Entrevista do consultor Ricardo Amorim ao jornal Tribuna do Norte: empresas devem se voltar ao mercado interno.

Jornal Tribuna do Norte
10/12/2011
Por Isaac Lira

 
Empresas devem se voltar para o mercado interno.
 
A crise na Europa e nos Estados Unidos se aprofundará. Por consequência, qualquer aposta calcada na venda de produtos brasileiros para esses países precisa ser vista com cuidado. Esse é o diagnóstico do economista, consultor e comentarista do Programa Manhatan Connection, Ricardo Amorim, para os próximos anos da economia brasileira e mundial. Segundo Amorim, o mercado interno pode e deve ser um caminho para a economia brasileira no futuro. “Esta década será muito difícil nas economias desenvolvidas, o que as levará a consumir e importar menos. A crise financeira minou a capacidade de consumo de americanos, europeus e japoneses”, diz.
 
Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Ricardo Amorim analisa dois projetos no Rio Grande do Norte – a ZPE e o novo aeroporto – sob esse prisma. “Os consumidores brasileiros e em especial do Nordeste e do Rio Grande do Norte, vão se beneficiar de um maior acesso a produtos, mas nossas empresas não se beneficiarão muito de um maior acesso a consumidores europeus por algum tempo”, diz, a respeito da possibilidade de alavancar a economia a partir de exportações no Aeroporto de São Gonçalo. Entre outros assuntos, Ricardo Amorim falou sobre as deficiências em infraestrutura no Brasil e nas possíveis saídas para a crise na Europa.
 
O Rio Grande do Norte ganhará um novo aeroporto, prometido para ser um marco na infraestrutura do Estado. Qual a importância para o Brasil de viabilizar mais empreendimentos como esse? Ainda falta infraestrutura para dar mais competitividade à produção no país?
 
Hoje, infraestrutura é nosso maior gargalo de crescimento e continuará a ser nos próximos anos, mas estou convencido que uma quantidade brutal de investimentos que atrairemos para o setor transformará completamente a infraestrutura brasileira ao longo da década.
 
O principal meio de transporte de pessoas e mercadorias no Brasil ainda é o rodoviário. O senhor vê perspectivas de mudança, vê sinalizações de investimentos em outros modais? Seria importante diversificar a forma de transporte?
 
Investimentos em portos, aeroportos, ferrovias e hidrovias são absolutamente fundamentais, mas isto não significa que devamos abandonar os investimentos em rodovias, muito pelo contrário. Não devemos confundir fortalecimento dos demais modais com enfraquecimento do transporte rodoviário no Brasil.
 
Quais são os principais entraves para a continuidade do crescimento econômico experimentado pelo país nos últimos anos?
Vários fatores retardam nosso ritmo de crescimento, incluindo infraestrutra precária, carga tributária excessiva, regulamentação confusa e muitos outros. Estes fatores impedem que o Brasil cresça mais rápido, mas não o impedem de crescer.
 
O que desacelerará fortemente o crescimento brasileiro em 2012 será a intensificação da crise europeia e seus efeitos globais.
Uma recessão mundial é muito provável em 2012. Seus primeiros sintomas já se sentem no Brasil, com a indústria e o comércio se retraindo, a inflação começando a cair e o Banco Central cortando os juros. O cenário econômico será bastante adverso no início de 2012 e o crescimento será baixíssimo, como em 2009. Por outro lado, a economia brasileira se recuperou no segundo semestre de 2009. Em 2010, o país teve seu maior crescimento em mais de 25 anos. É provável que a história se repita e nosso crescimento bata recordes em 2013 e mantenha-se elevado em 2014, ano de Copa do Mundo e eleições.
 
O Rio Grande do Norte aposta nas Zonas de Processamento de Exportação – há duas viabilizadas no Estado – como “motores de desenvolvimento”. É uma boa estratégia?
É uma estratégia válida, mas não deve ser a única. Esta década será muito difícil nas economias desenvolvidas, o que as levará a consumir e importar menos.
 
A crise financeira minou a capacidade de consumo de americanos, europeus e japoneses. Os consumidores americanos viram mais de US$ 1 trilhão em crédito sumir. Nunca antes na história daquele país.
 
Junto com o crédito, foram-se os empregos. Oito milhões e meio de americanos ficaram sem emprego desde o início da Grande Recessão – como a crise foi apelidada por lá.
 
Sem crédito nem emprego, e endividados até o pescoço, os americanos foram forçados a apertar os cintos e voltar a poupar. Após a crise, a poupança das famílias americanas tem oscilado entre 4% e 6% da renda. Este nível é apenas metade da média registrada no pós-guerra, sugerindo que os americanos terão de se tornar ainda mais frugais, obrigando os chineses a redirecionar suas vendas a outros mercados. Só há duas opções: mercados emergentes – preparem-se para uma invasão de produtos chineses por aqui – e os próprios consumidores chineses.
 
