Economia sem economês – Entrevista de Ricardo Amorim ao Portal Ticket Gestão sobre crise internacional e impactos no Brasil.

 Portal Ticket Gestão

10/2011

 
 
Economia sem economês
 
Em entrevista, o economista Ricardo Amorim fala do bom momento econômico e alerta para os desafios que comprometem a competitividade das empresas brasileiras.
 
Que a economia brasileira voa em céu de brigadeiro não é novidade. E na opinião do economista Ricardo Amorim, presidente da Ricam Consultoria, as coisas devem permanecer assim por um bom tempo. Na entrevista que você confere a seguir, ele explica o porquê.
 
Antes, um breve histórico: formado em economia pela Universidade de São Paulo (USP), pós-graduado em Administração e Finanças Internacionais pela ESSEC de Paris, Amorim atua no mercado financeiro desde 1992. Ele também é um dos comentaristas do programa Manhattan Connection, do canal Globo News, além de escrever para a revista Istoé e falar sobre economia na Rádio Eldorado.
 
 
Após o primeiro semestre do Governo Dilma, quais são as perspectivas para a economia brasileira?
A primeira coisa que precisamos fazer é despolitizar um pouco o tema, porque o que deve acontecer daqui para frente é muito mais em função do que já vinha sendo feito, e do que está acontecendo no mundo, do que realmente em função de políticas da nova presidente. A perspectiva para os próximos anos são muito favoráveis, mas isso não tem a ver, especificamente, com a eleição da Dilma. Tem a ver com o fato de que aconteceram algumas mudanças na economia mundial que favoreceram o Brasil. Entre as 30 maiores economias do mundo, o Brasil foi o terceiro país que mais cresceu em 2010, só perdendo para China e Índia.
 
Quais foram essas mudanças?
São três transformações principais, todas elas favoráveis ao Brasil e negativas para os países ricos. A primeira: com a emergência da China e da Índia, e mais especificamente, com a entrada da China na OMC em 2001, as populações desses países passaram a comer mais e melhor. Como grande exportador de alimentos em geral, o Brasil ganhou. Além disso, esses países estão num processo de urbanização e industrialização, ou seja, as pessoas estão saindo do campo e indo para as cidades; faz-se necessário construir as cidades, e é preciso comprar metais, minerais. O Brasil ganha de novo. O segundo ponto é que, quando a gente começa a exportar a produção de quase tudo para lugares que tem muita mão de obra, o custo da produção cai. Com isso, a inflação no mundo também começou a cair nos últimos anos, o que permite que a taxa de juros, no Brasil e no mundo inteiro, esteja nos níveis mais baixos da história. A última coisa que nos beneficia é que o fluxo de cérebros no mundo passou a jogar a nosso favor e não contra. Antes, o Brasil perdia boa parte dos seus profissionais mais bem formados porque eles iam estudar ou trabalhar fora e acabavam ficando. Hoje, o fluxo inverteu. Só de brasileiros, há 400 mil que voltaram nos últimos seis anos.
 
Essa bipolaridade (crescimento dos emergentes e crise nos países ricos) deve perdurar?
Ela veio para ficar porque os fatores que geraram essa bipolaridade foi basicamente a emergência desses dois países, que são muito pobres e muito populosos, China e Índia. Por que essas economias são grandes? Basicamente, porque tem muita gente. O que mudou foi que nós vivíamos em um mundo em que os países ricos tinham populações ricas; hoje, os países ricos, os que estão se tornando as maiores economias do mundo, têm populações pobres ou de renda média, caso do Brasil.
 
Qual foi o impacto que o afastamento do ex-ministro Antonio Palocci teve no cenário econômico brasileiro?
A demissão do ministro Antonio Palocci reduz bastante a pressão política sobre o governo e ajuda a preservar a popularidade da Presidente Dilma. Por outro lado, cria a dúvida sobre até que ponto a política econômica do governo pode ser negativamente impactada. O ministro Palocci era o principal defensor, dentro do governo, de medidas para aumentar a eficiência do setor público e tornar o ambiente de negócios mais favorável. Ainda é difícil precisar o que sua saída do governo representará, mas há um risco de deterioração da qualidade da política econômica.
 
Muitos analistas afirmam que o sistema previdenciário brasileiro está falido. Quão espinhoso é esse problema?
A previdência é um problema no mundo inteiro e isso por uma boa razão: a expectativa de vida vem aumentando muito e, por consenquência, as idades que foram definidas quando se criou o modelo de previdência estão gerando um desequilíbrio financeiro porque as pessoas estão vivendo mais. A ideia era que as pessoas se aposentassem com 65 anos e vivessem mais cinco. Só que hoje, elas vivem mais 20, o que é ótimo. Mas teremos que nos aposentar mais velhos e teremos que aceitar essa situação no Brasil e em todos os outros lugares. No caso específico brasileiro, temos uma distorção que é só nossa. O Brasil é o único país do mundo cujo déficit de previdência do setor público é muito maior do que de toda a iniciativa privada. E por que isso é uma loucura? Porque há 20 vezes mais profissionais da iniciativa privada. É um absurdo. Deveria existir um sistema único. Essa seria a primeira coisa a ser feita. Só com isso, você pouparia mais do que a CPMF arrecadava.
 
Durante a crise de 2008, muito se falou sobre o absurdo das políticas de remuneração de altos executivos. As organizações aprenderam alguma lição?
Elas aprenderam que o problema existe, mas elas não acharam uma solução. E não existe uma solução óbvia. Na realidade, há uma forma de se fazer isso. O que se criou nas empresas para alinhar os interesses delas aos dos funcionários? A remuneração variável: se a empresa ganha mais, os funcionários ganham mais. Mas isso passou dos limites. As empresas começaram a criar uma série de instrumentos contábeis para mostrar resultados melhores e, dessa forma, os executivos, os funcionários em geral, teriam uma remuneração variável maior. A forma de se resolver isso é a seguinte: você cria a remuneração variável, o funcionário vai receber, só que ele não pode sacar o valor durante um determinado período. Então, por exemplo, digamos que os funcionários recebam ações da empresa quando ela tem um bom resultado: eles só poderão pegar essas ações entre três, e cinco anos. Isso significa que, se o que foi feito foi fraudulento e vai estourar lá na frente, ele não recebe. Isso faria com que os gestores, executivos, tivessem interesses mais em longo prazo.
 
Você acredita que as empresas têm um papel importante na educação financeira de seus colaboradores?
Sim, elas têm. E por interesse próprio. O país mudou e isso cria oportunidades e desafios. Uma das mudanças importantes é o crédito. Era tão caro e tão pouco disponível antes que quase não existia. E, de repente, praticamente todo o mundo tem acesso a ele. Então, a primeira coisa que as pessoas precisam aprender no Brasil é a usar bem o crédito. Se a empresa tem um funcionário que está endividado, certamente ele não vai trabalhar tão bem, porque a cabeça dele está em outro lugar. Além disso, as empresas precisam se dedicar a ajudar as pessoas a aprenderem a pensar e a investir em longo prazo. Como o Brasil tinha uma situação instável, ninguém conseguia pensar muito além do amanhã e do depois de amanhã. Isso deixou de ser verdade.

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