SMABC – Sindicato dos Metalúrgicos ABC
Brasil libera 3 mil veículos argentinos antes de encontro entre ministros
A Argentina, segundo Giorgi, também deu sua demonstração de boa vontade liberando a entrada de máquinas agrícolas, baterias e pneus fabricados no Brasil e que também estavam retidos na fronteira dos dois países. Aliás, a exportação de máquinas agrícolas brasileiras para a Argentina é um dos pontos mais sensíveis desta recente disputa econômica dos dois países. O governo argentino quer dar prioridade aos equipamentos fabricados no seu país e o Brasil insiste em exportar a sua produção.
Fernando Pimentel, ministro brasileiro da Indústria e Comércio, recebe na quinta-feira 2, em Brasília, a sua colega da Argentina, Débora Giorgi. Os argentinos estão otimistas com o resultado do encontro dos dois ministros. Eles afirmam que o secretário-executivo do ministério da Argentina, Eduardo Bianchi, propôs a seu colega brasileiro, Alexandre Teixeira, a volta de um mecanismo que é o de “autolimitação de exportações estabelecidas pelas próprias empresas”. Este sistema já funcionou por muito tempo no comércio bilateral. Exemplos importantes deste tipo de negociação aconteceu em 2005 com fabricantes brasileiros de calçados e de produtos têxteis limitando as exportações para a Argentina. Estas cotas eram aceitas pelos governos dos dois países.
O encontro dos ministros da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, e do Brasil, Fernando Pimentel, é uma nova esperança para a solução de um impasse econômico que se arrasta há meses entre os dois países. Na reunião, agendada para quinta-feira 2, espera-se que haja uma decisão a respeito das licenças automáticas de exportação, cujo cancelamento está gerando prejuízos para vários setores econômicos, além de gerar considerável tensão dentro do Mercosul. A ideia é tentar encontrar uma solução de consenso até o dia 24 de junho, quando os líderes dos países integrantes do bloco se reúnem para a Cúpula do Mercosul, em Assunção, no Paraguai.
Segundo alguns analistas, a postura brasileira na queda de braço com a Argentina surpreende, já que é a primeira vez que o país vai para o confronto direto contra o vizinho. O desacordo entre os dois países vem desde o início do bloco econômico, e reflete de forma especialmente intensa na indústria automobilística. Ao contrário de outras vezes, porém, o Brasil não cedeu à pressão argentina, e mantém o cancelamento das autorizações automáticas sobre as exportações de automóveis e componentes. Os veículos, que entravam no Brasil em até dois dias, estão acumulando nas fronteiras, à espera de licenças que podem demorar até dois meses. Há o temor de que, caso o impasse não seja solucionado, o setor automobilístico argentino seja obrigado a suspender a produção, já que não há mais espaço para novos carros nas garagens das montadoras.
Para Fernando Sarti, professor do Instituto de Economia da Unicamp, os mecanismos de defesa comercial adotados pelo Brasil apontam mais do que um simples jogo de forças com a Argentina. Indicam também uma tomada de posição em relação a pressões do setor automotivo internacional. “É um recado para as empresas estrangeiras”, garante. “É como se o Brasil estivesse dizendo que não vai permitir o uso da Argentina como atalho para que a produção das multinacionais estrangeiras entre no país”.
O economista da Unicamp explica que a briga envolvendo o setor tem pelo menos 20 anos, com movimentações de lado a lado, em um setor bastante sensível às mudanças econômicas continentais e internacionais. “No momento, a situação se agrava porque a exportação (da Argentina) aumentou muito”, diz Fernando Sarti. Além disso, o Brasil acusa a Argentina de estar desrespeitando acordos comerciais, na medida em que o volume de exportação de autopeças do país é desproporcional à entrada das importações argentinas no setor.
Por sua vez, o economista Ricardo Amorim, presidente da Ricam Consultoria, acredita que o governo de Dilma Rousseff “faz muito bem” em subir o tom contra as restrições argentinas. “Durante o governo de Lula, o Brasil tentou se posicionar como um líder entre os emergentes”, argumenta. “Para conseguir isso, fez uma série de concessões, das quais a Argentina talvez tenha sido o principal beneficiado. A postura do governo, agora, tenta mostrar que o Brasil não vai colocar seus interesses como refém da Argentina. Penso que é a direção correta”, elogia o economista.
O mais recente round dessa briga comercial teve início em janeiro deste ano, quando o governo argentino cancelou a importação automática de 400 produtos brasileiros. Desde então, exportações brasileiras ficam retidas na fronteiras por prazos superiores a 60 dias, o que vai contra as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Além dos prejuízos pelo atraso nas vendas, algumas mercadorias perecíveis brasileiras acabaram perdendo o prazo de validade, o que inviabilizou definitivamente a sua comercialização.
