Entrevista de Ricardo Amorim sobre perspectivas, desafios e oportunidades para a economia brasileira

03/2014

ADEMI

 
– O crescimento da economia brasileira ficou em 2,3%, acima da Inglaterra, por exemplo, e próximo à média mundial. O senhor acha que isso é uma boa “bagagem” para 2014?
Para um país emergente, como o Brasil, ficar próximo ã média mundial é muito pouco. Infelizmente, desde 2011, temos crescido menos do que a média dos países emergentes e em 2014 não deve ser diferente. Aliás, é muito provável que o crescimento em 2014 no país seja inferior ao de 2013.
Nos últimos anos, o crescimento brasileiro baseou-se no crescimento da classe média e seu potencial de consumo. A expansão do consumo de massas em si é muito benéfica em termos econômicos e sociais. O problema é que ela não pode ser a única base de crescimento do país e tem sido. Se um país só estimula o consumo e não estimula a produção, acaba acontecendo um desequilíbrio entre forte crescimento da procura por produtos e serviços e crescimento menor da oferta destes produtos e serviços. O resultado é menor crescimento econômico, pressão inflacionária e piora da balança comercial devido a forte aumento das importações. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil.
De 2004 a 2010, o PIB brasileiro cresceu a um ritmo de quase 5% a.a., 2,5 vezes a média dos 25 anos anteriores. Só foi possível por ajustes econômicos feitos antes, um forte crescimento na procura global por matérias primas que exportamos, e uma grande queda do custo de capital no mundo. Este modelo de desenvolvimento baseado na expansão da procura tanto externa quanto doméstica pelos nossos produtos e serviços está esgotado. Nos últimos 3 anos, voltamos à média histórica de crescimento do PIB de apenas 2% a.a.
Em novembro do ano passado, escrevi um artigo chamado Feliz 2014? Prevendo que a economia brasileira como um todo teria, na melhor das hipóteses, um 2014 medíocre. . Na pior, estagnação. Sem uma nova crise externa, o PIB deve cresceria cerca de 2% e os juros subiriam para impedir que a inflação aumentasse, mas se uma desaceleração dos estímulos monetários nos EUA deflagrasse o estouro de bolhas de ativos pelo mundo, a recuperação da economia chinesa fosse abortada ou novas crises financeiras pipocassem na Europa ou nos países emergentes, nosso crescimento seria próximo de nulo. De lá para cá, as perspectivas para o crescimento brasileiro pioraram.
 
– Há diariamente uma enxurrada de números, índices, previsões, cotações na mídia. E as mudanças nas expectativas são bruscas. Se num dia estamos á beira da recessão, no dia seguinte a economia milagrosamente dá sinais de crescimento. A que o senhor atribui tamanha discrepância nas análises econômicas? O senhor, como economista, às vezes também se sente confuso com a enxurrada de dados e interpretações?
De fato, há uma quantidade enorme de informações econômicas sendo divulgadas diariamente. O importante é separar o joio do trigo e saber quais informações são importantes e quais não são. Reconheço que esta não é uma tarefa fácil, mesmo para especialistas, mas é uma tarefa que pode, sim, ser muito bem executada.
Por exemplo, todo final de ano, escrevo um artigo sobre as perspectivas econômicas para o ano seguinte. Feliz 2014? , o artigo que publiquei no final do ano passado, foi o 4º artigo consecutivo prevendo que o crescimento no Brasil decepcionaria, o que efetivamente aconteceu nos três últimos anos. Ainda assim, ao longo destes anos, nem todos os números econômicos divulgados ao longo dos anos, foram ruins. O importante era compreender que enquanto nossa política econômica não mudasse, privilegiando a produção, o crescimento não iria se acelerar de forma sustentável, mesmo que, temporariamente, um ou outro número econômico pudesse ser um pouco melhor.
Dois fatores que ajudaram o crescimento acelerado de 2004 a 2010 acabaram: incorporação de mão de obra ao mercado de trabalho e maior utilização da infraestrutura existente. O desemprego já é o mais baixo da história e o gargalo da infraestrutura é visível. Para sustentarmos um crescimento mais rápido, só investindo muito em qualificação de mão de obra, máquinas, equipamentos e infraestrutura. A China, que cresce 3 a 4 vezes mais rápido que o Brasil, investe em sua infraestrutura, a cada ano, o equivalente a todo o estoque de infraestrutura existente no Brasil.
A única forma de voltarmos a crescer mais e aumentando muito os investimentos produtivos no país, começando pelos investimentos em infraestrutura e aumentando a produtividade dos trabalhadores brasileiros, investindo em educação, treinamento e inovação.
 
