Matéria de capa da Revista Vero, entrevista com Ricardo Amorim: "Crescer é possível"

02/2015

Revista Vero

Por Thais Sant’Ana

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Créditos ao Chico Max
 

De uma pequena e bem decorada sala no coração da capital paulista, o economista Ricardo Amorim controla sua menina dos olhos: a Ricam – empresa de consultoria econômica fundada por ele em 2009 que auxilia empresas e pessoas físicas a fazer de planejamentos estratégicos complexos a investimentos mais simples. Junto com ele, apenas mais três funcionários. “Eles é que fazem tudo. De vez em quando eu venho e bagunço tudo”, conta, sem esconder um ar de diversão com a própria piada. Mas essa é apenas uma das atividades de Amorim. Economista nato e dono de um invejável currículo de palestras – é o único brasileiro na lista de mais importantes e melhores palestrantes mundiais do Speakers Corner, já tendo palestrado ao lado de figuras como Al Gore e Bill Clinton –, ele foi parar na tela da TV. Desde 2003, é um dos debatedores, ao lado de Lucas Mendes, Caio Blinder, Diogo Mainardi e Pedro Andrade, de um dos mais respeitados programas de economia da televisão brasileira, o Manhattan Connection. Colunista da revista IstoÉ e adepto das redes sociais, ele é sempre convidado para comentar e dar entrevistas sobre rumos políticos do país – que, claro, estão muitas vezes ligados à política econômica – e até sobre o mercado imobiliário. Afinal, análises sobre os assuntos é que não lhe faltam. Mais: com dois filhos pequenos, ele garante que, se tivesse que resumir todas as suas faces em uma única palavra, hoje ela seria: pai. O segredo para tantas atividades? Disposição. Durante a entrevista que Amorim concedeu à VERO, ele foi interrompido uma única vez, para lembrar da aula de natação que costuma fazer na hora do almoço, e exibiu diversas fotos da família e em viagens de aventura: “Eu amo esportes”. Confira a entrevista e saiba, nas palavras do especialista, como o Brasil ainda pode dar certo, pelo menos economicamente!

 

Por que os economistas têm que falar “economês”? Faz parte do charme falar difícil e usar jargões?

 

Acho que isso é culpa dos economistas. A responsabilidade por se fazer entender, em qualquer caso, é de quem fala, não de quem ouve. Einstein tem uma frase de que eu gosto muito: ele diz que se você explicar alguma coisa para uma criança de seis anos e ela não entender, a culpa é sua, não da criança. É exatamente no que eu acredito. A gente tem que fugir dos jargões. Dá para falar com profundidade de um assunto sem que isso tenha que ser chato ou inteligível. Infelizmente, os economistas normalmente não fazem isso, eles falam uma linguagem cifrada, que se você não for da área, de fato, não dá para entender. Para ser franco, isso acaba me ajudando muito. Acaba abrindo um mercado para mim, para fazer algo que deveria ser o básico, que todo mundo deveria fazer.

 

Muitas vezes, os economistas aparecem como “mensageiros do apocalipse”. Precisa causar polêmica para ser bom?

 

Os economistas são treinados para detectar como as coisas são e comparar com como elas deveriam ser. Tendem, a partir daí, a chamar atenção para o lado vazio do copo. Mas algumas pessoas só apontam os problemas. Acho que se deve dar ênfase, em primeiro lugar, aos problemas; em segundo, como solucioná- los; terceiro, sempre há oportunidades nisso. Vou dar um exemplo: no Brasil, saúde e educação públicas não têm a qualidade que deveriam ter. Se o setor público não oferece, alguém do setor privado que ofereça vai fazer um bom negócio. Por isso, escolas de inglês, universidades, planos de saúde, farmácias e laboratórios farmacêuticos crescem tanto. Na crise há semente de oportunidade. Isso precisa ser ressaltado.

 

Quando surgiram as palestras?