Diante do silêncio argentino, o Brasil cancelou, no início de maio, as autorizações automáticas de importação de alguns produtos. Ainda que a barreira não seja direcionada à Argentina, o que iria contra normas internacionais de comércio, os produtos incluídos na lista são justamente os mais exportados pelo país vizinho, em especial os relativos à indústria automobilística. Atualmente, a Argentina tem dez montadoras instaladas em seu território, que vendem metade de sua produção para o mercado brasileiro. Boa parte da produção automobilística argentina trabalha com motores flex, que são comercializados apenas em solo brasileiro.
A ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, enviou carta ao colega brasileiro Fernando Pimentel, na qual garante a “inexistência de um impacto negativo sobre as exportações do Brasil à Argentina” no que toca às medidas adotadas pelo governo de Cristina Kirchner. Com isso, o governo argentino buscou convencer o Brasil a levantar as barreiras e retomar a política de licenças automáticas – o que, no entanto, não ocorreu. Em resposta às pressões argentinas, Fernando Pimentel chegou a afirmar que o Brasil endureceria ainda mais os critérios para a concessão de licenças, o que causou apreensão em Buenos Aires. O convite para a reunião ministerial em Brasília, porém, dá sinais de que os dois países estão dispostos a tentar algum tipo de solução, antes que os resultados do conflito comercial se tornem insustentáveis.
De acordo com a leitura de certos setores, as dificuldades entre Brasil e Argentina demonstram mais do que um desentendimento entre países, mas também apontam o desgaste do próprio Mercosul enquanto bloco econômico. Um sinal de que outros países estão insatisfeitos veio na metade do mês, quando o presidente uruguaio José Mujica pediu, ironicamente, um aviso prévio de 15 dias úteis antes da adoção de medidas protecionistas por parte dos integrantes do bloco. Em fevereiro, medidas protecionistas adotadas pelo governo argentino passaram a dificultar a entrada de 585 produtos fabricados no Uruguai, atingindo especialmente os setores têxtil, plástico e de couro.
“Já ouvi isso em todas as crises econômicas dos últimos anos”, diz Fernando Sarti, da Unicamp, manifestando pouca surpresa com as insinuações. “Os analistas parecem ver essas brigas econômicas (dentro do Mercosul) como se fosse um campeonato. Não é uma Copa do Mundo, na qual o Brasil tem que ganhar da Argentina ou qualquer coisa assim”, acentua. “O Mercosul atende a uma série de objetivos, que vão muito além da capacidade de exportação do Brasil”.
Na verdade, Fernando Sarti acredita que o Mercosul sempre mostrou-se, economicamente falando, mais benéfico ao Brasil do que aos demais países do bloco. “Isso de certo modo é um contrassenso, já que costuma ser justamente o contrário, com os países de menor força econômica se beneficiando”, explica. Mesmo assim, o economista diz que o Mercosul está cumprindo um importante papel dentro da geopolítica da região, e que isso não pode ser menosprezado. “Não dá para medir o sucesso ou o fracasso do Mercosul a partir de superávit ou déficit”, defende. “Prefiro, por exemplo, um Paraguai em desenvolvimento do que um Paraguai tomado pelo narcotráfico. O Mercosul não é a panaceia que alguns gostariam que fosse, mas é uma experiência exitosa e que marca o protagonismo brasileiro na região”.
Ricardo Amorim tem uma visão um pouco diferente, ainda que concorde com Fernando Sarti em alguns pontos centrais. “Até acho que a situação do bloco é ligeiramente difícil, mas as expectativas geradas sobre o Mercosul eram grandes demais”, diz o consultor econômico. Segundo ele, o Brasil muitas vezes colocou seus próprios interesses em segundo plano em nome da saúde do Mercosul, algo especialmente visível durante os oito anos do governo Lula.
“A Argentina não teve pudores de usar isso como forma de tomar atitudes em nome dos próprios interesses”, diz Amorim, que acredita que a mudança brasileira será boa não só para o Brasil, mas para o Mercosul como um todo e para a própria Argentina individualmente. “Essa pressão brasileira força, a médio prazo, uma mudança de posição do governo argentino também” defende. “Devido às ações protecionistas da Argentina, muitas vezes a própria iniciativa privada no país não tinha espaço para se desenvolver. Na medida em que o Brasil endurecer, a Argentina vai ser forçada a rever isso, o que será positivo para a economia deles também”, argumenta Ricardo Amorim.
Mudança que, de qualquer modo, não deve ser dar a curto prazo. “Do mesmo modo que concordo que o Brasil deve levar seus interesses econômicos mais em conta, é claro que a Argentina também defenderá os dela”, admite. O presidente da Ricam Consultoria lembra que nossos vizinhos estão se aproximando de um período eleitoral, o que também pesa nessa queda de braço com o Brasil. “Dificilmente o governo argentino irá ceder agora, porque isso seria visto pelo eleitor como sinal de fraqueza. Pelo contrário, é possível que as retaliações ao Brasil sejam ainda maiores nos próximos meses”.
Do Sul 21