– Qual a sua avaliação sobre a política cambial? A alta do dólar é o ponto mais vulnerável da atual política econômica?
Infelizmente, o governo apostou suas fichas nos últimos anos em que a desvalorização do real sozinha resolveria nossos problemas de competitividade, mas a estratégia não funcionou. Aliás, não era necessário ser nenhum gênio para saber que ela não funcionaria. Eu mesmo publiquei vários artigos ao longo dos últimos três anos prevendo que isto aconteceria. No último deles, Industriais do Brasil, uni-vos!, publicado há um ano, reafirmei, como já havia explicado no artigo Diagnóstico Errado que é equivocada a ideia de que as dificuldades da indústria brasileira vem de um real excessivamente valorizado. Baseado nesse diagnóstico errôneo, o governo promoveu uma forte desvalorização da taxa de câmbio no ano passado. Os resultados? A produção industrial caiu 2,7% em 2012, e com o encarecimento dos produtos importados, a inflação de janeiro de 2013 foi a mais alta desde 2005.
 
– Qual a sua avaliação sobre o desempenho da indústria? Houve muita queixa do setor, mas o crescimento registrado em 2013 esteve acima das projeções…
Nos últimos dez anos, a produção da indústria no Brasil cresceu em oito e caiu em dois, 2009 e 2012, os únicos anos em que a taxa de câmbio média se desvalorizou. Se o problema é a cotação do real, por que a indústria sofre exatamente quando o problema diminui? Porque a valorização do câmbio – ainda que efetivamente aumente os desafios para a indústria – não é a causa original de suas dificuldades, mas sim consequência dos mesmos processos globais que tem causado tais dificuldades.
A primeira, causada pela migração da indústria global para a China em função de custos de mão de obra menores, começou após a entrada dos chineses na Organização Mundial do Comércio no final de 2001. Desde então, a produção da indústria chinesa triplicou, a brasileira cresceu menos de 30%, ainda assim um ótimo resultado quando comparado à indústria dos países ricos, que encolheu.
A segunda é a própria crise econômica dos países desenvolvidos desde 2008. Uma consequência inevitável da necessária reversão do excesso de endividamento que provocou tal crise foi o consumo crescendo menos nos países ricos e mais nos emergentes. Com a expansão do crédito e da renda no Brasil, as vendas do varejo cresceram mais do que a produção da nossa indústria em todos os anos desde 2004. Da mesma forma, a queda da renda e do crédito nos países desenvolvidos desacelerou as vendas internas. Isto gerou capacidade ociosa e forçou a indústria deles a redirecionar uma parte crescente da produção para os países onde o consumo está crescendo, os emergentes, incluindo o Brasil.
Estes fatores adversos não vão mudar tão cedo e há pouco que possamos fazer para neutralizá-los diretamente, sem causar efeitos colaterais mais nocivos que eles próprios, como mostra a mal sucedida tentativa de ajudar a indústria desvalorizando o real, que aliás parece estar sendo abandonada.
Não significa que não possamos ou não devamos fortalecer nossa indústria. Muito pelo contrário. Além das dificuldades causadas pela conjuntura externa, todos os setores da economia brasileira enfrentam obstáculos estruturais.  A solução para infraestrutura ruim, impostos excessivos, mão de obra mal preparada, burocracia e tantos outros problemas está em nossas mãos, particularmente nas mãos do governo.
Oferecendo isenções tributárias temporárias a alguns subsetores industriais e medidas protecionistas a outros, o governo divide e cala nossos industriais, mas não elimina gargalos estruturais. Em alguns casos, até os agrava. Encarecer a importação de componentes, por exemplo, além de aumentar o preço para os consumidores, piora a situação dos subsetores que os utilizam.
Na prática, o nível da produção da indústria nos últimos meses tem sido ligeiramente inferior ao que era  ainda em 2008. Em outras palavras, apesar dos altos e baixos mês a mês e ano a ano, a indústria brasileira não cresceu nada nos últimos 6 anos.
Enquanto o setor privado brasileiro não se unir e exigir do governo um corte brutal de gastos e desperdícios, que permita a redução de impostos e libere recursos para mais investimentos em infraestrutura e educação, as dificuldades da indústria não vão passar.
 
