Entrevista de Ricardo Amorim à Revista Mundo Cooperativo: "Há oportunidades na economia brasileira ainda em 2015 para quem focar nos clientes, setores e regiões certos."

02/2015

Revista Mundo Corporativo

RICARDOAMORIM46

Créditos ao Ricardo Correa
 
Quais os desafios a serem vencidos pelas cooperativas/empresas neste ano?
 
O mau desempenho da economia brasileira e a crise hídrica. Um racionamento brando de água e energia elétrica deveria ter começado no ano passado, forçando empresas e pessoas a reduzirem o consumo de água e energia. No entanto, como era um ano eleitoral, não só isto não aconteceu, mas tanto o governo federal quanto os estaduais esconderam a gravidade do problema, fazendo com que empresas e pessoas físicas não se preparassem para lidar com ele. Por isso, o ajuste agora terá de ser muito mais radical, com consequências muito mais drásticas. No caso do setor elétrico, há uma outra causa ainda mais grave. A crise atual foi causada em grande medida pela desastrada tentativa do governo de reduzir o preço da energia no Brasil, que reduziu sensivelmente a rentabilidade no setor, levando a redução de investimentos em geração e transmissão de energia, que se tivessem ocorrido, teriam nos deixado em uma situação muito mais confortável agora.
 
As medidas que estão sendo propostas agora, como tantas que vêm sendo adotadas nos últimos anos no país, são meros paliativos que lidam com as consequências dos problemas que estamos vivendo, mas não com suas causas. Por exemplo, uma melhora da regulamentação do setor elétrico seria fundamental para que vários projetos de investimento que foram engavetados nos últimos anos pudessem se transformar em realidade, evitando que nos próximos anos continuemos a lidar com os mesmos problemas no setor elétrico que estamos vivendo agora.
 
 Frente às mudanças implementadas na coordenação da economia em âmbito federal, o que esperar em termos econômicos e financeiros?
 
Espero que estas mudanças corrijam uma série de desequilíbrios que se formaram principalmente nos últimos quatro anos. Infelizmente, 2015 será mais um ano difícil, provavelmente com uma pequena queda do PIB.
 
O ajuste das contas públicas, por exemplo, é inevitável, mas o aumento de impostos e o corte de gastos públicos são inicialmente recessivos, retirando dinheiro da economia em 2015, também limitando o crescimento.
 
No entanto, se arrumarmos a casa em 2015, retomando a confiança de empresários e consumidores, podemos retomar um ciclo de crescimento mais acelerado no final do ano e nos anos seguintes. Em resumo, vai piorar antes de melhorar, mas pela primeira vez em cinco anos, podemos terminar o ano melhor do que começamos e com perspectivas melhores para os próximos anos.
 
Estas medidas e a nova equipe econômica são a potencial salvação do governo Dilma. Havia uma necessidade clara de mudança de modelo de política econômica. A questão crucial é se a Presidente deixará a equipe econômica adotar as medidas que são necessárias.
 
 Quais indicadores devem melhorar, quais devem piorar e quais não devem ser afetados? (dólar, geração de emprego, etc.)
 
Infelizmente, em 2015, a piora de indicadores será generalizada. Teremos elevação da inflação, dos juros, do dólar e do desemprego. Só quem cairá será o PIB.
 
Os ajustes necessários são dolorosos. Como um doente que tem câncer e precisa passar por uma quimioterapia, antes de nos sentirmos melhor, vamos nos sentir ainda pior do que antes por conta dos efeitos colaterais do tratamento. A questão é que se o tratamento não for feito, o doente morre.
 
A inflação, por exemplo, não está apenas elevada, está grávida. O dragãozinho dos preços controlados pelo governo nasce agora, após as eleições. Há anos, os preços de ônibus, metrô, gasolina, energia elétrica e outros têm sido represados para conter a inflação e as manifestações de rua. Estes preços terão de ser realinhados para evitar o colapso dos serviços e contas públicas.
 
Só a diferença entre o preço internacional do petróleo e os preços nacionais de seus derivados custava à Petrobrás mais de R$ 40 bilhões anuais até o ano passado. A utilização de usinas termoelétricas para geração de energia elétrica custará de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões só neste ano. Os reajustes pressionarão a inflação, forçando o Banco Central a aumentar ainda mais os juros, que já estão no nível mais alto desde 2011, limitando o crédito e reduzindo o crescimento econômico. Ainda assim, a inflação deve se manter elevada, provavelmente permanecendo próxima a 7% e, possivelmente, chegando até a casa dos 8% no caso do IPCA.
 
