Entrevista de Ricardo Amorim para o Agrovalor: O boom do agronegócio brasileiro vai continuar

AgroValor

01/2014

Por Rogério Morais

 
O campo com mais tecnologia e maior renda para o agricultor. Essa é a síntese o pensamento do economista Ricardo Amorim sobre a evolução do agronegócio brasileiro nos últimos anos. Presidente da Ricam Consultoria, Amorim afirma que, por outro lado, o Brasil fraqueja nas relações internacionais no trato com o comércio exterior. Para ele, as decisões foram tomadas para fortalecer o governo regionalmente, politicamente, “mas enfraqueceram as nossas condições de negócios”. Nessa entrevista exclusiva ao AgroValor, em Fortaleza, após uma palestra para dirigentes de portos, o host do ‘Manhattan Connection’, da Globo News, considera que “o Brasil tem algumas vantagens competitivas importantes” nos negócios rurais, e acredita que os recordes de produção de grãos vão continuar a se repetir – e não somente na soja.
 
AgroValor – Como o sr. analisa a superprodução de soja no Brasil e a tendência de ultrapassar a produção desse produto nos Estados Unidos?
Ricardo Amorim– Isso é o reflexo de algumas coisas. O Brasil tem algumas vantagens competitivas importantes. A primeira é a disponibilidade de terras; Hoje, 40% da área de fronteira agrícola não plantada no mundo estão no Brasil. Percebemos isso acontecendo significativamente. Existem áreas no Pará, no Maranhão, no Piauí, no Tocantins, na Bahia, crescendo muito de produção, e isso permitiu que o Brasil superasse os Estados Unidos.
 
AgroValor – E quais são as outras vantagens?
Amorim – O segundo fator que nos ajuda é a disponibilidade de água doce. O Brasil tem 20% da água doce disponível no planeta. O que isso significa é que, com o ganho de produtividade, com o desenvolvimento que aconteceu nos últimos anos, com mais investimentos, o agricultor ficou mais capitalizado, investiu mais em máquinas e equipamentos. Com mais produtividade, mais terras, mais produção e água, temos essas safras recordes que estamos colhendo a cada ano.
AgroValor – O Brasil, na produção de soja, vem batendo recordes seguidos com um aumento médio de 10% no crescimento. O sr. acha que a tendência ainda é esse mesmo ritmo de crescimento?
Amorim – Eu acredito que sim. A taxa atual de crescimento de produção agrícola no Brasil deve continuar parecida nos próximos anos, não só em soja, mas nas outras culturas, onde estão acontecendo processos parecidos. A situação mais marcante, na realidade, é a do milho. O que era a safrinha, a segunda safra, hoje é maior do que a primeira. Então, isso mostra que os ganhos que estamos tendo não é somente de terra, que é muito importante essa expansão de área. Mas o que muitos brasileiros não sabem é que apenas 4% da área brasileira hoje são cidades, o resto é área disponível. E que atualmente é utilizada com a pecuária extensiva. Se mudarmos o modelo pecuário para criação intensiva, e com a liberação de terras para serem plantadas, o ganho será brutal.
 
AgroValor – O sr. falou em sua palestra em gargalos do agronegócio. Quais são esses problemas?
Amorim – O principal ainda é o custo dos transportes. A produção vem se expandindo em áreas onde muitas vezes a disponibilidade de transporte é mais cara. O que vejo de interessante nisso: as pessoas estão buscando novos modais de transporte. O custo Brasil nesse setor é muito alto. No governo Lula, por exemplo, o transporte foi esquecido. Falta investimento nos transportes ferroviários, mas já há alguns projetos interessantes, inclusive em Mato Grosso, com financiamento chinês, que eu acredito ser uma grande novidade. Os nossos problemas de logística viraram problemas para a China, pois, na medida em que não temos como fazer o nosso produto chegar lá, isso começa a atrapalhar o desenvolvimento deles. Para resolver isso, eles estão começando a financiar aqui, o que eles financiaram na
África impiedosamente.
 
AgroValor – E na bovinocultura, outro bom desempenho do agronegócio brasileiro, o sr. visualiza também novas tendências de crescimento?
Amorim – O crescimento é generalizado, embora, particularmente, o impacto tenha sido maior nas Regiões Centro-Oeste e Norte, porque eram regiões onde esse setor era mais crescente. Mas, mesmo na Região Nordeste, há coisas interessantes. Por exemplo, a cidade brasileira que hoje tem a maior parte de sua renda vinda do agronegócio não está no Centro-Oeste nem no Norte, está na Bahia [Barreiras]. Então isso já é uma grande revolução.
 
AgroValor – Como o sr. avalia a mão de obra rural no Brasil, atualmente?
Amorim – Como todo resto de mão de obra brasileira está em um processo de desenvolvimento. Tínhamos, temos ainda, uma mão de obra – via de regra – pouco qualificada, estamos importando técnicos de nível superior, engenheiros estão vindo para o Brasil. Mas eu acho que está acontecendo uma melhoria. Eu diria, no entanto, que no setor agrícola o avanço maior não foi a qualificação da mão de obra, e sim na parte de equipamentos.
 
AgroValor – Como o sr. avalia os cursos oferecidos pelo governo federal no Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec)?
Amorim – Sem dúvida, de forma positiva, porque uma das coisas que isso ajudou foi no investimento e na compra de máquinas e equipamentos. Provavelmente sem o programa não haveria essas demandas por investimentos.
 
AgroValor – Fale sobre a competitividade do Brasil com o resto do mundo, observando a questão da nossa sanidade no meio rural e a diplomacia do Estado como exterior?
Amorim – O Brasil valorizou mais as questões políticas do que negócios, então, muitas vezes, as decisões foram tomadas para fortalecer o governo regionalmente, mas enfraqueceram ou pioraram as nossas condições de negócios. Em relação ao agronegócio, começamos a levar para a África sementes que são adaptadas ao clima tropical. Isso é interessante, porque onde o consumo de alimento mais cresce – e crescerá nas próximas décadas – é na Ásia. A África está mais perto da Ásia do que nós. Isso é um ganho nos custos de transportes. Mas esse negócio o Brasil também fez [no passado] no ciclo da borracha. O Brasil levou a borracha para a Indonésia e ela nos tirou do negócio.
 
AgroValor – O sr. Apontaria algum nicho do setor do agronegócio no Brasil, na produção de proteína ou não, como a ovinocultura ou a piscicultura, que pode dar um salto diferenciado de crescimento?
Amorim – Na piscicultura isso já está acontecendo. Uma das coisas que estamos aproveitando é exatamente a força que já temos na produção de soja e de milho para agregar mais valor à produção. E isso, principalmente, é verdade, pois a produção está no interior. O que acontece é que, na hora em que se exportam grãos, o custo do transporte é elevado e acaba levando uma parte muito grande da rentabilidade em infraestrutura. Quando se agrega mais valor é quando se coloca proteína animal. O que se faz é colocar uma parte menor de sua margem em transporte, essa é uma tendência natural.
 
AgroValor – E no setor de ovinos, que o Brasil importa boa parte do seu consumo interno?
Amorim – Não sei se temos as vantagens competitivas na parte de produção de ovinos. Eu tenho as minhas dúvidas sobre essas qualidades. Também nenhuma nação tem essas necessidades que o Brasil tem.
 
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