– Como avalia o momento atual do setor imobiliário? E as especulações sobre bolha, há fundamento?
Todo ano, publico no site de e minha empresa www.ricamconsultoria.com.br um artigo analisando a situação do mercado imobiliário. No último, As Cassandras e a bolha imobiliária, publicado há um mês, salientei que em 2007, quando os preços dos imóveis começaram a cair nos EUA, surgiram as primeiras Cassandras vaticinando que em breve o destino brasileiro seria o mesmo. A lógica era simples: também aqui os preços já tinham subido muito, a expansão do crédito imobiliário tinha sido grande e as construtoras construíam como nunca.
Lógica simples, porém errada. Todos os pontos eram verdadeiros, mas ignoravam o fator determinante para quem pesava os prós e os contras da compra de um imóvel. Mesmo que o Brasil estivesse no processo de formação de uma bolha imobiliária, em que ponto deste processo estaríamos? Passados 7 anos, hoje ficou claro que apenas nos primeiros sopros.
Os preços dos imóveis, dependendo de localização e características, subiram entre 150% e 1000%. Portanto, teriam de cair entre 60% e 90% – o que é altamente improvável – apenas para voltar aos preços de 2007. Quem ouviu as Cassandras está esperando até hoje os preços caírem.
Isto não significa que uma bolha imobiliária não possa estourar no Brasil no futuro. Aliás, a Cassandra original, a da mitologia grega, estava correta em suas previsões de catástrofe e desgraça em Troia. O problema é que estar certo muito antes da hora leva a decisões erradas.
Precisar quando uma bolha imobiliária vai estourar é impossível, mas bolhas não estouram antes de estarem suficientemente cheias, o que torna possível termos uma idéia aproximada se estamos perto ou distantes do estouro. Por isso, desde 2007, publico anualmente artigos analisando a situação do mercado imobiliário, tentando responder se já haveria indícios de uma bolha próxima do estouro, ou se os preços continuariam a subir.
Em meu último artigo, publicado há um ano, assim como em todos os anteriores, concluí que não havia sinais de estouro iminente e que os preços continuariam a subir. De lá para cá, de acordo com o índice FIPE/ZAP, na média, o preço dos imóveis subiu 13,5% no Brasil.
E qual é a situação hoje? Os que acreditam que uma bolha imobiliária está prestes a estourar baseiam-se em três diagnósticos: excesso de construção, construtoras em dificuldades e preços exagerados.
Para analisar o atual ritmo de construção no Brasil, uso o nível de consumo anual per capita de cimento, que estimo estar em 350kg. Até hoje, nenhuma bolha imobiliária estourou com menos de 400 Kg per capita anual de consumo de cimento.