 O que recomenda para as cooperativas/empresas se precaverem dos prejuízos previstos para o ano?
 
Foquem em clientes em setores e regiões que terão desempenho melhor. Por exemplo, as expectativas para os setores de comércio e serviços são bem piores do que eram até 2012, mas bem melhores do que para a indústria. A desaceleração econômica tem atingido todos os setores e em 2015 não deve ser diferente, mas ao contrário da indústria que sofre concorrência direta com produtos estrangeiros, boa parte dos setores de serviços e comércio está blindada da concorrência externa e, por isso, tem um desempenho melhor. Exatamente por isso, desde 2004, em todos os anos sem exceções, o crescimento dos setores de comércio e serviços foi maior do que o da indústria e em 2015, não deve ser diferente.
 
Da mesma forma, o interior dos estados tem crescido mais do que as capitais há mais de 10 anos em função do bom desempenho do agronegócio e isto se repetirá em 2015. Também pelo impacto positivo do agronegócio na economia da região como um todo, a região Centro-Oeste é a que mais cresce no país há mais de uma década, seguida pelas regiões Norte – favoravelmente impactada pela expansão da fronteira agrícola, grandes projetos de mineração e programas de distribuição de renda do governo – e Nordeste – primordialmente devido ao impacto gerador de renda do Bolsa-Família. Estas três regiões terão um desempenho melhor do que o PIB brasileiro também em 2015, enquanto as regiões Sul e Sudeste, mais industrializadas, provavelmente terão um desempenho ainda mais fraco do que o do PIB.
 
 2016 deve ser melhor? Em que aspectos?
 
2016 certamente será um ano melhor do que 2015, mas o quanto melhor dependerá da profundidade dos ajustes que forem feitos em 2016. Quanto mais profundos os ajustes em 2015, mais a economia sentirá neste ano, mas mais fortemente ela se recuperará em 2016 e nos anos seguintes. Ao longo do primeiro mandato do governo Dilma. Entre 183 países, o Brasil ficou apenas em 163º lugar em crescimento da renda per capita. Fomos o país que menos cresceu em toda a América Latina nesses quatro anos e a América Latina só não cresceu menos do que a Europa neste período. Aliás, nos últimos quatro anos, o Brasil só não cresceu menos do que países europeus em crise e países africanos em guerra civil. Por isso, é tão grande a necessidade de ajustes profundos e mudanças que alavanquem a competividade da economia brasileira, incluindo redução da carga e simplificação das legislações tributária e trabalhista, aumento de investimentos em infraestrutura, melhora da qualificação da mão de obra, investimentos em mecanização da produção no Brasil, entre outras.
 
Em resumo, sabemos que o desempenho da economia em 2015 será péssimo a questão é se faremos ou não os ajustes necessários para que os anos seguintes sejam melhores, possivelmente muito melhores. Ainda não temos uma resposta a esta questão. Por um lado, a nova equipe econômica tem o diagnóstico correto. Por outro, o apoio político, tanto por parte da Presidente quanto do Congresso à adoção das duras medidas necessárias, parece longe de garantido.
 
 Como se preparar para passar pela atual fase com o menor impacto possível?
 
Controlando custos, evitando endividamentos excessivos e focando em inovações que melhorem a atratividade dos produtos e serviços que a empresa ou cooperativa oferece.
 
 O que recomenda que as cooperativas/empresas não façam?
 
Endividar-se de forma exagerada e a prazos curtos. Além do mau desempenho da economia brasileira em 2015 e da elevação da taxa de juros por aqui, que são certos, há riscos importantes no cenário externo que, se concretizados poderiam desencadear uma nova crise financeira global, encarecendo muito e limitando temporariamente a oferta de recursos para financiamentos de empresas e cooperativas brasileiras – como o que aconteceu no final de 2008 e início de 2009. Só para ficar nos riscos mais importantes, podemos ter a saída da Grécia e, eventualmente outros países da Zona do Euro, uma eventual saída da Grã-Bretanha da União Europeia, uma crise imobiliária e de crédito na China e o estouro de uma bolha acionária nos Estados em resposta à elevação de juros por lá, sem nem falar em crises em países emergentes, como a Rússia, entre outros.
 
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo a revista americana Forbes.
 
Perfil no Twitter: @ricamconsult.
 
 

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