 

Trabalhei muito tempo em bancos e já fazia muitas palestras para clientes, para ajudá- los a tomar decisões. Depois, em paralelo, desde o final de 2002, que foi quando entrei no Manhattan, começaram a vir muitos pedidos, e comecei a fazer mais. Eu via o que funcionava e o que não e, a partir daí, passei a estruturar as palestras com três coisas. A primeira: os economistas geralmente ficam em um nível macro da economia. “O crescimento do PIB é tal, a inflação é tal…” Só que a maioria das pessoas não consegue entender como aquilo impacta a vida delas. Eu falo do que importa para quem está sentado lá. A segunda é a linguagem: nada de “economês” e muito de humor. Acho que aquilo tem que ser agradável, não pode ser chato. E o último, que veio um pouco da formação que eu tive: como morei dez anos fora, parte nos Estados Unidos e parte na Europa, passei a olhar o Brasil dentro do mundo. O Brasil é uma peça que a gente acha que é grande, mas é relativamente pequena numa engrenagem mundial. Então, coisas que acontecem fora muitas vezes determinam os acontecimentos daqui, e a gente não percebe.

 

Você é o único brasileiro na lista dos melhores palestrantes mundiais. O que isso lhe permite?

 

Me permite participar de eventos no mundo inteiro que são muito interessantes. Tive a chance de estar com algumas das pessoas que são líderes nas suas áreas no mundo. Fiz uma palestra num evento em que estava o Al Gore. Uma vez, palestrei logo após o Bill Clinton, que, aliás, foi um tremendo desafio, porque o Clinton, além de ser ex-presidente dos EUA, brilhante, tem uma vivência enorme e é um palestrante de mão cheia, então, ele deu um show. Eu pensava: “Como é que eu vou entrar agora nesse palco, depois que esse cara arrasou?”. Já dividi painel com Gary Becker, que foi prêmio Nobel de economia, já estive com vários presidentes de países diferentes, líderes financeiros, enfim… É minha chance de aprender o tempo inteiro direto da fonte de algumas das mentes mais brilhantes do mundo, das áreas mais distintas.

 

Falando um pouco da Ricam, agora. Qual é a missão dela?

 

A missão da Ricam é transformar economia em uma arma, um diferencial competitivo para seus clientes. É fazer com que entender economia permita que eles tomem decisões melhores que os concorrentes e por consequência cresçam mais, evitem riscos, tenham melhores resultados e melhor desempenho. O que a gente faz passa por três linhas principais. A palestra é uma delas. A segunda linha é fazer planejamento estratégico para empresas. Tem um terceiro aspecto, que são as consultorias para investimentos financeiros – tenho clientes que são empresas, pessoas físicas, bancos e bancos de investimento.

 

O que se leva em consideração para investir?

 

O cenário econômico e os preços de ativos no mundo. Porque, às vezes, em investimentos, você tem a seguinte situação: uma ótima perspectiva, todo mundo acha que aquilo está ótimo, todos já compraram e o preço está lá em cima. Então, por mais que a perspectiva econômica seja boa, não é um bom investimento. Mais duas coisas sempre têm que ser levadas em consideração. A primeira é o tempo de investimento, porque algumas aplicações têm desempenho quase linear ao longo do tempo, mas outras têm grandes ziguezagues. Nestas, você não pode se colocar na posição de ser forçado a sair em um determinado momento por precisar do dinheiro. O segundo aspecto é a sua própria psicologia. Normalmente, as pessoas tomam a decisão errada na hora errada, por razões emocionais. Com ações, por exemplo, as pessoas compram e pode muito bem acontecer de o preço cair. Normalmente, e depende de quanto caiu, a ação tende a ter uma boa oportunidade quando fica barata, só que, se você comprou quando ela estava mais cara, você diz: “Estou com medo, isso pode cair ainda mais”. Você vende e depois ela volta a subir. Então, para dar uma boa recomendação de investimento, é preciso entender bem o perfil das pessoas.

 

No cenário atual, há algumas dicas gerais que podemos dar para quem quer investir?

 

Tem, sempre. Onde investir é uma decisão que depende de algumas coisas. Como é que eu olho para isso hoje: perspectiva versus preço. A primeira coisa é determinar se um investimento está caro ou barato. Se você comprar algo que está barato, tem uma chance de, no longo prazo, ganhar dinheiro. Nós temos uma metodologia aqui na Ricam, que levamos quatro anos para desenvolver, que diz, para cada ativo, quão caro ou quão barato em relação à média está e para qual lado está indo. Então, eu consigo dizer: “Olha, ele está 20%, 30%, 40%, 50% mais barato e está barateando ainda mais ou está voltando”.

