Crônica de uma morte anunciada.

Revista IstoÉ

22/07/2011

Por Ricardo Amorim

 

No mundo desenvolvido, o sucesso gerou a crença de que seus países não podem ser atingidos por grandes crises

 

Há anos venho alertando, inclusive nesta coluna, que megatransformações da economia mundial condenaram vários países emergentes, incluindo o Brasil, a crescer e, ao mesmo tempo, criar obstáculos significativos às economias dos países ricos. A isso, somam-se os defeitos congênitos da Eurolândia a requerer ajustes profundos e dolorosos.

Ao contrário do que muitos dizem, não há nada de surpreendente nas sérias dificuldades econômicas vividas por EUA e Europa. Também não surpreende que os líderes políticos destes países sejam culpados pelo mau desempenho econômico, com derrotas recentes das coalizões de governo nas eleições nos EUA, na Alemanha, na Espanha, em Portugal e na Itália.
Surpreendente são os suicídios políticos que antecipam e potencializam dificuldades que já seriam graves.

Os melhores exemplos vêm da Itália e dos EUA. Inevitavelmente, a crise europeia contaminaria a Itália no futuro. População envelhecida e em queda, uma das dez menores taxas de crescimento econômico e um dos maiores níveis de dívida pública do mundo – que tornam a solvência italiana muito vulnerável a elevações das taxas de juros – fazem da Itália um alvo óbvio. Apesar disso, sem a arrogância de Berlusconi, que fragilizou seu ministro de Economia e a própria confiança no país, é provável que a Itália passasse ilesa por muitos meses ainda.

Nos EUA, a antecipação das preocupações foi ainda mais brutal. Por ter a moeda mais aceita no planeta, os EUA eram considerados porto seguro, apesar de terem níveis de déficit público e de expansão da base monetária que se igualam aos do Brasil no período hiperinflacionário. Eis que um impasse no Congresso para a elevação do limite de endividamento público chama a atenção geral de que o rei está nu. Não fosse a inexequível exigência dos republicanos de que todo ajuste fiscal aconteça através de corte de gastos públicos, sem nenhuma reversão dos cortes de impostos realizados pelo governo Bush, em vez das seguidas reduções de classificação de risco por parte das agências de rating, poucos haveriam notado os pés de barro do gigante.

É provável que os políticos americanos cheguem a um acordo que desarme esta crise de curto prazo – até porque a falta de tal acordo levaria os EUA e o mundo a uma crise de proporções maiores que as da Grande Depressão. Ainda assim, a exposição desnecessária das fragilidades americanas em escala global demonstra a total falta de compreensão pelas lideranças americanas da seriedade da situação em que o país se encontra.

Ignorar a realidade desafiadora – como se os problemas sumissem se fizéssemos de conta que eles não existem – caracterizou também a crise italiana. Imaginava-se que os países mais ricos do planeta haviam criado sistemas e instituições aptas a lidar com crises.
A verdade é que, períodos prolongados de sucesso econômico levaram esses países à incapacidade de ver a magnitude dos seus desafios. No Brasil, décadas de desempenho econômico pífio alimentaram a ideia de que o País não pode dar certo. No mundo desenvolvido, o sucesso gerou a crença de que seus países não podem ser atingidos por grandes crises – coisa de repúblicas de bananas –, incapacitando-os a impedi-las ou limitá-las, tornando-as inevitáveis.  

 

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