As dificuldades financeiras de algumas construtoras vêm da devolução de parte dos imóveis por inadimplência dos compradores – o que poderia contribuir para queda de preços – mas também de uma subavaliação dos custos de construção no passado, fator que está sendo corrigido, contribuindo para elevação de preços agora.
Mas os preços já não estão caros demais? Comparando com o passado ou com preços de imóveis nos EUA, parece que sim. No entanto, nem os preços históricos no Brasil nem o preço atual nos EUA são bons parâmetros de comparação.
Para uma comparação mais ampla, analisei preços de venda de imóveis de 90mem 509 cidades em todo o mundo, incluindo os 12 maiores mercados imobiliários brasileiros. Das 12 cidades brasileiras, 9 estão na metade mais cara do mundo, lideradas por Porto Alegre (35ª), Rio de Janeiro (42ª) e Florianópolis (44ª) e apenas 3 na metade mais barata: Campinas (319ª), Goiânia (320ª) e Fortaleza (417ª). Miami vem logo depois de Fortaleza, é a 418ª. Aliás, as 35 cidades mais baratas do mundo estão todas nos EUA e as 25 mais caras, todas em mercados emergentes, 20 delas na Ásia.
O mercado brasileiro como um todo está, sim, caro para padrões internacionais, mas não para parâmetros de mercados emergentes.
Minhas análises sugerem que aproximadamente 2/3 da alta de preços antes de um eventual estouro já aconteceu. Restaria, portanto, uma alta adicional de mais ou menos metade do que os preços já subiram.
Esta é uma média nacional, que inclui mercados onde os preços ainda estão baratos e podem subir mais do que a média e outros que já subiram demais. Brasília, por exemplo, que há um ano era a cidade mais cara do Brasil, já tem visto pequenas quedas de preços. Em um mercado que não subirá mais tanto nem de forma tão generalizada, a localização e os diferenciais de cada imóvel serão muito mais importantes.
E quando os preços finalmente caírem – todo preço de ativo cai um dia e não há razão para crer que com o mercado imobiliário brasileiro será diferente – quanto devem cair? A experiência internacional dá duas dicas. Primeiro, os preços dos imóveis que mais subirem serão os que mais cairão. Segundo, o tamanho da queda depende diretamente do volume de crédito imobiliário no momento do estouro da bolha e do crescimento percentual deste crédito desde que a expansão começou. Por ora, o primeiro sugeriria uma queda muito pequena por aqui, o segundo, uma enorme.
Em resumo, meu conselho para quem quer comprar um imóvel é que seja cada vez mais criterioso em seus investimentos imobiliários, mas ainda é cedo para desesperar-se com o choro das Cassandras.
 