Por outro lado, sem a gastança dos americanos, as empresas sediadas nos Estados Unidos terão de vender seus produtos em outras bandas. A opção natural será por mercados emergentes, onde o crédito, a renda e a demanda estão em franca expansão. Para que os Made in USA se tornem mais competitivos, o dólar terá de cair nos próximos anos, provavelmente muito.* As oportunidades e riscos que esta gradual inversão de papéis entre Estados Unidos e China trarão para a economia brasileira são enormes.
 
Devido às gigantescas diferenças de nível de renda, chineses e americanos consomem produtos diferentes. Com o crescimento do consumo chinês, o agronegócio brasileiro – cujo superávit comercial passou de US$ 10 bilhões para US$ 60 bilhões entre 2000 e 2008 – será ainda mais importante. A China já é, há anos, o maior consumidor mundial de metais e minérios. Este ano, vai se tornar o maior de energia.
 
Enquanto isso, a concorrência para as empresas brasileiras em produtos e serviços sofisticados – nos quais os americanos são competitivos – ficará ainda mais acirrada.
 
O Aeroporto de São Gonçalo do Amarante inaugura a concessão pública para administração, operação de aeroportos. Quais os ganhos desse modelo? É uma tendência a expansão desse modelo para outros aeroportos, além dos já anunciados?
Acredito que sim. Nosso setor público não tem os recursos necessários para todos os investimentos em infraestrura que se farão necessários. Por isso, a busca de recursos privados para estes investimentos é primordial.
 
Da mesma forma, o setor público muitas vezes não tem a expertise para a administração destes empreendimentos e o modelo de concessão pública é uma forma, ao mesmo tempo, de capitalizar o Estado, aumentar os investimentos em infraestrutura e melhor a própria eficiência destes empreendimentos. Talvez, um dos exemplos mais marcantes de sucesso neste modelo tenham sido as concessões de rodovia no estado de São Paulo.
 
Há quem diga que a solução para contornar a crise na Itália é a “socialização” dos prejuízos por toda a Europa, via FMI e UE. É a solução mais justa? É a solução mais viável?
Não há solução indolor e o que pode parecer justo para uns, parecerá injusto para outros.
 
O fato é que a crise econômica europeia chegou à Itália e à Espanha, onde as batalhas finais serão travadas. Os recursos para financiar estes países e capitalizar os bancos europeus – cerca de 1,5 trilhão de euros apenas para os próximos três anos – vão muito além da capacidade da Europa e do FMI de supri-los. Há três formas de lidar com a situação.
 
A primeira envolveria uma megacapitalização do FMI pelos novos donos do dinheiro, os países emergentes, incluindo o Brasil. Esta é a alternativa menos provável, pois os países “ricos” já deixaram claro que não aceitam a perda de poder geopolítico que a mudança de controle do FMI ensejaria.
 
As duas alternativas restantes envolvem uma recessão global em 2012. Ambas, provavelmente, levarão a Europa a uma década perdida, como a da América Latina nos anos 80.
 
Uma delas é girar a maquininha de fazer dinheiro. Já que ninguém quer financiar países europeus com problemas, o Banco Central Europeu emite moeda para comprar títulos da dívida destes países. Mais de 300 bilhões de euros já foram emitidos; cinco ou seis vezes mais seriam necessários. Como todo brasileiro com mais de 30 anos sabe, isto acaba em megadesvalorização da moeda e aceleração inflacionária.
 
A outra é um calote, como recém praticado pela Grécia. Neste caso, devido ao tamanho das dívidas de Itália e Espanha, perdas bancárias brutais provocariam uma forte contração da oferta de crédito e uma nova crise financeira global.
 
Outra estratégia assumida pelo Governo do Estado é fazer do Aeroporto uma porta de entrada e saída de mercadorias para a Europa e também da Europa para a América Latina. Qual a viabilidade disso?
 
A estratégia é boa, o momento não. Qualquer iniciativa que aumente o intercâmbio de produtos do Brasil com o exterior deve ser vista com bons olhos, mas, nos próximos anos, a Europa viverá momentos muito difíceis, com redução de consumo e, por consequência, de apetite por compra de produtos de outros países. Por isso, é bastante provável que, nos próximos anos, esta iniciativa tenha muito mais sucesso em trazer produtos europeus para cá do que em levar produtos braielieros para lá.
 
Em outras palavras, os consumidores brasileiros e em especial do nordeste e do Rio Grande do Norte, vão se beneficiar de uma maior acesso a produtos, mas nossas empresas não se beneficiarão muito de um maior acesso a consumidores europeus por algum tempo.

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