Entrevista de Ricardo Amorim sobre perspectivas para a economia brasileira e mundial em 2014 para a Revista Intercâmbio da Central de Informações São Paulo

Revista Intercâmbio

01/2014

 
Quais foram as mais recentes transformações da economia global e seu impacto para os negócios das empresas brasileiras?
Desde a virada do milênio, a mais importante transformação foi o papel cada vez mais importante da China na economia mundial e seus impactos em todo o mundo. Só para dar uma ideia em 2001, apenas 1% das exportações brasileiras iam para a China e 28% para os EUA. No ano passado, 18% foram para a China e 14% para os EUA. Aliás, a redução da participação dos EUA nas exportações brasileiras reflete a segunda transformação global de destaque: o fraco desempenho econômico das economias americana e europeia a partir da crise financeira global de 2008. Com estas duas megamudanças, o quadro de oportunidades e riscos para as empresas brasileiras mudou brutalmente. Um exemplo, é que a concorrência que empresas brasileiras estão sofrendo de produtos feitos nos EUA e na Europa tem aumentado brutalmente, como expliquei no artigo Made in USA.
 
Qual a sua avaliação sobre as projeções dos economistas, que elevaram a estimativa para o crescimento do PIB brasileiro para este ano?
De 2004 a 2010, o PIB brasileiro cresceu a um ritmo de quase 5% a.a., 2,5 vezes a média dos 25 anos anteriores. Só foi possível por ajustes econômicos feitos antes, um forte crescimento na procura global por matérias primas que exportamos, e uma grande queda do custo de capital no mundo. Este modelo de desenvolvimento baseado na expansão da procura tanto externa quanto doméstica pelos nossos produtos e serviços está esgotado. Nos últimos 3 anos, voltamos à média histórica de crescimento do PIB de apenas 2% a.a.
Dois fatores que ajudaram o crescimento acelerado de 2004 a 2010 acabaram: incorporação de mão de obra ao mercado de trabalho e maior utilização da infraestrutura existente. O desemprego já é o mais baixo da história e o gargalo da infraestrutura é visível. Para sustentarmos um crescimento mais rápido, só investindo muito em qualificação de mão de obra, máquinas, equipamentos e infraestrutura. A China, que cresce 3 a 4 vezes mais rápido que o Brasil, investe em sua infraestrutura, a cada 3 meses, o equivalente a todo o estoque de infraestrutura existente no Brasil.
Se você estivesse concorrendo à reeleição e, a menos de um ano das eleições, as pesquisas indicassem sua vitória com uma folga razoável, você faria grandes mudanças na política econômica? A Dilma também não.
O que esperar da economia em 2014? Sem uma nova crise externa, o PIB deve crescer cerca de 2%, os juros subirão para impedir que a inflação aumente e o dólar cairá ao longo do ano.
Por outro lado, se uma desaceleração dos estímulos monetários nos EUA deflagrar o estouro de bolhas de ativos pelo mundo, a recuperação da economia chinesa for abortada, ou novas crises financeiras pipocarem na Europa ou nos países emergentes, nosso crescimento será próximo de nulo e, temporariamente, o dólar subirá ainda mais, pressionando a inflação.
 
Ao mesmo tempo, as projeções para a inflação também foram elevadas, de 5,97% para 6%, em 2014. Como isso afetará a economia nacional em longo prazo?
Nos últimos trimestres, a inflação tem consistentemente se situado em uma patamar próximo dos 6%. Pior, como há uma série de aumentos de tarifas públicos ou preços regulados pelo governo represados, haverá uma pressão inflacionária adicional quando estes aumentos inevitavelmente ocorrerem. A meta inflacionária é de 4,5% e não será atingida neste ano, nem provavelmente no ano que vem quando, passadas as eleições, boa parte da inflação represada de preços controlados pelo governo deve aparecer com mais força. O problema é que, como a inflação tem ficado acima da meta com muita frequência, a capacidade da meta funcionar como um imã para a inflação real, influenciando a expectativa dos formadores de preços, é cada vez menor. Isto significa que quanto mais o governo demora para fazer a inflação voltar à meta, mais agressivas terão de ser as medidas para conseguir fazer isso no futuro, reduzindo mais o crescimento da economia. Aliás, esta já é uma das razões pelas quais teremos mais um PIBinho neste ano e crescimento apenas moderado no ano que vem.
 
Você concorda com as opiniões compartilhadas pelos analistas de mercado? Na sua opinião, qual deve ser o panorama para 2014?
O Brasil terá, na melhor das hipóteses, um 2014 medíocre. Na pior, estagnação. Felizmente, algumas regiões e setores terão um bom desempenho. O Norte, Centro-Oeste e o interior do país crescerão mais, impulsionados pelo vigor do agronegócio e da mineração. Idem para o Nordeste, onde a emergência de novos consumidores continuará forte. Setores de serviçoscomércio e imobiliário também crescerão mais do que o PIB, beneficiando-se da expansão de renda e crédito, e da falta de concorrência estrangeira, ao contrário da indústria.
Pelo 11º ano consecutivo, a produção industrial deve expandir-se menos do que as vendas no varejo. Continuaremos a consumir mais do que produzimos. Em algum momento isto ficará insustentável e deflagrará uma nova crise que forçará as mudanças que poderíamos ter feito antes, por escolha própria, em condições muito mais favoráveis.
Por tudo isso, é que do ponto de vista das empresas, inovar e fazer melhor tornou-se mais importante do que nunca, um tema que tenho trabalhado bastante com meus clientes.
 
Os países que lideram a economia no mundo continuarão crescendo lentamente ou há alguma perspectiva de retomada com maior vigor?
Não apenas devem continuar a crescer lentamente ao longo desta década, mas é provável que ainda vejamos algumas crises econômicas sérias começando por lá nos próximos anos.
 
E dos países que compõem o BRICS, o que podemos esperar nesse ano?
Todos os países dos BRICS passaram recentemente por forte desaceleração de crescimento. A pergunta que fica é se eles conseguirão acelerar o crescimento em 2014. Até agora, talvez com exceção da China, não parece que isto vá acontecer e mesmo no caso da China, a aceleração recente ainda precisa provar-se sustentável ao longo do ano, o que está longe de ser uma certeza.
 
O que esperar da China, por exemplo, que se tornou a primeira potência comercial mundial? Ou dos EUA, que dão sinal de aumento dos juros básicos?
A China passa por uma transição econômica crucial, onde a economia está ficando menos dependente de exportações e investimentos e mais dependente do consumo dos próprios chineses. A dúvida é se esta transição acontecerá de forma tranquila, pois parece haver bolhas imobiliária e de crédito bastante significativas por lá. A certeza é que mesmo que a transição seja bem sucedida, o crescimento médio da economia da China nos próximos 10 anos não será tão acelerada quanto nos últimos 10 anos.
No caso dos EUA, como os fracos números de emprego de dezembro deixaram claro, a grande dúvida é se a recuperação da economia americana consegue se sustentar se o Banco Central reduzir os estímulos monetários, como vem sinalizando. Por outro lado, se não reduzi-los, o FED continuará a inflar bolhas de ativos cotados em dólar, como obras de arte, jóias, livros raros, Bitcoins e, a mais importante de todas, a Bolsa americana. Em algum momento, elas, como todas as bolhas, acabam estourando e, no caso, da Bolsa americana, provavelmente com consequências nocivas significativas para toda a economia mundial, como em 2008.
 
 

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