– O mercado de trabalho tem sido um dos trunfos da economia. Mas já se fala em desaceleração. Qual a sua avaliação?
O desemprego no Brasil está próximo dos níveis mais baixos da história, mas há quatro meses, o número total de pessoas com emprego no Brasil tem caído. A discrepância acontece porque muita gente tem deixado de buscar emprego e a estatística de desemprego só mostra o percentual de pessoas que não tem emprego entre as que procuraram emprego. Quem sequer busca emprego não aprece na estatística.
Em resumo, a situação do mercado de trabalho no Brasil tem piorado, sim.
 
– A falta de capacitação de mão de obra ficou evidente a partir do aumento da demanda em diferentes setores da economia, principalmente na indústria e em obras de infraestrutura (por conta dos megaeventos esportivos, Copa do Mundo e Olimpíadas, no Rio). O problema atinge desde os canteiros de obras ao meio acadêmico. Há solução em curto prazo?
A única solução de curto prazo é importar trabalhadores de outros países, como aliás já estamos fazendo de forma significativa. Pelos meus estudos, de cada 18 empregos formais gerados no Brasil nos últimos 2 anos, um está sendo ocupado por um estrangeiro. Nunca antes na história deste país…
A médio e longo prazo, a solução é mais ampla. O apagão de mão obra não é novidade. À medida que o desemprego no Brasil começou a cair desde meados de 2004, a dificuldade das empresas em contratar bons profissionais tem aumentado e os salários e benefícios dos funcionários subido.
No mercado de trabalho, assim como em infraestrutura e câmbio, o Brasil viu-se forçado a lidar com as dores do crescimento. Nas décadas de 80, 90 e início do milênio, quando o Brasil sustentou uma taxa média de crescimento do PIB de apenas 2% ao ano, faltavam empregos. Desde 2004, a média mais do que dobrou, hoje faltam profissionais qualificados para as vagas existentes.
O aumento da remuneração dos trabalhadores consolidou e fortaleceu o mercado consumidor. Só que a elevação de salários e benefícios não veio acompanhada por igual aumento da produtividade dos trabalhadores, encarecendo produtos e serviços no país. Para piorar, o Real apreciou-se significativamente, colaborando para tornar nossos produtos e serviços ainda menos competitivos em relação aos estrangeiros.
Esta nova realidade tem trazido desafios às empresas e tornou uma eficaz gestão de recursos humanos mais estratégica do que nunca. Atrair e reter talentos nunca foi tão importante, dando início a uma revolução silenciosa, com implicações positivas substanciais sobre a estrutura da nossa economia. Por terem sido praticamente ignoradas até aqui pela maioria das empresas, três transformações merecem destaque.
Enquanto oportunidades profissionais brotam no país nos últimos anos, elas minguam nos países desenvolvidos. Isto provocou uma reversão na histórica perda de talentos que o país se acostumara. Atraídos por melhores oportunidades e remuneração, centenas de milhares de brasileiros que trabalhavam nos EUA, Europa e Japão retornaram ao país, eu entre eles. Além disso, o número de autorizações de trabalho para estrangeiros no país triplicou nos últimos cinco anos. Já há mais de 1,5 milhão de trabalhadores estrangeiros legais iluminando nosso apagão de mão de obra e hoje, quem diria, atraímos até imigrantes ilegais.
Em paralelo, um aumento da expectativa e qualidade de vida, somado a uma futura incapacidade do sistema público de previdência de honrar suas promessas, mais uma sustentada queda da taxa de juros no Brasil, reduzindo a rentabilidade de aplicações financeiras, forçam cada vez mais aposentados a complementarem suas rendas, voltando a trabalhar. Será que as empresas estão prontas para eles?
Por fim, no Brasil, a mão de obra era barata e a tecnologia cara. Não mais. Enquanto os salários vem subindo, o custo de máquinas e equipamentos vem caindo devido à produção chinesa e à apreciação do Real. Um forte processo de mecanização e informatização vem aí, com impactos muito positivos sobre a produtividade, mas exigindo trabalhadores ainda mais qualificados.
Por trás da escuridão do apagão de mão de obra, há uma revolução silenciosa que só começou.
 
