A escolha de Sofia dos brasileiros

05/2017

Por Ricardo Amorim

 

 

Em um romance, o escritor William Styron conta o dilema de Sofia, uma mãe polonesa prisioneira com seus dois filhos pequenos no campo de concentração de Auschwitz. Um oficial nazista dá a ela uma cruel opção: pode escolher uma das crianças e salvá-la da execução. Ou então, ambos serão mortos.

 

Quando os sinais de recuperação econômica finalmente eram claros ̶ PIB voltando a crescer, os investimentos dos estrangeiros no setor produtivo batendo recorde e os empregos começando a reaparecer – as perspectivas favoráveis por conta do superávit recorde da balança comercial, inflação e juros em queda livre, recuperação da confiança e do crédito e, principalmente, a provável aprovação de reformas Trabalhista, da Previdência, Tributária e, quem sabe, até Política ̶ o futuro da economia brasileira foi de novo jogado na lama por mais um gigantesco escândalo de corrupção, envolvendo a JBS, uma das principais “campeãs nacionais” movidas a farto financiamento do BNDES da era Lula, com 1.829 políticos envolvidos, incluindo o Presidente Temer.

 

Uma nova crise política está garantida. Temer aproveita as dúvidas criadas por vazamentos seletivos da delação da JBS e cortes no áudio de sua conversa com Joesley Batista para tentar se manter no cargo. Não nega, porém, o teor da conversa em que diversos crimes foram relatados, nem toma nenhuma providência a respeito, o que constitui um crime. As denúncias de corrupção vão muito além de Temer. Aécio, Lula, Dilma, Cabral e um em cada três congressistas brasileiros receberam dinheiro da JBS. Em resumo, temos um Presidente sem condições morais de governar e lideranças políticas e congressistas preocupadas em salvar o próprio pescoço e tentarem se garantir na futura coalizão de governo que se formará após uma eventual saída de Temer.

 

Neste cenário, parece difícil que as reformas avancem e provável que Temer distribua benesses, leia-se recursos públicos, a aliados que hoje ameaçam deixar sua base de apoio. Para piorar, no atual contexto, tentativas de avançar com as reformas podem passar a falsa impressão de que elas são uma tentativa de salvar Temer, aumentando a rejeição a elas pela parte da população que não entende – até porque o atual governo nunca soube comunicar à população os benefícios e a necessidade das mudanças – que, sem elas, a crise econômica, o desemprego e a miséria só vão aumentar.

 

As reformas não pertencem a governo algum. Elas serão necessárias seja quem for o próximo Presidente. Sem elas, o círculo virtuoso de elevação da confiança, do consumo, do investimento, do crédito, dos empregos e do crescimento econômico que começava a se materializar será mais uma vez substituído pelo círculo vicioso da paralisia, da insegurança, do desemprego e da miséria que causou a mais profunda e longa depressão econômica da História brasileira entre 2014 e 2016.

 

A questão fundamental é que, se por um lado a queda de Temer parece inevitável, e mesmo que possa ser evitada será prejudicial ao país, Temer ̶ assim como fez Dilma ̶ tem todos os meios jurídicos para postergá-la ao máximo, causando uma nova crise econômica. Os caminhos possíveis para a saída de Temer, incluindo o impeachment, não são mais céleres. Uma eventual ação penal da Procuradoria Geral da República após os 30 dias pedidos pelos peritos para analisar as gravações das delações terá de ser aprovada por dois terços da Câmara dos Deputados e a denúncia terá de ser acolhida pelo STF. O julgamento da ação contra a chapa Dilma-Temer no TSE está marcado para ser votado em 6 de junho em quatro sessões, mas independentemente do resultado, todas as partes envolvidas tem o direito de recorrer após a decisão. Restaria a renúncia de Temer, que como ele mesmo já afirmou várias vezes, não vai acontecer. Por que Temer abriria mão espontaneamente de todas as proteções legais que goza como Presidente, incluindo o foro privilegiado?

 

Aí é que entra nossa escolha de Sofia. Uma opção é seguir os longos caminhos jurídicos para que Temer não apenas perca seu cargo, mas eventualmente seja criminalmente punido, mesmo sabendo que isto prolongará o período de incertezas, aprofundando a depressão econômica, o desemprego e o caos social no país. Além disso, há o risco de que, apesar de todos os custos ao país e aos brasileiros, ao final ele sequer caia, ou caia mas não sofra nenhuma punição adicional, como aconteceu com Dilma.

 

Outra opção é um grande acordo político, em que líderes dos diversos partidos e do Judiciário costurem com Temer um acordo em que ele deixa a Presidência mais rapidamente – através de renúncia, afastamento ou não recorrendo de uma eventual decisão desfavorável do julgamento do TSE – com o compromisso de não ser judicialmente acionado pelas denúncias do caso JBS. Faz-se uma transição política o mais rapidamente possível através de uma eleição indireta – como define a Constituição – para algum líder de consenso com bom trâmite com diferentes grupos políticos – como Henrique Meirelles, que foi Presidente do Banco Central de Lula e é Ministro da Fazenda de Temer, ou Nelson Jobim, que foi líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Ministro do Supremo e Ministro da Justiça de Fernando Henrique e Ministro da Defesa de Lula e Dilma. Desta forma, as incertezas seriam rapidamente dirimidas e, se as reformas continuassem a avançar – a Política incluída ̶ não teríamos o agravamento da depressão econômica, poupando milhões e milhões de brasileiros de serem punidos mais uma vez junto com os corruptos por crimes que não cometeram.

 

Não sobraram opções boas ao país. Restam apenas péssimas opções. Para punir Temer, como deveríamos, punimos todos os brasileiros, incluindo a possibilidade real de que você ou alguém próximo fique sem emprego e sem condição de sustentar sua família no próximo ano e meio? Ou, para evitar que isto aconteça, faz-se um acordo com Temer, protege-se o emprego de milhões de brasileiros, mas mesmo que todos os demais 1.828 políticos envolvidos no caso JBS fossem indiciados, enfraquecemos o que de melhor surgiu no Brasil nos últimos tempos – o combate à corrupção e à impunidade – reforçando o gosto amargo que um acordo de delação excessivamente generoso com os irmãos Batista já deixou? Qual seria a sua escolha?

 
Ricardo Amorimautor do bestseller Depois da Tempestade, apresentador do Manhattan Connection da Globonews, o economista mais influente do Brasil segundo a revista Forbes, o brasileiro mais influente no LinkedIn, único brasileiro entre os melhores palestrantes mundiais do Speakers Corner e ganhador do prêmio Os + Admirados da Imprensa de Economia, Negócios e Finanças.
 
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