Nepal - Katmandu - 2000
 

E onde devemos investir?

 

Ações, hoje, no Brasil, estão mais ou menos 30% mais baratas do que na média histórica. Então, olhando por uma perspectiva de longo prazo, ações, provavelmente, são uma boa oportunidade. O segundo grupo que está barato são ativos indexados à inflação. São títulos do governo ou de empresas que pagam a taxa de inflação mais uma determinada taxa de juros, então, a taxa real de juros hoje está alta, e isso, normalmente, em prazos longos, gera bom desempenho também.

 

Como você foi parar no Manhattan Connection?

 

Foi um acaso de um monte de coisa. Como tudo na vida, acho que depende muito de sorte e de ver e aproveitar as oportunidades. O Manhattan eu brinco que foi o Lula que me pôs lá, porque em 2002 a preocupação com a eleição dele levou o dólar a R$ 4, e me convidaram para o Manhattan como entrevistado. O Lucas me perguntou e eu respondi “Eu acho que vai cair”. Para minha sorte, na semana seguinte, o dólar começou a despencar. Aí eles me chamaram de novo no programa, e ele disse “Pô, Ricardo, achei que você estava louco”. Depois disso, acabaram me fazendo o convite para ser um dos apresentadores. Eu demorei para aceitar, porque o Manhattan fala de tudo, de muito assunto que eu não sei, mas topei. Foi a melhor decisão que já tomei na vida. Amo fazer o Manhattan!

 

Como é trabalhar com Lucas Mendes, Caio Blinder, Diogo Mainardi e Pedro Andrade?

 

É fantástico, porque temos uma equipe muito bacana. Uma das marcas registradas no Manhattan é o espaço para visões diferentes, então temos toda a liberdade para discordar um do outro. Posso dar um exemplo recente. O resultado da eleição: o Diogo tem uma visão do que foi determinante da qual eu discordo completamente, que é o papel dos eleitores nordestinos. Quer dizer, ao mesmo tempo em que ele tem razão – o que definiu a vitória da Dilma foi o eleitorado nordestino e do Norte –, discordamos completamente sobre o que os motivou a votar. Na minha opinião, eles votaram com o bolso. Isso não tem nada a ver com a índole do nordestino. Aonde eu quero chegar: a gente discorda e se dá superbem. Acho que uma coisa é divergir das ideias; outra, das pessoas. Entre todos nós, temos um ótimo relacionamento fora do programa.

 

Qual é a sua opinião sobre o Bolsa Família nesse processo eleitoral?

 

Tem vários aspectos importantes nessa pergunta. O primeiro é: como vamos criar um país onde haja Bolsa Família para quem precisar, mas que muito menos gente precise dele? Primeiro, o país tem que crescer; um país que não cresce não gera emprego, não gera oportunidade. Segundo, preparando as pessoas que estão no Bolsa Família para que possam fazer isso. Eu sou a favor da existência do programa, mas sou contra vários pontos. Por exemplo, o valor do Bolsa Família é igual no Brasil inteiro, e isso gera um problema. Em São Paulo é um valor muito baixo para sobreviver. No interior de alguns lugares do Norte e do Nordeste, onde o custo de vida é muito baixo e os salários também, às vezes, o cara se vê numa situação que é “Se eu ganhar Bolsa Família, eu ganho X; se eu trabalhar, eu ganho só um pouquinho a mais”. Esse cara se vê desincentivado a trabalhar. O Bolsa Família não pode ser um desincentivo ao trabalho. O valor deveria ser proporcional ao custo de vida. Segundo ponto: devia ter tempo, porque hoje há perspectiva de entrar no programa e ficar pro resto da vida. Isso está errado.