– O que falta ao Brasil para chegar ao mercado internacional com maior competitividade em exportações? Quais os entraves dentro e fora do país?
Os entraves são inúmeros, mas na essência, quase todos são decorrentes do fato que pagamos um dos governos mais caros do mundo, mas recebemos um dos mais ineficientes. Até quando nós, brasileiros, vamos pagar impostos de países ricos e receber serviços públicos de países pobres? Os impostos aqui são padrão FIFA, já os serviços públicos…
Em dois países emergentes a carga tributária é maior do que aqui; em outros 153 países, ela é menor. Dos mais de R$ 5 trilhões em riqueza que o país vai gerar neste ano, quase R$ 2 trilhões serão desviados das famílias  –  onde poderiam alimentar o consumo – e das empresas  – onde poderiam virar investimentos – para o setor público, através de impostos, taxas e contribuições. Onde vai parar todo este dinheiro?
Seria na infraestrutura? De acordo com o Índice de Competitividade Global (ICG) do Fórum Econômico Mundial, que compara diversos indicadores entre 148 países, ranqueando-os do melhor ao pior, aparentemente não. Em qualidade de infraestrutura, o Brasil está em 103º em ferrovias, 120º em rodovias, 123º em aeroportos e 131º em portos. Dos quase R$ 2 trilhões que pagaremos em impostos, apenas pouco mais de R$ 100 bilhões serão investidos em infraestrutura. Um valor parecido será desviado por corrupção.
Ainda sobra mais de R$ 1,7 trilhão. Vai para a educação? O ICG sugere que não. Poucos vão à escola. O Brasil está em 69º em acesso à educação básica e 85º em acesso à universidade. E quem vai aprende pouco. Estamos em 121º em qualidade de ensino universitário e 129º em qualidade de ensino básico.
Neste caso, o dinheiro deve ir para a saúde. Será? Somos o 74º país em mortalidade infantil e o 78º em expectativa de vida.
Então, deve estar sendo investido em pesquisa, desenvolvimento, inovação, produtividade e competitividade? Não parece. Estamos em 112º em número de cientistas e engenheiros em relação ao tamanho da população, 136º em qualidade de ensino de matemática e ciências, e 145º em total de exportações em relação ao tamanho da economia.
Onde está o dinheiro dos nossos impostos, então? Em parte sendo investido em programas sociais do governo. Em uma parte muito mais significativa, mal gasto ou simplesmente consumido pela própria máquina pública.
Pagamos por um dos governos mais caro do mundo, mas recebemos um dos mais ineficientes. Estamos em 124º em crimes e violência, 126º em tarifas de importações, 132º em desperdício de recursos públicos, 133º em desvio de recursos públicos, 138º em impostos sobre trabalho, 139º em custo de processos alfandegários, 144º em números de dias para abrir uma empresa e 147º em custo da regulamentação governamental.
Em plena campanha eleitoral, onde estão os projetos para mudarmos radicalmente esta situação? Pelo jeito, no mesmo lugar que os R$ 2 trilhões que pagaremos em impostos neste ano. Deve ser por isso que o Brasil é só o 136º país do mundo em confiança nos políticos.
– Como o senhor avalia a economia do município do Rio dentro da situação nacional? Pontos fortes e calcanhar de Aquiles? Quais os setores mais expressivos?
Como tudo na vida, o copo da economia do município do Rio de Janeiro está meio cheio e meio vazio. No lado cheio aparecem os grandes investimentos dos últimos anos nos setores de petróleo e gás, turismo e educação universitária privada, um combate mais duro recentemente ã criminalidade e pacificação de algumas favelas e a tentativa, ainda embrionária, de se formar um pólo de tecnologia, como parte do projeto de revitalização da região portuária. Como parte do copo vazio eu colocaria a incapacidade do município, até aqui, em encontrar sua nova vocação desde que a capital federal mudou-se para Brasília.
Minha impressão é que as iniciativas que citei há pouco sugerem que, talvez, isto esteja acontecendo agora, mas é muito cedo para se ter certeza.
 
– Ao condicionarem suas notas e sinalizarem com a hipótese de rebaixamento nas notas de créditos as agências internacionais não acabam colaborando para desestabilizar mais a economia de um país? O que rege esse comportamento e, na sua opinião, até que ponto ele deve interferir na tomada de decisões? 
Isto até acontece, sim, mas é importante entendermos que as agências de rating não passam de um espelho que mostra a situação do país. Se você olhar para um espelho e perceber que o lugar em que você está está pegando fogo, provavelmente, sairá correndo de lá. Se muita gente fizer isto ao mesmo tempo, podemos ter um pânico, mas é difícil culpar o espelho pelo pânico.
 
– Os países que formam o Brics foram do céu ao inferno em apenas um ano. Há explicação? Como o senhor avalia a posição do Brasil hoje diantes de China, Índia e Rússia? Somos mesmo o patinho-feio do grupo?
Acho que neste momento, a maior parte do mundo está mais preocupada com a Rússia do que com o Brasil, mas isto se dá por razões políticas. Do ponto de vista econômico, infelizmente, neste momento, o Brasil é o país com pior desempenho entre os BRICs.
 
