internacionais, especialmente no segmento de carnes. Como o senhor vê a atuação institucional do governo brasileiro para vender nossos produtos lá fora?
De fato, o Brasil se beneficiou da abertura de mercados internacionais para nossa carne em função de um bom trabalho de diplomacia comercial e também de uma série de problemas e dificuldades vividos por nossos concorrentes argentinos nos últimos anos.
No momento, a dúvida que fica é quanto foco o governo conseguirá ter nisso, enquanto tem de lidar com uma forte crise política e um péssimo desempenho econômico que mina sua base de apoio junto aos eleitores. Além disso, a imagem brasileira saiu manchada pelas denuncias do Petrolão, ao que o jornal americano New York Times se refere como o maior caso de corrupção da história do planeta.
No atual ritmo da economia brasileira, o que o senhor sinaliza para o Brasil nos próximos cinco anos e como o senhor situa o agronegócio neste cenário?
Infelizmente, a situação da economia brasileira como um todo ainda vai piorar antes de melhorar ao longo deste ano, mas pela primeira vez em cinco anos, podemos terminar o ano melhor do que começamos e com perspectivas melhores para os próximos anos. Se arrumarmos a casa em 2015, retomando a confiança de empresários e consumidores, podemos retomar um ciclo de crescimento mais acelerado no final do ano e nos anos seguintes.
Temos de separar 2015 dos anos seguintes. O desempenho da economia em 2015 será ruim. 2016 certamente será um ano melhor do que 2015, mas o quanto melhor dependerá da profundidade dos ajustes que forem feitos em 2016. Quanto mais profundos os ajustes em 2015, mais a economia sentirá neste ano, mas mais fortemente ela se recuperará em 2016 e nos anos seguintes. A questão é se faremos ou não os ajustes necessários para que os anos seguintes sejam melhores, possivelmente muito melhores. Ainda não temos uma resposta a esta questão. Por um lado, a nova equipe econômica tem o diagnóstico correto. Por outro, o apoio político, tanto por parte da Presidente quanto do Congresso à adoção das duras medidas necessárias, parece longe de garantido.
O agronegócio, como todos os demais setores da economia brasileira, é impactado tanto negativa quando positivamente dependendo do desempenho da economia, mas por ser mais aberto que outros setores ao comércio internacional, seu desempenho está mais diretamente correlacionado ao da economia mundial do que apenas à economia brasileira, o que em momentos difíceis da economia brasileira, como o atual, é uma grande vantagem.
Qual a recomendação que o senhor daria aos agricultores e empresários do setor agrícola diante das circunstâncias atuais de economia e mercado?
Independentemente do setor, há uma grande oportunidade de se fazer ajustes que permitirão um crescimento mais acelerado e sustentado quando a situação econômica melhorar. Nos períodos de bonança, o barco se move rapidamente sem que sequer tenhamos de cuidar de suas velas. Tornamo-nos displicentes, preguiçosos e acomodados. Com a economia crescendo 5% a.a. em média entre 2004 e 2008, dezenas de milhões de brasileiros sendo incorporados aos mercados de trabalho e de consumo e a demanda por produtos brasileiros no exterior batendo recordes, salários subiam acima da inflação, os lucros das empresas cresciam e os desequilíbrios das contas públicas pareciam controlados, apesar de corrupção e gastos galopantes.
O cessar dos ventos, ou neste caso do crescimento, expôs a insustentabilidade destas situações. Salários só sobem acima da inflação se a produtividade cresce. Para ganhar mais, o trabalhador tem de produzir mais. Caso contrário, seu produto ou serviço ficará cada vez mais caro e acabará não sendo mais comprado, a empresa perderá dinheiro e o trabalhador, o seu emprego. Sem nenhum programa nacional amplo e profundo de automação e qualificação de mão de obra, a produtividade brasileira estagnou desde 2011. É responsabilidade do governo e de cada empresa criar programas assim, mas, se queremos ganhar mais, também cabe a cada um de nós nos qualificarmos independentemente das políticas do governo e das empresas em que atuamos.
Nas empresas, o período de bonança levou muitas a esquecerem seus propósitos e focarem em ganhos de curto prazo. Adeus inovações, melhoria de processos, produtos e serviços ou geração de oportunidades de crescimento para seus colaboradores.
As empresas que se perpetuam são aquelas capazes de se fortalecerem em ambientes desafiadores. Nos períodos de seca, os erros das épocas de abundância são expostos. Se corrigidos, o sucesso das empresas a longo prazo será garantido.
Enfim, é hora de controlar custos, evitar endividamentos excessivos e focar em inovações que melhorem a atratividade dos produtos e serviços que a empresa oferece para que ela saia fortalecida da crise.
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo a revista Forbes internacional e uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil segundo a Forbes Brasil.
Perfil no Twitter: @ricamconsult.