 

Durante a eleição, você se posicionou abertamente nas redes sociais…

 

Sabe o que é engraçado? Não tem nada nas minhas redes sociais a favor de nenhum candidato. O que fiz, de fato, foi falar o que acho que está errado. Mas isso não fiz durante a campanha, faço sempre. O que houve foi uma polarização tão grande nas eleições em que basicamente você não podia falar de uma coisa ou de outra sem que isso fosse lido pelos outros como “Ah, está fazendo campanha”. Outra coisa que as redes sociais me ensinaram é que nós, seres humanos, temos uma dificuldade colossal de lidar com uma informação que não bate com nossa visão de mundo. Se a gente acha uma determinada coisa e tem uma informação que não encaixa com ela, o que a gente faz é falar “Isso aqui não pode ser, essa informação está errada, essa pessoa mentiu, está manipulando”. Acho que as redes fazem muitas coisas fantásticas e várias péssimas. O lado bacana é que elas dão voz a todos, e isso é, em princípio, altamente democrático. Mas temos que tomar muito cuidado como essa coisa vai evoluir.

 

Como o Brasil pode voltar a crescer nos próximos quatro anos?

 

O primeiro fator fundamental é retomar confiança, tanto de empresários quanto de consumidores. O consumidor com medo não compra. O empresário preocupado não investe. Se ele não investe, ele não gera emprego, e mais, ele começa a mandar gente embora. Por exemplo, de um ano para cá, no Brasil, foram criados 600 mil empregos, só que, nas 12 maiores capitais brasileiras, o número de vagas caiu em 400 mil, e no interior foi gerado 1 milhão. Então, o interior ainda está indo bem, mas as capitais já estão mandando mais gente embora do que contratando. Precisamos reverter isso. Mas como? Basicamente, mostrando para o empresário que, ao contrário do que foi feito no primeiro mandato, a partir de agora, Dilma vai ver o setor privado como um parceiro. O segundo aspecto fundamental para mim: precisa aumentar a produtividade da economia brasileira. Investindo em educação, treinamento e melhora de regulamentação do país. Por exemplo, a gente precisa de infraestrutura. Educação: Brasil precisa ter um choque de gestão em qualidade de educação de ensino básico, fundamental e médio. Como é que você faz isso? Pegando casos de sucesso. Eles já existem, não precisamos reinventar a roda. Vou dar um exemplo: Sobral, no Ceará, e uma cidade no interior do Piauí, que agora esqueci o nome [referese a Teresina]. Essas duas cidades têm, hoje, média no Enem melhores que a de cidade grandes, com um gasto por aluno que é uma fração do que é gasto em São Paulo. O ponto é: a gente precisa copiar, parar de querer dar desculpa do porquê não dá certo ou aumentar a quantidade de dinheiro no que não dá certo. “Então vamos gastar 10% do PIB em educação.” Nenhum país do mundo tem esse custo em educação, e a maioria tem resultados muito melhores.

 

Tem uma fórmula mágica?

 

Onde começam os nossos problemas? Começam porque o governo brasileiro gasta demais e gasta mal. O Brasil é o terceiro país emergente onde mais se paga imposto. Já que os impostos são altos, o custo de produzir no Brasil é alto. Já que o custo de produzir no Brasil é alto, a gente não produz aqui, vai comprar em Miami. Outro dia estava chegando de fora, e na esteira do meu lado chegava um voo de Miami. Passaram quatro pneus. Até pneu o pessoal está trazendo de fora! Isso está matando a indústria brasileira, matando a geração de emprego, matando a renda. Mais: como o Brasil gasta muito, ele tem que tomar muito dinheiro emprestado, e como ele toma muito dinheiro emprestado e a nossa poupança é baixa – tem muita gente que ganha pouco e gasta tudo –, o resultado é que o preço é alto. A taxa de juros é alta. Se o governo gastasse menos, caía a taxa de juros; se a taxa de juros fosse mais baixa, o Brasil não atraía tanto dinheiro de fora e sobrava mais para gastar em infraestrutura e educação, e os impostos podiam cair. Tudo começa por corte de gasto do governo. E por que o governo gasta demais? Pela mentalidade: se temos um problema, a solução é Bolsa Família. A indústria vai mal? Vou temporariamente reduzir o IPI. Está ruim para os exportadores? Que tal tentar manter o dólar mais alto, para ajudar? A gente está eternamente lidando com as consequências, e não com os problemas.

 

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