– Como o senhor gostaria que o país fechasse o ano de 2014? Que setores gostaria de ver mais desenvolvidos?
Gostaria de ver uma mudança no modelo de desenvolvimento brasileiro com mais estímulos à produção e não apenas ao consumo, como tem acontecido nos últimos anos. Para que tais estímulos pudessem ter a magnitude necessária, o governo teria de cortar seus gastos, liberando recursos para poder investir mais em infraestrutura e reduzir impostos, o que dificilmente ocorrerá.
 
– A indústria criativa é um caminho para a economia nacional?
Para a nossa e qualquer outra economia. Só um processo constante de inovação permite um desenvolvimento acelerado sustentável a longo prazo.
A aceleração e a rápida disseminação dos avanços tecnológicos têm colaborado para uma commoditização generalizada. No passado, uma empresa que lançava um novo produto desfrutava de uma vantagem competitiva significativa em relação aos concorrentes por mais tempo. Hoje, na maioria das vezes, concorrentes conseguem lançar produtos similares ou melhores em prazos cada vez mais curtos. Um exemplo é a indústria de celulares. Em poucos anos surgiram novos líderes, e líderes pioneiros sumiram ou encolheram substancialmente.
Para evitar a commoditização de seus produtos, as empresas tentam, com níveis de sucesso variáveis, diferenciar produtos muito parecidos, usando detalhes técnicos, cores e formas distintas.
A menina dos olhos dos pregadores da inovação é provavelmente a Apple. Com produtos de uso fácil e design arrojado, a Apple transformou aparelhos eletroeletrônicos em objetos de desejo e status. Ainda assim, a própria Apple tem sentido cada vez mais a mordida da concorrência, que não só copia suas inovações, mas acrescenta outras.
Inovar sempre é preciso; hoje, ainda mais. De 2004 a 2010, a economia brasileira expandiu-se a um ritmo médio de 5% a.a. incorporando mão de obra ao mercado de trabalho e usando mais a infraestrutura existente. De lá para cá, estes fatores produtivos se esgotaram e nosso ritmo médio de crescimento desceu para 2% a.a. Para crescer de forma acelerada já não basta colocar mais gente para trabalhar. O desafio agora é produzir mais sem mais gente. Em resumo, não só está cada vez mais difícil manter diferenciais em relação à concorrência, mas sem estes diferenciais, as empresas instaladas no Brasil estão condenadas a crescer menos.
A solução é inovar. Pode ser na forma de atender o cliente. Seja um produto ou um serviço, toda empresa oferece uma solução para uma necessidade de seu cliente. Como melhor suprir esta necessidade? Mude a forma de encarar seu próprio negócio. Por exemplo, em 1987 a Brasilata, uma empresa de embalagens, implantou um programa pedindo sugestões de melhorias a todos os seus funcionários, que passaram a ser vistos como “inventores”. Em 2008, cada inventor propôs, em média, 145 melhorias.
 
– O senhor acredita na futura independência brasileira em relação a petróleo e gás? O pré-sal – que já vem sendo atacado mesmo antes de mostrar seus primeiros resultados – é realmente o que o futuro reserva de mais impactante para a economia do país? É bom que seja assim?
É muito cedo para se ter certeza de qual será o real impacto do pré-sal na economia brasileira. O que já dá para se dizer é que o modelo de exploração do pré-sal provavelmente não foi o mais eficiente. Por diversas razões, nossos investimentos têm sido mais lentos do que deveriam, o que gera um risco importante porque o custo de exploração do pré-sal é elevado e a produção americana de petróleo está crescendo muito. Se, por alguma razão – como uma crise econômica séria na China, por exemplo – a demanda mundial de petróleo cair muito de uma hora para outra, reduzindo significativamente o preço de venda do petróleo no mundo, a exploração do pré-sal pode tornar-se financeiramente inviável de uma hora para outra. Neste ambiente, o ideal seria acelerar os investimentos ao invés de retardá-los.
 
Ricardo Amorim é apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista IstoÉ, presidente da Ricam Consultoria, único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo o Klout.com.Perfil no Twitter: @ricamconsult.
 
 

LinkedIn
Facebook
Twitter

Relacionados