Flertando com o precipício

08/2019

Por Ricardo Amorim

 

 

Em geral, especialistas econômicos comunicam-se em jargões inacessíveis a quem não é da área. Para completar, o nível educacional médio deixa muito a desejar. Resultado? A grande maioria das pessoas não sabe como a economia funciona.

 

Por outro lado, todos sabem muito bem como está a sua própria situação financeira e se ela melhorou ou piorou nos últimos anos. É baseado nesta percepção de bem ou mal estar financeiro próprio que a maioria dos eleitores normalmente decide seus votos.

 

Em eleições para Presidente, governadores e prefeitos – em que um único candidato é eleito – normalmente, ocorre um referendo, baseado na percepção individual de cada eleitor se sua vida está melhor ou pior do que antes, em relação a quem está no poder.

 

Entendendo isso, fica fácil compreender o resultado das eleições primárias na Argentina que indicaram a provável vitória da chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner sobre o atual presidente Mauricio Macri nas eleições presidenciais de outubro. O agravamento da crise argentina que isto deve causar foi responsável por uma queda de 38%do índice da Bolsa de Buenos Aires, a segunda maior em um único dia de qualquer bolsa de valores no mundo desde 1950, e uma desvalorização do peso de 24%. Somando-se os dois efeitos, investidores estrangeiros tiveram uma perda de 53% em um único dia.

 

Por que os argentinos estão votando contra Macri? O desempenho econômico deixou a desejar e a situação financeira da maioria dos argentinos piorou. Macri foi parcialmente responsável por isso. Se tivesse sido mais rápido e agressivo para liberalizar a economia, permitindo que a economia cresça mais a longo prazo, e tivesse adotado medidas de estímulos de curto prazo mais agressivas, gerando um melhor desempenho econômico já nos últimos anos, os resultados eleitorais seriam outros.

 

Porém, incompreendido pela maioria dos argentinos, mais importante do que o que Macri fez e deixou de fazer foram as condições que ele herdou de sua predecessora, Cristina Kirchner. Imagine que você emprestou sua casa a um amigo e ele praticamente a destruiu, mas encheu a casa de objetos de decoração para que você não pudesse ver a destruição. Na sequência, este amigo sai da casa e entra outro que fica na sua casa por algum tempo, arruma algumas das coisas destruídas, mas não arruma outras. Aí, você chega e encontra a casa em caos visível. Sem nem querer ouvir a explicação do segundo amigo, você o coloca para fora.

 

É exatamente o que os argentinos querem fazer com Macri. E, como não compreendem que foi Cristina Kirchner que entregou a casa já destruída a Macri, estão dispostos a emprestá-la a ela novamente, pois tinham a falsa sensação de que a casa estava em melhor estado.

 

E por que tudo isso importa a nós brasileiros? Em primeiro lugar porque a crise econômica argentina deve piorar e isso vai reduzir ainda mais nossas exportações para lá, custando empregos de dezenas, talvez centenas, de milhares de brasileiros.

 

Além disso, há uma lição fundamental para Bolsonaro e o Brasil. Uma pauta conservadora de costumes garantiu a Bolsonaro de 15% a 20% dos votos dos brasileiros no segundo turno das eleições. Os outros 35% a 40% dos votos que recebeu vieram por seu discurso firme de combate à corrupção e ao modus operandi da política brasileira, da aversão ao PT e, em menor grau, de seu discurso econômico liberal.

 

Uma vez no governo, seu foco quase exclusivo tem sido a pauta conservadora de costumes e o combate ao esquerdismo. O combate à corrupção foi enfraquecido pela aprovação do chamado pacote de abuso de autoridade sem nenhuma oposição firme de Bolsonaro. Além disso, a indicação do filho à embaixada em Washington será usada por seus opositores para convencer eleitores de que Bolsonaro não alterou o modo de se fazer política no Brasil.

 

Já a agenda econômica do governo tem avançado a passos largos, especialmente a Reforma da Previdência e a MP da Liberdade Econômica. No entanto, este avanço pouco se deveu ao envolvimento direto de Bolsonaro, que nunca ocorreu. É aí que mora o perigo.

 

Ainda há a necessidade de aprovação pelo Congresso de muitas outras medidas econômicas fundamentais para permitir que o Brasil cresça mais rapidamente e gere mais empregos e salários melhores, começando pela Reforma Tributária e um amplo programa de privatização. A pergunta que fica é por quanto tempo e quanto a agenda econômica continuará avançando sem o apoio incondicional e o uso do capital político de Bolsonaro? Esta pergunta é fundamental porque, sem o avanço desta agenda, o futuro de Bolsonaro e do Brasil correm o risco de serem os mesmos de Macri e da Argentina. Colocar apenas uma parte da casa em ordem pode não ser o bastante para que a economia e a vida da maioria dos brasileiros melhorem o suficiente para garantir sua reeleição e, principalmente, a continuidade de um projeto de liberalização da economia brasileira. Este risco é particularmente significativo considerando-se que uma recessão global deve ocorrer antes do final do seu mandato, com impactos negativos significativos na economia brasileira.

 

Em resumo, Bolsonaro elegeu-se criticando com veemência o corrupto meio político brasileiro. Além de suas ações concretas neste campo, o que irá reelegê-lo ou não será o desempenho da economia. O bom desempenho da economia exigirá a aprovação de várias medidas pelo Congresso, o que por sua vez, talvez requeira um engajamento mais significativo de Bolsonaro.

 

Se continuar quase que exclusivamente focado na agenda conservadora de costumes, como tem feito até agora, e eventualmente, o desempenho da economia deixar a desejar, Bolsonaro e o Brasil podem ter um destino parecido aos de Macri e da Argentina, um novo flerte com o abismo petista ou o de Ciro Gomes. Se acontecer, toda a agenda conservadora que Bolsonaro tanto preza irá para a cucuia – o que não me incomoda em nada, pelo contrário. Porém, junto com ela, perderemos os avanços estruturais da economia brasileira conquistados a duras penas desde a saída de Dilma Rousseff do poder. Neste caso, nós brasileiros podemos acabar amargando mais uma crise econômica, como a dos anos Dilma, que foi a mais longa e aguda que o país viveu em pelo menos 120 anos. O Brasil e os brasileiros não merecem isso.

 

Ricardo Amorimautor do bestseller Depois da Tempestade, apresentador do Manhattan Connection da Globonews, o economista mais influente do Brasil segundo a revista Forbes, o brasileiro mais influente no LinkedInúnico brasileiro entre os melhores palestrantes mundiais do Speakers Corner, ganhador do prêmio Os + Admirados da Imprensa de Economia, Negócios e Finanças, presidente da Ricam Consultoria e cofundador da Smartrips.co e da AAA Plataforma de Inovação.

 

Quer receber meus artigos por e-mail? Cadastre-se aqui.

 

Clique aqui e conheça as minhas palestras.

 

Siga-me no: Facebook, TwitterYouTubeInstagram,  Medium e LinkedIn.

 
 

LinkedIn
Facebook
Twitter

Relacionados