Creci-SP
02/2013
Por Sonia Servilheira
1. O senhor acredita que as condutas do governo com relação à redução de juros e ao incentivo à produção imobiliária poderiam causar uma bolha no País? Por quê?
Por enquanto, este risco no Brasil ainda é baixo porque o volume de crédito imobiliário no Brasil ainda é cerca de dez vezes menor o nível mais baixo em que bolhas imobiliárias estouraram no mundo desde o início do século passado.
No entanto, se tais medidas forem mantidas por muito tempo, principalmente se o governo andar descuidando do combate à inflação, como tem ocorrido recentemente, o que potencialmente pode exigir um súbito aumento de juros no futuro, podemos passar por problemas daqui a alguns anos.
2. Em outros países onde essa bolha imobiliária já ocorreu, como EUA e Espanha, o governo foi o principal culpado?
Os governos foram os principais culpados porque são eles os responsáveis por definir a regulamentação do setor e, não só eles não tomaram medidas para evitar a formação das bolhas, mas em vários casos, tomaram medidas que incentivaram as bolhas, como por exemplo, nos EUA, o completo abatimento de pagamentos com juros de financiamento de um primeiro imóvel do imposto de renda.
Isto não significa, no entanto que outros grupos não tenham contribuído e se beneficiado do processo de formação das bolhas imobiliárias. Bancos, por exemplo, lucraram financiando as vendas e, a seguir criando e vendendo produtos a partir dos recebíveis imobiliários. Compradores se beneficiaram comprando imóveis que não cabiam em seus orçamentos e vivendo com mais conforto do que suas rendas permitiriam. Construtoras construíram e venderam mais do que poderiam e deveriam, assim como corretores de imóveis, que em muitos casos também ajudaram a difundir a falsa percepção de que investimentos em imóveis não teriam riscos – o que, aliás, não é verdade nem para investimentos, nem para nenhum outro investimento.
3. O aquecimento do mercado e a elevação dos preços já seriam suficientes para causar a bolha ou há necessidade de outros fatores? Quais?
Não. Sem uma forte disponibilidade de crédito, não há bolhas imobiliárias porque é o crédito que permite que as pessoas comprem algo que sua renda não permitira. Desde 2008, venho refutando alegações de que o Brasil tem uma bolha imobiliária prestes a estourar. De lá para cá, os preços dos imóveis dobraram, triplicaram ou subiram ainda mais, justificando um estudo mais aprofundado.
Analisei as bolhas imobiliárias de todos os países para os quais consegui dados desde 1900. Ignorei apenas bolhas imobiliárias regionais como, por exemplo, a causada pela busca do ouro no oeste americano.
Algumas conclusões saltam aos olhos. Primeiro, bolhas imobiliárias costumam envolver forte atividade de construção. Para tornar os dados de construção comparáveis entre diferentes países e períodos, analisei o consumo anual de cimento, per capita, em cada país no ano em que a bolha estourou. Não encontrei nenhum estouro de bolha com consumo anual de cimento inferior a 400 Kg per capita. Na Espanha, passou de 1.200 Kg e há casos, como na China atual, de consumo ainda superior, 1.600 Kg, sem estouro de bolha. No Brasil, minha estimativa é de que hoje estamos em 349 Kg.
Segundo, uma bolha imobiliária sempre se caracteriza por preços muito elevados em relação à capacidade de pagamento das pessoas. Considerando-se quantos anos de salários são necessários para comprar um imóvel de preço médio nas principais cidades do mundo, nenhuma cidade brasileira está hoje entre as 20 mais caras. Por outro lado, Brasília, Rio de Janeiro, Salvador e Balneário Camboriú estão entre as 100 mais caras. Entretanto, mesmo por esse parâmetro, Brasília, a mais cara do país, ainda é duas vezes e meia mais barata do que Rabat, no Marrocos, a mais cara do mundo.
O ar que infla qualquer bolha de investimento, imobiliária ou não, é sempre uma abundante oferta de crédito. Ela possibilita que investidores comprem algo que não poderiam apenas com suas rendas. Todas as bolhas imobiliárias que encontrei estouraram quando o total do crédito imobiliário superava 50% do PIB e, em alguns casos, passava de 130% do PIB. Nos EUA, em 2006, um ano antes dos preços começarem a cair, era de 79% do PIB. No Brasil, apesar de todo crescimento dos últimos anos, este número é hoje de 5% do PIB.
Aliás, é sempre uma súbita ruptura na oferta de crédito, normalmente associada a uma forte elevação do custo deste crédito, que faz com que bolhas estourem. No Brasil está acontecendo exatamente o contrário. O crédito imobiliário está em expansão e o seu custo em queda.
Por tudo que pesquisei, concluo que é bastante improvável que haja um estouro de bolha imobiliária no Brasil em breve.
4. O senhor acredita que, no Brasil de hoje, o investimento em imóveis apresenta retorno compatível com o desembolso realizado?
Cuidados sempre devem ser tomados e cada investimento deve ser analisado segundo suas peculiaridades – preço, localização, características, etc – mas as perspectivas para o mercado como um todo continuam positivas.
Nos últimos anos, investimentos em imóveis e fundos imobiliários tiveram desempenhos espetaculares. É provável que nos próximos anos, o retorno de investimentos parecidos seja menor, mas ainda maior do que da maioria das outras opções de investimentos disponíveis no país. Os preços dos imóveis subiram no Brasil devido a aumento de oferta e aumento de custos tanto de mão de obra quanto de terrenos e materiais. Como todos estes fatores devem continuar, é provável que os preços subam mais. Por outro lado, dificilmente os preços dos imóveis continuarão subindo no ritmo dos últimos anos. Os preços atuais já estão mais elevados; em alguns casos específicos, até altos para padrões internacionais.
O mais provável, são altas mais modestas, às vezes bem mais modestas. Em alguns casos, até pequenos ajustes de preços para baixo são possíveis e salutares. São exatamente eles que garantiriam que bolhas não estourem no Brasil mesmo em um futuro mais distante.
O desempenho específico de cada investimento imobiliário depende da cidade, da localização na cidade e das características de cada imóvel, mas cada um dos subsetores – residencial, comercial, de lotes, condomínios ou hotéis – quando considerados em sua totalidade deve ter bom desempenho. O setor residencial vai continuar a se beneficiar de um grande déficit habitacional, o comercial e o de lotes do crescimento do mercado e da chegada crescente de empresas estrangeiras e o setor hoteleiro do crescimento do turismo de lazer, impulsionado pela Copa do Mundo e as Olimpíadas e do comércio de negócios.
Além disso, a queda dos juros barateia as prestações para compra de imóveis, possibilitando que mais gente possa comprar imóveis e, portanto, aumentando a procura por imóveis. Além disso, do ponto de vista dos investimentos, juros mais baixos reduzem o custo de oportunidade dos investimentos em renda fixa, tonando demais investimentos, imóveis inclusive, mais atraentes.
5. Para o próximo ano, como enxerga que o mercado imobiliário ficará no País?
Como tenho realçado em palestras nos últimos meses, as perspectivas para o mercado imobiliário tanto no Brasil quanto em São Paulo ainda são bastante positivas, uma vez que os principais motores de expansão do mercado – aumento de oferta de crédito e crescimento econômico sustentado – devem continuar.
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo o Klout.com.